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NATAL NO CÁRCERE

Em 1959, 15 anos depois do Natal na prisão nazista, o Cardeal Mindszenty comemora o Natal com sua mãe em Budapest.

POR TER REDIGIDO e entregue pessoalmente ao governo nazista de Budapeste, títere do de Berlim, uma carta aberta assinada por mais três Bispos pleiteando a suspensão das hostilidades germano-russas em território húngaro, o então Bispo de Veszprem, Josef Mindszenty, foi recolhido a uma prisão militar, para aguardar julgamento. Contudo, já estava decidida sua condenação à morte. Vinte e cinco padres e seminaristas, que tentaram impedir a prisão de seu Pastor, também aguardavam a mesma sorte.

O clima verdadeiramente catacumbal do cárcere não impediu que o Prelado observasse com seus companheiros autêntica vida religiosa. Havia horários para oração, estudo, aulas de teologia. E no dia 7 de dezembro de 1944 realizou-se até a ordenação sacerdotal de nove seminaristas!

A 23 de dezembro, sob forte escolta, os prisioneiros foram transferidos para outra cidade, Kohida, ficando alojados na sala de uma escola anexa a uma antiga fábrica de açúcar.

Nesse local as execuções eram contínuas. Elas não cessavam nem mesmo no domingo. O silêncio que cercava as celebrações do Santo Sacrifício da Missa era quebrado de tempos em tempos pelas ordens de comando e pelas salvas dos pelotões de execução... "Eu rezava pelos infelizes", conta o Cardeal em suas "Memórias" (1).

Nessa escola, os prisioneiros passaram apenas uma noite. O Prelado narra então as consolações e os padecimentos desse trágico Natal:

"Colocaram-nos em seguida num velho armazém malcheiroso. As teias de aranha pendiam do teto, ratos corriam por toda parte. Foi nesse ambiente miserável que celebramos o Natal. Os estudantes de teologia cantaram, eu fiz o sermão. Falei da universalidade da Redenção e mencionei, de passagem, que por ocasião do Natal minha mãe levava ao gado pratos de nossa mesa de família.

"Trouxeram-nos em seguida duas grandes caçarolas com batatas que deviam servir de jantar. Contudo, duas mulheres de guardas ofereceram-nos um verdadeiro jantar de festa, em nome de outras mulheres de policiais. Assim, tornamo-nos seus hóspedes nesta vigília de Natal. Apesar de nossa miséria e angústia, a lembrança desta festa de Natal permanece em meu espírito como uma das mais belas. Essas mulheres corajosas colocaram em perigo a situação de seus maridos, o próprio pão de suas famílias, para nos proporcionar um pouco de alegria do Natal. Nós comemos com grande prazer, sem esquecer o jejum da vigília, como também os outros companheiros de infortúnio aos quais fizemos chegar as batatas e vários dos doces que recebemos.

"Celebrei a missa de Natal na capela da prisão. Meus padres e os jovens seminaristas me assistiram. A paz desta santa noite era maculada pelas profundas trevas da época. O caminho que nos conduzia à capela nos lembrava de modo particular a tristeza e a morte de nossos compatriotas: passamos perto de cruzes e túmulos recentemente escavados".

O Prelado recordou-se, nessa ocasião, das autoridades húngaras ali também encarceradas, de políticos, religiosos e "muitos outros heróis anônimos de nosso povo".

*

Assim, aqueles prisioneiros, unidos pelo mesmo sofrimento, formularam preces que "se elevaram muito além dos muros da capela da prisão. Elas se estendiam por Esztergom, Budapest e as regiões através das quais passava a frente germano-russa onde alguns combatiam ainda, dizendo que o faziam para nos salvar, enquanto outros afirmavam morrer para nos libertar. Nós nos ajoelhamos, em prantos, e permanecemos assim diante do altar, onde o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo estavam presentes. Jamais uma missa de Natal me tocou tanto.

"Após a missa voltamos ao nosso armazém não aquecido, para nele dormir. Após duas horas de sono, ouvi dois jovens seminaristas dizerem-se em voz baixa: 'Morro de frio!' Consolei-os então: 'Meus filhos, pensem na noite de Natal de Santa Isabel e seus filhos no estábulo do albergue de Eisenach. Não esqueçam também o estábulo de Belém' " (2).

(1) Cardinal Mindszenty, "Mémoires", La Table Ronde, Paris, 1974, p. 41.

(2) Op. cit., pp. 42-43.


NOSSA CAPA: No centro: NATIVIDADE - Fra Angélico (séc. XV).

Título: Prophetae praedicaverunt nati Salvatorem de Virgine Maria (Os profetas anunciaram que o Salvador havia de nascer de Maria Virgem – da Antífona do Advento do Pequeno Ofício da Bem-Aventurada Virgem Maria, segundo o Breviário da Ordem Carmelitana).


O palácio das Laranjeiras, feericamente iluminado, em noite de gala... No hall de entrada, convivas socialistas tomam aperitivo.

Na mesa central, finas iguarias.


"UM CONGRESSO SOCIALISTA EM ESTILO BURGUÊS

Roberto Falconieri

O PALÁCIO das Laranjeiras, no Rio, está em gala. Feericamente iluminado, das fontes de seus jardins jorra água em abundância, na cálida noite carioca.

Logo à entrada, guardas de honra, em seus trajes de cerimônia, aguardam carros luxuosos, dos quais descem personalidades com ar solene. As portas dos faustosos salões estão abertas. Lustres de cristal projetam luzes prateadas sobre pisos de mármore. No salão de banquetes, a mesa central ostenta finas iguarias. Os garçons circulam pelo ambiente, servindo deliciosos canapés, whisky e vinhos.

O que estará ocorrendo no interior do Laranjeiras? Quem são os convidados nessa dispendiosa recepção? Por acaso, os participantes de uma reunião do Banco Mundial?

Não. Trata-se, nem mais nem menos, de um congresso do Bureau da Internacional Socialista, realizado nos dias 1 e 2 de outubro, sob a égide do governo carioca.

*

O encontro congregou cerca de 200 líderes políticos de quase 50 países. Dos 66 partidos-membros da Internacional Socialista, 23 estão no poder: Portugal, Espanha, França e Grécia, por exemplo.

Hospedados em 4 hotéis na zona sul do Rio de Janeiro, os líderes socialistas foram protegidos por forte esquema policial, constituído oficialmente por 400 homens das polícias civil e militar, que dedicavam cuidado especial às figuras de realce ali presentes: Willy Brandt, presidente do organismo, Mário Soares, primeiro-ministro português, Carlos Andrés Perez, ex-presidente da Venezuela, Leopoldo Senghor, ex-presidente senegalês, Bayardo Arce, coordenador político da Frente Sandinista de Libertação Nacional da Nicarágua, e Guillermo Ungo, representante da guerrilha salvadorenha.

A julgar pela nomeada desses personagens, um observador comum esperaria ouvir, durante as sessões, uma retórica inflamada e agressiva, recheada de apelos em favor da revolução social. A estes deveriam somar-se cáusticas objurgatórias contra o regime capitalista vigente em grande número de países. Em suma, algo à maneira das reuniões da I Internacional Socialista, fundada por Marx em 1866. O mesmo Marx - conforme atesta artigo desta edição - que era casado com uma nobre prussiana e vivia em Londres de modo burguês, sustentado por Engels, seu endinheirado comparsa de ideias.

Bem diverso do ambiente ameaçador da I Internacional era o cenário desse encontro do Bureau da Internacional Socialista, em meio à deslumbrante paisagem tropical daqueles dias ensolarados.

O luxuoso Rio Palace Hotel, de cinco estrelas - tendo como fundo de quadro a praia de Copacabana - não abrigava façanhudos e agressivos socialistas, indignados com a "espoliação capitalista". Se entre os congressistas havia alguns do gênero "incendiário", é certo que eles souberam ocultar suas tendências sob um exterior francamente burguês: roupas impecavelmente bem cortadas, olhares risonhos... O clima geral parecia o de um "week-end" inesquecível

Dir-se-ia ausente - ou, pelo menos, de um comedimento extremo - o élan revolucionário de outras eras. O bem-estar dos socialistas "aggiornatti" , o conforto que se discernia no ambiente do congresso, tudo concorria para causar nos observadores a impressão de um encontro patrocinado por uma grande multinacional ou por alguma organização financeira, bafejada pela "riqueza corruptora" do capitalismo.

O banquete opíparo do Palácio das Laranjeiras seguramente não contribuiu para reforçar certo mito que procura exibir os socialistas como autênticos representantes de classes "sofredoras" e "exploradas", supostamente enfurecidas contra o capitalismo e o estilo de vida burguês. A própria tônica dos discursos e círculos de estudo que se lhes seguiam era, de modo geral, acadêmica, insossa e balofa, mais adequada a provocar torpor e sono. Nada que propiciasse a exaltação frenética, prenúncio dos levantes de "massas oprimidas"...

* * *

Eis aí, prezado leitor, o neo-socialismo de nossos dias, assumindo ares pachorrentos para ludibriar mais facilmente os incautos. Tais ares, no entanto, não passam de máscara. A despótica atitude anticatólica dos socialistas malteses - comentada em artigo na presente edição - constitui eloquente exemplo da única e verdadeira face de seus correligionários da Internacional...

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