Gregório Lopes
O BISPO de Crateús, D. Antonio Batista Fragoso, conta que o Pe. Fredy Joseph Kunz (Alfredinho) foi morar em "uma casa de taipa sem reboco, dividida em quatro quartos. Os três quartos contíguos eram habitados por mulheres que recebiam seus fregueses, de dia e de noite. A porta dele era sempre aberta. Quando estavam cansadas, embriagadas, e não aguentavam mais, doidas da vida, revoltadas, vinham falar, sentavam no chão, desabafavam. Ele oferecia um cafezinho quente, um chá. Conversava. Era como um irmão, um amigo, junto de quem elas se sentiam totalmente em casa. Assim, ele viveu dois anos. Um dia me disse: 'Sabe, eu estou vivendo aqui como quem vive num santuário'. Eu pedi a ele: 'Alfredinho, escreva os acontecimentos que você viveu e que mostram a você que aqui é um Santuário'" ("O grito de milhões de escravas", Vozes, Petrópolis, 1983, pp. 101-102).
Eis um exemplo da "pastoral da prostituição", posta em prática por eclesiásticos e leigos progressistas. A nova "pastoral" não consiste mais em procurar converter as prostitutas, mas em misturar-se com elas...
Nas épocas de grande confusão e pecado, até as coisas mais claras e evidentes se obnubilam e se apagam das mentes dos homens. Eis-nos, pois, reduzidos a provar o óbvio: a prostituição é pecado.
Além do sexto e nono Mandamentos, que diretamente proíbem os pecados contra a castidade, no Antigo Testamento encontramos expressamente preceituado aos pais: "Não prostituas a tua filha" (Lev. 19,29).
No Novo Testamento são tantas as condenações do pecado da carne, que nos limitamos a citar uma, lançada por São Paulo: "Não vos enganeis: nem os fornicadores, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os que se dão à embriaguez, nem os maldizentes, nem os roubadores possuirão o reino de Deus. .... O corpo não é para fornicação, mas para o Senhor .... Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei eu, pois, os membros de Cristo e fá-lo-ei membros de uma prostituta? De modo nenhum. .... Fugi da fornicação .... O que comete fornicação peca contra seu próprio corpo. Porventura não sabeis que os nossos membros são templos do Espírito Santo? .... Glorificai, pois, e trazei a Deus em vosso corpo" (1 Cor. 6, 9-20).
Toda a Tradição da Igreja, a doutrina pontifícia e os teólogos falam no mesmo sentido.
Quanto à pastoral ou prática da Igreja, ela sempre se preocupou com os males, sobretudo espirituais, que a prostituta chama sobre si e sobre os outros, pois a mulher de má vida é fator de pecado para muitos.
Combatendo de todos os modos esse vício degradante, a
Igreja, como boa Mãe, sempre buscou, porém, a exemplo de Nosso Senhor, a regeneração dessas mulheres.
Exemplo característico é a Congregação do Bom Pastor, fundada em 1829 por Santa Maria Eufrásia Pelletier, votada especialmente à conversão moral das prostitutas. As Irmãs do Bom Pastor levavam as decaídas para seus institutos, ensinavam-lhes a doutrina cristã, ajudavam-nas solícitas em seus problemas e dificuldades, proporcionavam-lhes ocupações lícitas, incutiam-lhes o horror aos próprios pecados e aproximavam-nas da vida de piedade e oração como meio de fortalecê-las na luta contra suas más inclinações.
É claro que nem todas correspondiam a esses desvelos, pois não é fácil para pecadoras libertar-se desse vício execrável. Porém, quantas e quantas mulheres perdidas se regeneraram em virtude do generoso zelo apostólico das filhas espirituais de Santa Eufrásia!
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A Igreja nunca se desinteressou do problema da prostituição. Mas ela sempre procurou resolver esse problema tirando a mulher de vida infame, da miserável condição a que esta se tinha deixado arrastar.
Seguindo tão nobre tradição, Santa Maria Eufrásia Pelletier fundou a Congregação do Bom Pastor, cuja finalidade era amparar as pecadoras arrependidas e desejosas de mudar de vida, bem como preservar desse perigo meninas e moças desamparadas. A Congregação do Bom Pastor, fundada na França no século passado, difundiu-se por todo o mundo.
As fotografias apresentam Santa Maria Eufrásia quando jovem, antes de entrar para o convento, e já no fim da vida: uma vida austera e operosa, toda consagrada a resolver o problema da impureza em sua forma extremada, a prostituição. Mais ainda do que o curso do tempo, a tarefa complexa e absorvente fez da jovem rica em formosura de semblante e de alma, a veneranda anciã dignificada pela fidelidade na sublime vocação.
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Era preciso termos chegado ao presente século, em que se praticam os maiores absurdos, para que a prostituição fosse
encarada como o fazem hoje em dia certos eclesiásticos progressistas.
Sob o título eufemístico de "Pastoral da Mulher Marginalizada de Salvador" um organismo eclesiástico da Diocese de Salvador promoveu, nos dias 19 a 22 de julho último, o "6º Encontro Nacional da Pastoral da Mulher Marginalizada" ("Folha da Tarde", de 11-7-84 e "Jornal do Brasil" de 23-7-84).
Não se pense que o referido "Encontro" visou a conversão moral dessas mulheres. Nem mesmo teve como objetivo repetir-lhes aquela palavra que Nosso Senhor disse à adúltera que pedia misericórdia: "Vai e não peques mais" (Jo. 8,18). Nada disso. A prostituição não foi sequer considerada um "pecado pessoal".
Aliás, tal "Encontro" - ao qual deram agora mais publícidade que aos anteriores... - foi precedido de cinco outros, cujas conclusões estão publicadas no livro "O grito de milhões de escravas", que é prefaciado por D. José Maria Pires, Arcebispo de João Pessoa, e contém colaborações de D. Antonio Batista Fragoso, Bispo de Crateús (CE) e D. José Rodrigues de Souza, Bispo de Juazeiro (BA), além de vários sacerdotes, leigos e meretrizes. O livro é dedicado às prostitutas brasileiras, às quais se pede: "Perdoem-nos pela violência da qual vocês são vítimas inocentes" (op. cit., p. 5).
Se o pecado dessas mulheres não é "pessoal", se elas são "inocentes", de quem é o pecado? Para o Pe. Hugues d'Ans, diretor do Instituto Teológico de Lins, "o grande culpado da prostituição é o sistema" (op. cit., p. 67). E para D. Fragoso, "o pecado social no caso não é pecado pessoal. Isto significa que, dentro da Igreja, a prostituta está numa condição semelhante à minha, à de vocês, à de minha mãe" (op. cit., p. 90). Por outro lado, informa o noticiário do 6º Encontro que, para D. José Rodrigues, "o pecado é da sociedade" ("Jornal do Brasil", 29-7-84).
Que a sociedade moralmente corrupta de nossos dias favorece a prostituição - como também, não o esqueçamos, a subversão, a irreligião etc. - ninguém o nega. Mas reduzir a prostituição a um pecado de nossa sociedade é, além do mais, uma insensatez.
Em todas as épocas da História, desde a mais remota Antiguidade, sabe-se da existência de mulheres de vida fácil. Para atermo-nos à História Sagrada, já o livro do Gênesis nos relata a existência de meretrizes no tempo de Jacó (Gên. 38,15). Igualmente no tempo de Josué (Jos. 2, 1), de Sansão (Jz. 16, 1), de Salomão (3 Rs. 3,16). Nosso Senhor nos fala do filho pródigo, que "devorou seus bens com meretrizes" (Lc. 15,30). E a Igreja sempre entendeu que, sem prejuízo das atenuantes possíveis em cada caso, as pecadoras públicas são pessoalmente culpadas, e, como Madalena aos pés de Jesus, precisam arrepender-se e chorar seus pecados. Pensar o contrário, corresponderia a negar que a graça de Deus, ao menos para alguns seres humanos, seja suficiente para alcançarem a salvação.
Para D. Fragoso, porém, as prostitutas, mesmo sem propósito de emenda, poderiam até comungar. Dado que o pecado é social, diz ele, "como afastá-las dos sacramentos?" (op. cit.,
p. 91). E o Pe. Rohner, ex-vigário de uma paróquia no interior do Maranhão, falando da confissão observa: "Via de regra, dizer para uma mulher de baixo meretrício que ela receba o perdão só se ela sair da zona, é a mesma coisa como dizer a um escravo, que só se tornando livre ele possa receber os sacramentos da Igreja" (op. cit., p. 117).
CARTAS DESCONCERTANTES
O BOLETIM TRIMESTRAL do "Movimento de Libertação da Mulher - MLM, da Diocese de Lins, intitulado "Mulher Libertação", n°. 09, de 1984, publica cartas de apoio à obra "O Grito de Milhões de Escravas".
Dessas missivas - desconcertantes e de molde a causar consternação no espírito dos católicos bem formados - extraímos os seguintes tópicos:
1 - "Obra de grande valor e atualidade. .... Desejando que o êxito dessa publicação lhe seja de estímulo para a continuação do trabalho" (D. Antonio de Souza, Bispo de Assis).
2 - "Acho muito oportuno. Vai fazer um bem imenso. Vou providenciar cópias para os vigários e coordenadores de paróquias da Diocese. Vai dar um impulso à pastoral que está apenas sendo iniciada aqui na Diocese" (D. Jaime Collins, Bispo de Miracema do Norte - GO).
3 - "Gostei. .... Creio que o livro irá fazer muito bem por esse Brasil afora" (D. José Carlos Castanho de Almeida, Vigário Episcopal da Região Litoral Norte, Santos - SP).
4 - "Faço votos que Deus abençoe muito a Pastoral da Mulher Marginalizada" (D. Cláudio Hummes, Bispo de Santo André - SP).
5 - "Fico muito grato pela remessa do exemplar do livro.
Quando Bispo auxiliar de Sorocaba, formei uma equipe para trabalhar na área da prostituição. O grupo ainda hoje continua atuando com êxito, testemunhando o amor cristão para essas irmãs" (D. Amaury Castanho, Bispo de Valença-RJ).
6 - "É um grito de alerta para que vivamos o gesto do Bom Samaritano" (D. Antonio Barbosa, Arcebispo de Campo Grande - MS).
7 - O livro "será bem aproveitado mormente agora nos programas da Campanha da Fraternidade" (D. José Gonçalves da Costa, Arcebispo de Niterói).
8 - "Desejo que o seu conteúdo seja difundido entre quantos buscam a Libertação dos oprimidos" (Cardeal Aloísio Lorscheider, Arcebispo de Fortaleza).
9 - Há também cartas de sacerdotes apoiando o livro.
Estiveram presentes ao 6º Encontro, representando 40 dioceses, "101 mulheres, a maioria delas vivendo ou tendo vivido diferentes faces da prostituição" (JB, 29-7-84), e também "bispos, teólogos, padres, freiras e agentes leigos de pastoral" (JB, 29-7-84).
Todos os participantes do Encontro se colocavam no mesmo nível: "Sentados lado a lado, sob uma inscrição na parede - "A vontade de Deus em minha vida" - uma jovem prostituta de 25 anos, há dez anos vivendo na zona boêmia de Teófilo Otoni, e que sem largar a profissão atua na pastoral local da mulher marginalizada, a índia Pankararu, pernambucana. .... o bispo de Juazeiro, D. José Rodrigues, a coordenadora de pastoral...., a representante das prostitutas do mangue do Rio de Janeiro e o Frei Leonardo Boff" (JB, 297-84).
O Bispo de Juazeiro confessa que foi educado por seus pais dentro da moral católica verdadeira. Diz ele que, quando criança, havia próximo à sua residência uma casa de prostitutas e que ele foi "ensinado a ver como residência do mal por meus pais, vizinhos e professores. Ali viviam as preguiçosas, as degeneradas, as pecadoras". Contra essa educação católica paterna ele agora se insurge, e a qualifica de "forma preconceituosa". Por isso D. Rodrigues se pôs "a rever conceitos" e a "ouvir com humildade as críticas, na maioria das vezes justas, das mulheres marginalizadas". Há em sua diocese "missa celebrada para as meretrizes", às quais chama "minhas amigas e minhas irmãs... ...... Depois de séculos de equívocos graves .... a Igreja não pode chegar hoje diante das mulheres marginalizadas com uma posição moralista" (JB, 29-7-84).
Ora, a pregação da moral católica é bem exatamente o único meio de ajudar espiritualmente essas pobres transviadas, arrancando-as à lama em que estão atoladas. Não pensa assim o Bispo de Juazeiro: "Quando vamos retirá-las da prostituição é um problema secundário. O importante é não incriminá-las com a pecha do pecado individual" (JB, 29-784).
Mas a "pastoral" não para aí. Já se visa introduzir prostitutas
Irmãs do Bom Pastor rezam na capela da penitenciária feminina de Wiener-Neudorf, na Áustria. Embora dedicadas especialmente à tarefa de amparar pecadoras arrependidas, essas abnegadas religiosas aceitaram o encargo de cuidar da única penitenciária feminina que havia na Áustria, procurando regenerar as detentas.