Até isto sucedeu

Plinio Corrêa de Oliveira

Plinio Corrêa de Oliveira, fotografado quando de sua eleição à Constituinte de 1934. Era ele deputado apresentado pela Liga Eleitoral Católica de São Paulo na Chapa Única". E foi ao mesmo tempo o candidato mais jovem e mais votado no Brasil.

NA VELHA Faculdade de Direito do Largo São Francisco em que me diplomei, era moda entre os professores dizer-se eclético. Face aos grandes temas, dava nota de elegante atualidade o mestre que, depois de enumerar as múltiplas correntes de juristas divergentes, acabava também por discrepar de umas e de outras colhendo, em espírito conciliador, elementos nestas ou naquelas, para compor sua posição própria. "Somos ecléticos" - explicava faceiramente o mestre, certo de despertar com isso a benquerença dos alunos mais "no vento".

Entre tais alunos positivamente jamais estive eu, sempre avesso às soluções cômodas, mas incongruentes, contraproducentes ou, por rara exceção, simplesmente anódinas.

Revendo todos os lances desse insucesso do ecletismo otimista - face aos quais fui chamado a tomar atitude ao longo de minha vida - posso dar de mim este testemunho: eclético, jamais o fui, em nenhuma ocasião, de nenhum modo e sob nenhum ponto de vista.

Lembro-o para explicar a surpresa com que, nestes últimos dias, me senti eclético diante de um noticiário publicado pela "Folha de S. Paulo" (17-2-85) sobre divergência entre o organismo de cúpula da CNBB e altos Prelados como o Cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, d. Karl Joseph Romer, bispo auxiliar do Rio de Janeiro e outros, acerca da eventual convocação de uma Constituinte.

Tal convocação, a CNBB, em nota comunicada oficialmente ao sr. Tancredo Neves, Presidente eleito da República, proclama desejá-la para já. Pelo contrário, o Purpurado de São Paulo apontou nessa convocação um inconveniente grave: ela absorveria nos problemas políticos a atenção geral, adiando a solução dos problemas socioeconômicos mais urgentes. Assim, tal Constituinte deveria ficar para depois da implantação das reformas socioeconômicas. Reformas que, se forem precedidas, segundo os estilos democráticos essenciais ao regime, de longos e acurados debates de opinião pública, para em seguida passarem pela tramitação burocraticamente lenta das Câmaras, e chegarem por fim à sua implantação em todo o País, acabariam por afundar, nas névoas de um futuro indefinido, a convocação da Constituinte que a CNBB tão açodadamente quer.

Ademais, outro ponto de desacordo emerge. A nota da CNBB fala da aplicação de todo um sistema de votação em que os organismos de quente expressão social haveriam de interferir largamente no pleito eleitoral, disputando faixa política com os Partidos. A CNBB parece não ponderar que isto também retarda e, portanto, adia não pouco a convocação da Constituinte que ela tanto deseja.

Neste ponto, o Purpurado de São Paulo parece mais coerente. Pois, desejoso também ele da interferência eleitoral dos organismos não partidários, não lhe preocupa, entretanto, o adiamento da Constituinte que daí decorre.

Diante de tudo isto, pela primeira vez em minha vida senti-me eclético. E eis-me a cogitar, então, como meus mestres de antanho, de uma solução... intermediária!

Para debater com a autenticidade democrática, que é a alma do regime, temas da magnitude pinacular como as ditas reformas, proponho uma terceira solução.

A participação direta dos corpos sociais na pugna eleitoral - patronais, operários, culturais e outros - ao lado dos partidos políticos, e quiçá com maior força de impacto do que a destes, me parece sumamente simpática.

Depois de um largo, cortês e aprofundado debate sobre essas reformas, por que não haveriam de elaborar as Câmaras (renovadoras ou não, pouco importaria) uns dois ou três projetos diferentes sobre cada reforma? Esses projetos haveriam de representar as tendências mais características que se manifestassem nos debates. E entre eles optaria o corpo eleitoral convocado para uma amplíssima consulta plebiscitária. Isto simplificaria tudo, e em rigor de lógica deveria contentar principalmente os mais radicais democratas. Pois pode haver uma solução mais democrática do que essa?

Mas tal contentaria também os mais lúcidos dentre os que se oponham a essas reformas. Pois devem saber que, em nosso querido País, o socialismo e o comunismo têm seus mais fervorosos adeptos não na massa, porém nos clubes confortáveis de "sapos", nas sacristias dos teólogos da libertação à Frei Boff e nos pequenos cenáculos universitários e jornalísticos ávidos de esquerdismo.

Contentar assim os extremos, a partir de uma posição eclética, que coisa singular em meu extenso curriculum.

O caos contemporâneo é tão completo que até isto sucedeu.


NOSSA CAPA:
São José - escola quitenha de pintura, século XVII; Sancte Joseph, Protector Sanctæ Ecclesiæ (São José, Protetor da Santa Igreja - da Ladainha de São José).


A "esquerda católica" e a articulação das revoltas

Gregório Lopes

APRESENTAMOS em nossa edição de fevereiro uma análise crítica de três palestras proferidas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC, na série de conferências realizadas de 25 de agosto a 20 de outubro do ano passado, sob o título geral "Igreja e Processos de Libertação".
Julgamos oportuno analisar na presente edição mais duas palestras: a de um religioso, Frei Romeu Dale, OP, e a de um leigo venezuelano, Otto Maduro. Os subtítulos são nossos.

FREI ROMEU Dale é um veterano sacerdote dominicano, que atualmente é diretor do "Centro Pastoral Vergueiro". Para analisar sua palestra, baseamo-nos numa fita gravada na ocasião. No ciclo "Igreja e Processos de Libertação" era facultada ao público a gravação das exposições.

Comentando a articulação revolucionária levada a cabo em diversas áreas da sociedade, Frei Romeu afirma: "Na luta pela libertação o pessoal está começando a se unir, a se articular cada vez mais em todos os setores: setor de favelas, setor de loteamentos clandestinos. Ainda estes dias o pessoal da zona leste (São Miguel), que tem uma articulação de saúde bastante boa, tem enfrentado a Prefeitura, o Governador, e tem conseguido uma série de coisas. Eles estão tentando uma articulação em plano de cidade de São Paulo, da grande São Paulo. Estava lendo em 'O São Paulo' que o pessoal dos movimentos populares da região sul-sudeste está tentando a mesma coisa: se articular. Nós temos uns amigos lá no Vergueiro, um grupo de arquitetos que estão trabalhando junto ao movimento popular..., e agora eles estão contando para a gente como o pessoal está se articulando. Até as domésticas estão se articulando em plano nacional. No Goiás, no Acre as lavadeiras já estão se articulando para defender seus direitos. Até as prostitutas estão se articulando. Deus seja louvado" (risos).

Tal articulação - feita nas comunidades de base - visa enfrentar não só a Prefeitura e o Governador, como ficou dito, mas também a polícia, o exército e o patrão: "O tema do último encontro das comunidades de base foi muito rico: Comunidade de Base, semente de uma nova sociedade... O pessoal discutindo juntos os seus problemas, enfrentando Governo, enfrentando polícia, enfrentando exército, enfrentando patrão, enfrentando tudo".

Felicidade do pobre irrita "esquerda católica"

Quem se nega a entrar nessa articulação e, por espírito cristão, se acha feliz na sua pobreza, não tem inveja e vai progredindo lentamente, esse é um obstáculo para a "esquerda católica". É preciso extirpar o sentimento de felicidade da alma do pobre, para que ele se revolte. Frei Romeu narra ter ido visitar a família de uma faxineira (casal e dois filhos), que mora numa casa pobre alugada. O marido "me diz com a maior tranquilidade: 'Pois é, Frei, eu sou feliz aqui; quando cheguei a São Paulo, tive que ir dormir embaixo da ponte; agora eu tenho essa casinha aqui; sou feliz'. Então é um problema, não é? O fulano é feliz naquela casinha. Como é que você vai mobilizar esse fulano? Ele vai dizer: 'Isso é besteira, bobagem, estou tão bem aqui' ".

Como acabar com tal felicidade? Segundo Frei Romeu, as pessoas que ele qualifica "de nosso nível" - ou seja, de liderança da "esquerda católica" - já estão atuando para isso. Eis suas palavras: "Então eu me pergunto se alguns grupos não estão começando a superar isso, com o apoio de pessoal de nosso nível".

Desconcertante concepção de moral e da traição de Judas

O beijo de Judas - Pintura de Giotto (séc. XIV - Pádua, Itália). A iconografia cristã apresenta a traição de Judas, obviamente, como um dos mais nefandos pecados da História. Numa visualização progressista, a ação abominável do traidor é qualificada como um conflito com Jesus e com o grupo"...

Após ler depoimentos de prostitutas, poesias populares etc., Frei Romeu defende a autonomia dos grupos católicos em face dos vigários e da CNBB: "A gente tem visto grupos que começaram um trabalho ligado à diocese ou ligado a uma paróquia, mas no fim de algum tempo viram que não tinham condições. Vieram conversar com a gente lá no Vergueiro. A gente disse: não tem dúvida, faça um negócio separado, autônomo, independente. O importante é prestar serviço. Se o vigário não quer, se atrapalha, vamos por conta da gente. A UCBC (União Cristã Brasileira de Comunicação Social), eu não sei há quantos anos a CNBB vivia em cima da gente: 'Por que a UCBC não se transforma num organismo da CNBB?' Não! Para quê? Os padres e os leigos na Igreja podem ter seus movimentos próprios. Nós não estamos contra os Bispos, nós estamos na comunhão da Igreja... Mas não queremos ser órgão da CNBB, queremos ter nossa liberdade... Então vamos nos escravizar dentro da Igreja? Ah! não, espera aí!"

Daqui e dali Frei Romeu deixa transparecer seus estranhos conceitos sobre moral. Por exemplo, diz ele: "Nós, na nossa classe média, sempre queremos mais alguma coisa. Queremos mais um livro, uma viagem, tem alguns que querem mais uma mulher (risos), mais um marido (risos). O pessoal já conta até por 6, 7, 8. O nosso grande poeta Vinícius de Morais, quando morreu, estava na nona (risos). Não é mesmo? Aquela agradável cantora, coitadinha, que se suicidou, a Ellis, estava no terceiro ".

Nenhuma censura ao adultério, ao amor livre, ao divórcio, nem sequer ao suicídio! Tal era o ambiente moral reinante naquele auditório, em que predominavam padres, freiras, agentes pastorais. Os comentários maliciosos do orador foram recebidos com toda a naturalidade, e até com risos.

Em tal ambiente não é de espantar que Frei Romeu tenha chegado a apresentar a própria traição de Judas deste modo inacreditável:

"Não é de a gente se espantar com conflitos na Igreja. Este não é o primeiro, nem será o último. Os primeiros conflitos estão no grupo dos doze, lá com Jesus. Por que Judas se afasta? Entrou em conflito com Jesus e com o grupo".

A ruptura e traição - a mais abjeta e sacrílega que houve na História - perpetrada contra Aquele que é "o Caminho, a

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