P.50-51

PIO XI, Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931: "A própria natureza exige a repartição dos bens em domínios particulares, precisamente a fim de poderem as coisas criadas servir ao bem comum de modo ordenado e constante".

PAPEL DE FREI BOFF E DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NA AGITAÇÃO AGRÁRIA

João de Castro

O PÚBLICO brasileiro, habitualmente pouco voltado para problemas teológicos, acompanhou com relativo interesse o chamado "caso Boff', em seus vários desdobramentos.

Intuitivo, o nosso povo logo se deu conta de que Frei Leonardo Boff não é um clérigo isolado, um puro ideólogo cujas posições teóricas extremadas não têm consequências concretas. Mas sim um dos principais representantes de uma corrente eclesiástica, senão majoritária, ao menos poderosamente influente, a qual, inspirada na Teologia da Libertação, é responsável em larga medida pela onda de desassossego e violência que de tempos a esta parte assola nossos campos.

Mais do que as concepções dogmáticas claramente heréticas do franciscano de Petrópolis, contidas em seus livros que quase ninguém leu (*), chocaram ao nosso bom povo as desabridas afirmações favoráveis ao comunismo, divulgadas pelos meios de comunicação social.

(*) Ver: "Jesus Cristo Libertador", Ed. Vozes, Petrópolis, 1972; "Vida para além da morte", Ed. Vozes, Petrópolis, 1973; "Os Sacramentos da Vida e a Vida dos Sacramentos", Ed. Vozes, Petrópolis, 1975; "Eclesiogênese - As Comunidades Eclesiais de Base reinventam a Igreja", Vozes, Petrópolis, 1977 (edição patrocinada pelo Instituto Nacional de Pastoral, órgão da CNBB); Teologia desde el cautivero, Indo-American Press Service, Bogotá, 1975.

O "caso Boff"

Em poucas palavras, o "caso Boff' se resume no seguinte: em 15 de maio deste ano, o Cardeal Josef Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, enviou longa carta a Frei Leonardo Boff, contendo reparos a seu livro "Igreja, Carisma e Poder" (publicado em 1981), e convocando-o a Roma para dar explicações. Entre os desvios apontados nessa obra está o de procurar, como finalidade, "uma certa utopia revolucionária", guiado por princípios ideológicos de "inspiração neomarxista" ("FSP", 12-9-84, p. 4). Depois de muitos vais-e-vens, foi fixada a data de 7 de setembro para que Frei L. Boff se apresentasse em Roma.

Dias antes dessa data, a mesma Congregação, presidida pelo Cardeal Ratzinger, divulgou uma Instrução criticando alguns aspectos da Teologia da Libertação. E entre os aspectos criticados no documento estava a adoção da chamada análise marxista como instrumento de investigação teológica.

Mobilização a favor de Frei Boff

A relação entre a convocação a Roma de Frei Leonardo Boff e a publicação do documento foi logo estabelecida. A partir daí, aquilo que a princípio se anunciava como um interrogatório do frade brasileiro sobre alguns pontos de seu livro, passou a ser visto como um verdadeiro processo movido à própria Teologia da Libertação - TL

Tanto bastou para que se articulassem todos os partidários dessa corrente no Brasil e no resto do mundo, e começassem as pressões sobre o Vaticano com o fim de impedir que o franciscano de Petrópolis fosse condenado, pois isso significaria uma condenação "de tabela" à Teologia da Libertação em si mesma.

Dois Cardeais e um Bispo pressionam o Vaticano

Foi nesse sentido que a grande imprensa nacional e europeia interpretou a atitude ostensiva dos Cardeais D. Paulo Evaristo Arns, Arcebispo de São Paulo, e D. Aloísio Lorscheider, Arcebispo de Fortaleza, bem como do presidente da CNBB e Bispo de Santa Maria, D. Ivo Lorscheiter, os quais foram a Roma ao mesmo tempo que Frei Leonardo Boff, para impedir a condenação do franciscano ("O ESP", 8, 9, 11 e 19-9-84; "FSP", 8-9-84). De resto, o próprio Frei L. Boff, em mais de uma ocasião, declarou à imprensa que "pesou muito a presença de dom Aloisio e dom Paulo junto às altas instâncias do Vaticano" para que se desse a mudança de atitude da Congregação romana em relação a ele, transformando o que prometia ser um apertado interrogatório, num "cordial colóquio" ("FSP", 8-9-84; "O ESP", 19-9-84). E o Cardeal Arns comentou na sua volta: "Valeu a pena viajar". Acrescentou que antes havia escrito ao Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Casaroli, dizendo-lhe que Frei Leonardo Boff fora seu aluno, e que se sentia "responsável pelos seus pecados, se porventura houvesse pecados" ("FSP", 19-9-84; "O ESP", 19-9-84). Não deixou também de ter seu peso o apoio um pouco mais discreto, porém não menos efetivo, de D. Avelar Brandão Vilela, Cardeal-Arcebispo de Salvador, ao frade franciscano ("FSP", 14-9-84).

Nas escadarias do Vaticano, elogios a Cuba e à Nicarágua

Frei Boff pareceu não deixar dúvidas a respeito do prosseguimento de sua orientação filocomunista, mesmo depois dessa visita ao Vaticano. A bem dizer nas escadarias do palácio do antigo Santo Ofício, apressou-se em manifestar sua simpatia pelos regimes comunistas de Cuba e da Nicarágua.

Ao semanário italiano "L'Europeo", Frei L Boff apontou a situação em Cuba como exemplo ideal de relações entre a Igreja e os regimes socialistas; e lamentou que os países comunistas do Leste europeu sejam tão dogmáticos. Se não o fossem, a religião seria ali não apenas possível, "mas também conatural como socialismo" ("O ESP", 13-9-84).

À revista alemã "Der Spiegel", por sua vez, ele declarou que os Padres que participam do governo sandinista da Nicarágua estão ajudando "a fazer ali uma sociedade mais justa" E acrescentou: "A única coisa que fazem é servir à causa dos pobres de seu país" ("O ESP", 18-9-84).

Para que se saiba o que Frei L. Boff entende por "sociedade justa" e "causa dos pobres", é bom lembrar que um dos Padres-Ministros da Nicarágua é o Pe. Ernesto Cardenal, o qual se auto intitula "cristão-marxista" e afirma que "comunismo e reino de Deus na terra significam a mesma coisa" ("O ESP", 17-1-79); e que, antes mesmo de subir ao poder junto com os guerrilheiros sandinistas, já anunciava o seu programa: "O problema é acabar com o medo diante do comunismo - ser um elemento de mudança e de reforma, e ajudar na construção do socialismo na América Latina, até alcançar a paz e realizar a construção do socialismo. Isto feito, partir para a construção da sociedade final comunista, isto é, a fundação do 'reino do amor'" ("O ESP", 19-1-79).

Frei Leonardo não esconde o que pensa: quer mesmo o comunismo

Mas não é preciso nenhuma regra de três para saber o que pensa e o que quer o franciscano de Petrópolis. Ele o diz claramente, e não faz cerimônia em escolher o jornal oficial do Partido Comunista Italiano para lhe servir de tribuna.

Declarou ele a "L'Unità": "O capitalismo, e não o marxismo, é o principal demônio que ameaça os povos da América Latina".

Logo, não é o marxismo que a Igreja deve combater.

Mas ele vai mais longe: "Marx ajudou a compreender a lógica do capital e do processo de exploração. .... o que poderia ser mais espiritual do que dar de comer a uma criança que morre" ("O ESP", 25-9-84).

Para o teólogo de Petrópolis, a teoria ateia e materialista de Marx poderia ser, portanto, mais "espiritual" do que uma das obras de misericórdia ensinadas pelo Divino Mestre: "Dar de comer a quem tem fome"...

Daí não se estranhar afirmações como esta, contida em artigo seu para a imprensa carioca, depois reproduzida no livro "O caminhar da Igreja com os oprimidos: "Para que tipo de teologia é útil o marxismo (materialismo histórico)?" Respondendo sem outras mediações: "para aquele tipo de teologia que reflexiona à luz da fé sobre a situação de cativeiro e de libertação dos grupos humanos oprimidos .... o que propomos não é teologia dentro do marxismo, mas a utilização do marxismo (materialismo histórico) pela teologia" (artigo "Marxismo na Teologia", in "JB", 6-4-80 e op. cit., pp. 203 e 205).

Ou como esta outra: "A palavra libertação está prenhe de contestação ética e política: denuncia a opressão vigente e urge um processo de quebra de grilhões. .... Política e analiticamente falando, cumpre caminhar rumo a uma sociedade do tipo socialista" (idem, p. 80).

Não resta lugar a dúvidas: Frei L Boff acena de fato para o comunismo. "O que a teologia poderá dizer é que o ideário socia-lista-comunista propiciaria à fé, caso viesse a se historizar, mais possibilidades que o capitalismo de realizar topicamente a utopia cristã acerca do homem e da sociedade" (idem, p. 201).

Em outras palavras, o que o frade franciscano está dizendo é que o comunismo (qualificado, entretanto, de "intrinsecamente perverso" pelo Papa Pio XI, poderia fornecer melhores condições que as vigentes para atingir o ideal da sociedade humana segundo o Cristianismo. O que traz como consequência

o que ele prega: "cumpre caminhar rumo a uma sociedade do tipo socialista" (comunista), pois o católico deve lutar para que a sociedade realize do melhor modo não a "utopia", mas a mensagem cristã.

"Operações pega-fazendeiro"

Frei Leonardo Boff ensina a seus alunos (futuros frades franciscanos) de Petrópolis e aos líderes das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs a sua doutrina. A imprensa a divulga. Ativistas do movimento da Teologia da Libertação se encarregam de pô-la em prática em nossos campos.

É assim que, com toda a naturalidade, seu irmão e colaborador intelectual, Frei Clodovis Boff, relata as verdadeiras "caçadas" aos fazendeiros e seus empregados no sertão do Acre, promovidas pelas CEBs conscientizadas por ele próprio, junto com outros agentes pastorais. A essas "caçadas" ele chama sem rebuços "operações pega-fazendeiro" (cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, Gustavo A. Solimeo e Luiz S. Solimeo, "As CEBs... das quais muito se fala, pouco se conhece - a TFP as descreve como são", Editora Vera Cruz, São Paulo, 7ª edição, 1983, pp. 193 e ss.).

E é movido pelos mesmos conceitos da Teologia da Libertação que D. Tomás Balduíno, Bispo de Goiás Velho, proclamava em 1980: "O nome verdadeiro não é reforma agrária, é revolução agrária, e isso não vem apenas com boa vontade, com gestos cordiais." (cfr. op. cit., p. 185).

Logo, é preciso gestos não cordiais... Ou seja, revolução. Pois pouco depois dizia ainda o mesmo D. Tomás: "A Reforma Agrária deve ser a que o povo desejar. .... Eu acredito, inclusive, que falar de reforma radical é uma incoerência. Só uma revolução pode ser radical. Uma reforma é sempre ajeitar as coisas... É pintar a casa, quando a solução, talvez, fosse derrubá-la" (idem).

E é para "derrubar a casa" que estão trabalhando ativamente os milhares de agentes pastorais e militantes das CEBs adeptos da Teologia da Libertação, da qual Frei Leonardo Boff é o principal representante em nossa terra.


ALGUNS TÓPICOS DO DOCUMENTO DO CARDEAL RATZINGER SOBRE A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

"A IMPACIÊNCIA e o desejo de ser eficazes levaram alguns cristãos, perdida a confiança em qualquer outro método, a voltarem-se para aquilo que chamam de análise marxista'. .... As posições aqui expostas encontram-se às vezes enunciadas com todos os seus termos em alguns escritos de 'teólogos da libertação'. Em outros, elas se deduzem logicamente das premissas colocadas. Em outros, ainda, elas são pressupostas em certas práticas litúrgicas (como por exemplo a 'Eucaristia' transformada em celebração do povo em luta), embora quem participa dessas práticas não esteja plenamente consciente disso. Estamos, pois, diante de um verdadeiro sistema, mesmo quando alguns hesitam em seguir a sua lógica até o fim. Como tal, este sistema é uma perversão da mensagem cristã, como esta foi confiada por Deus à Igreja. Esta mensagem se encontra, pois, posta em xeque na sua globalidade, pelas 'teologias da libertação'.....

Por conseguinte, a fé, a esperança e a caridade recebem um novo conteúdo: são 'fidelidade à história', 'confiança no futuro', 'opção pelos pobres'. É o mesmo que dizer que são negadas em sua realidade. ....

Verifica-se ainda a inversão dos símbolos no domínio dos sacramentos. A Eucaristia não é mais entendida na sua verdade de presença sacramental do sacrifício reconciliador e como dom do Corpo e do Sangue de Cristo. Torna-se celebração do povo na sua luta. ....

Milhões de nossos contemporâneos aspiram legitimamente a reencontrar as liberdades fundamentais de que estão privados por regimes totalitários e ateus, que tomaram o poder por caminhos revolucionários e violentos, exatamente em nome da libertação do povo. Não se pode desconhecer esta vergonha de nosso tempo: pretendendo proporcionar-lhes liberdade, mantêm-se nações inteiras em condições de escravidão indignas do homem. Aqueles que, talvez por inconsciência, se tornam cúmplices de semelhantes escravidões, traem os pobres que eles querem servir".

("Instruções sobre Alguns Aspectos da Teologia da Libertação", Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, 6 de agosto de 1984, nn. VII, 1; IX, 1 e 5; X, 16; XI, 10).


O PAPEL DO FAZENDEIRO NA COLONIZAÇÃO DO BRASIL

FOI 0 ESPÍRITO DE ARROJO, capaz de arrostar as dificuldades inerentes à condição de desbravador, que permitiu à população agrícola e pecuarista expandir e colonizar consideravelmente o território brasileiro ao longo de nossa História.

São particularmente ilustrativas, nesse sentido, as análises formuladas pelo historiador Oliveira Vianna, em sua obra "Populações Meridionais do Brasil" (Livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1952, 2º vol.), e da qual extraímos, a título de exemplo, os seguintes trechos, a propósito da colonização do Rio Grande do Sul:

"É .... na sua expansão para o sul que os formidáveis cabos paulistas mostram, em toda a plenitude, a sua estupenda capacidade colonizadora. ....

No sul, os platôs paranaenses e catarinenses, nas peneplanícies da serra rio-grandense, nos pampas gaúchos e na orilha dos litorais, desde Laguna até ao Viamão, os objetivos das migrações paulistas são, porém, essencialmente povoadores: só aí eles, realmente, conquistam e desbravam para colonizar. ....

O pastoreio é o meio principal do povoamento. O sertanista povoador, por onde passa, deixa um curral como padrão da sua posse e germe da colonização. Vem o engenho depois, e a lavoura, e o núcleo aldeão de 'moradores', e a 'vila real', e a 'cidade' florescente. .... (pp. 15 e 16).

Espalhando-se por todos os campos da região serrana, a corrente povoadora dos paulistas prossegue a sua incoercível marcha para o oeste. Já agora busca as planícies férteis, que marginam o curso médio do Uruguai. .... Têm como plano deliberado e confessado: conquistarem e localizarem-se nas ricas planícies de aluvião da fronteira, à margem do Uruguai, na região campinosa de São Borja. .... (p. 48).

Nada mais empolgante, na história do extremo sul, do que o recuo da fronteira espanhola ante o poder incoercível da nossa expansão colonizadora. Esta exprime uma conquista lenta e penosa, feita polegada por polegada, em que conseguimos, somente depois de um século de luta, atirar os espanhóis para

a outra margem do Uruguai. ,,,.

Realmente, o que caracterizou esta conquista é que ela não foi uma conquista 'diplomática', nem uma conquista propriamente 'militar'. Não foi a diplomacia de um Metternich, por um golpe de habilidade política, ou a espada de um Frederico o Grande, por um golpe de gênio militar, que nos deu a posse parcial da grande planície. Não; esta conquista representou, inicialmente, uma obra privada, um empreendimento particular - porque, no fundo, obra de predores de gado, empresa de caudilhos fronteirinhos.

Porque, no extremo-sul, a expansão social antecipa a expansão militar: o colono é que vai adiante; os corpos de exército é que o acompanham. O poder militar teve, por isto, ali, uma função secundária: serviu apenas, desde os primeiros tempos da colonização, para assegurar os particulares na posse tranquila das suas próprias conquistas, feitas à ponta de lança no seu avanço sobre a Planície; conquistas que os nossos corpos militares cobriam com a sua blindadura protetora" (pp. 169-170).

Entretanto, nossas fronteiras encontram-se definitivamente demarcadas, solidamente garantidas por tratados internacionais assinados pelo hábil Barão do Rio Branco. Duradoura paz reina entre o Brasil e seus vizinhos hispano-americanos. Em nossos dias, a grande tarefa que cabe aos novos pioneiros realizar é a total colonização desse país-continente.

Na contracapa, cooperadores da TFP diante da Basílica velha de Aparecida.

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