| Sobranceira e serena, a TFP enfrenta o XI estrondo publicitário | (continuação)
século XIX, se têm feito sucessivas traduções e edições em grande número de idiomas. E, ao cabo da leitura, costumam, como o mesmo Santo recomenda, consagrar-se como "escravos de amor à Santíssima Virgem", a Quem cada qual dirige uma oração nos seguintes termos: "Entrego-Vos e consagro-Vos, na qualidade de escravo, meu corpo e minha alma, meus bens interiores e exteriores, e até o valor de minhas obras boas passadas, presentes e futuras, deixando-Vos direito pleno e inteiro de dispor de mim e de tudo o que me pertence, sem exceção, a vosso gosto, para maior glória de Deus, no tempo e na eternidade". Estas palavras são do texto da consagração redigido pelo Santo.
5. Segundo é normal, desde que se reconheça no combate ao comunismo um serviço de Maria, tal combate, com as boas ações interiores e exteriores em que implica, constitui atuação pela qual se põe em prática a consagração montfortiana do "escravo de amor à Santíssima Virgem". Pois, sem dúvida, é ato meritório e conforme à vontade d'Ela, combater o inimigo que Ela aponta como o castigo e o flagelo dos homens, e do qual promete libertar o mundo.
Dado que essa atuação anticomunista é conforme à Fé e à Moral cristã, e à vontade de Maria Santíssima, e dado ainda que desenvolver tal ação supõe esforço concatenado e disciplinado, sem o qual nenhuma ação é frutífera, obedecer, na pugna anticomunista, os que na TFP, exercem cargos de direção, é logicamente vontade de Maria. É nesta perspectiva que procedem os que a Ela se consagram como "escravos de amor", dentre os sócios e cooperadores da TFP.
São Pio X, em 1908, estimulou os apóstolos da devoção mariana segundo São Luís Grignion de Montfort, recomendando vivamente o "Tratado da Verdadeira Devoção à Maria Santíssima"
6. Tais considerações levaram, em 1967 – há perto de 20 anos – certo número de sócios e cooperadores da TFP, que habitualmente renovavam sua consagração de "escravos de amor à Santíssima Virgem", a pedir ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, insigne fundador da entidade e exímio presidente do seu Conselho Nacional, a aceitar que nas mãos dele se consagrassem à Mãe de Deus. Por este modo entendiam razoavelmente afirmar que todos os labores e sacrifícios que o mais alto dirigente da pugna anticomunista lhes indicasse como necessários para seu crescimento na devoção à Santíssima Virgem, e no serviço d'Ela, na atuação desenvolvida pela TFP contra a Revolução igualitária e gnóstica e comunista, eram para eles decorrência da sua consagração segundo os escritos de São Luís Maria Grignion de Montfort. Tratava-se, portanto, de uma consagração como escravos de Maria Santíssima, feita nas mãos do Dr. Plinio. Escravidão, já se vê, toda ela substancialmente no sentido religioso e espiritual em que o Santo francês emprega o termo. Especificamente diversa – e quanto! – da vil, cruel e injusta escravidão do índio agarrado à unha na selva para servir ao seu senhor branco, e do tráfico negreiro, não menos vil, injusto e cruel.
Escravidão a Maria? É o que se diz legitimamente na linguagem marial corrente. Pois a fórmula de São Luís Maria Grignion de Montfort se intitula Consagração de si mesmo a Jesus Cristo, a Sabedoria encarnada, pelas mãos de Maria. E tal consagração é feita "na qualidade de escravo perpétuo".
Esta escravidão importa numa suma liberdade. É o que salienta, com clareza e precisão, S. S. João Paulo II. Interrogado a respeito pelo conhecido escritor André Frossard, assim se exprimiu S. S. sobre a "sagrada escravidão" a Maria Santíssima.
"Escravidão: a palavra pode chocar nossos contemporâneos. Por mim, não vejo nela nenhuma dificuldade. Penso que se trata de uma espécie de paradoxo, como frequentemente se encontra nos Evangelhos, significando as palavras ‘santa escravidão’ que nós não poderíamos realizar mais profundamente nossa liberdade, o maior dos dons que Deus nos tenha feito. Porque a liberdade se mede pelo amor do qual somos capazes.
"É isto, creio, que [Montfort] quis mostrar" (*) (A. Frossard, "Dialogues avec Jean-Paul II", Paris, 1983, pp. 186-187 – apud "L’Homme Nouveau", Paris, 18-11-84).
(*) Com efeito, enumerando os motivos que recomendam a "escravidão de amor", diz São Luís Maria Grignion de Montfort: "Esta prática de devoção dá, às pessoas que a praticam fielmente, uma grande liberdade interior, que é a liberdade dos filhos de Deus (cfr. Rom. 8,21). Visto que, por esta devoção, nos tornamos escravos de Jesus Cristo, consagrando-nos todo a Ele nesta condição, este bom Mestre, em recompensa do cativeiro por amor a que nos submetemos, tira, primeiro, à alma todo escrúpulo e temor servil, que a constrangem, escravizam e perturbam; segundo, alarga o coração por uma santa confiança em Deus, fazendo-o considerá-Lo como Pai; terceiro, inspira-lhe um amor terno e filial" (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, Vozes, Petrópolis, 4ª ed., 1949, pp. 163-164).
E o santo passa a narrar, como exemplo, a vida da Madre Inês de Jesus, que faleceu na França em odor de santidade, em 1634, concluindo: "Um dia a Santíssima Virgem lhe apareceu [à Madre Inês de Jesus] e lhe pôs ao pescoço uma cadeia de ouro para lhe manifestar a alegria de tê-la como escrava de seu Filho e sua; e Santa Cecília, que acompanhava a Santíssima Virgem, lhe disse: Felizes os fiéis escravos da Rainha do Céu, pois gozarão da verdadeira liberdade: "Tibi servire libertas’" (ibidem, pp. 164-165).
Por analogia a esta escravidão – obviamente toda ela religiosa e espiritual, convém talvez repetir – a consagração como escravo de Maria nas mãos de Dr. Plinio importava em constituir entre ele e quem se consagrava a Maria nas mãos dele, uma situação que, na perspectiva do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem de São Luís Maria Grignion de Montfort, podia denominar-se de senhor-escravo.
A afirmação poderá causar surpresa às pessoas explicavelmente não familiarizadas com essa terminologia especializada e quase diríamos técnica. Mas ela é inteiramente consoante com a Doutrina e a Moral católicas, e com a consagração montfortiana. É o que sem esforço reconhecerão tantas das almas mariais que eventualmente leiam o presente comunicado. E é também o que demonstra – como acima é dito – com abundância de argumentos históricos e doutrinários, o livro do sr. Atila Sinke Guimarães.
Maior estranheza ainda poderá ser a de mentalidades a-religiosas, habituadas a ver as coisas numa perspectiva laica e naturalista. E não nas perspectivas luminosas e sobrenaturais, nas perspectivas cristãs da Fé.
Mas como entender e julgar favoravelmente, em uma perspectiva laica, algo que só à luz da Fé se explica?
Confirmando desde já a doutrina do que aqui vem exposto, antecipamos que no livro escrito pelo sr. Atila Sinke Guimarães figuram pareceres favoráveis de dois luminares da intelectualidade católica contemporânea, o canonista Pe. Arturo Alonso Lobo O. P., e o teólogo Pe. Victorino Rodríguez O. P., ex-professores da célebre Universidade de Salamanca, o primeiro, um dos colaboradores dos famosos Comentários al Código de Derecho Canónico da BAC (Biblioteca de Autores Cristianos) e autor de numerosas obras; o segundo, com mais de 200 estudos sobre teologia e filosofia publicados em livros e revistas especializadas dos principais centros culturais europeus.
7. Por fim, importa ressaltar cinco aspectos dessa consagração a Nossa Senhora, feita nas mãos do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
a) Como na consagração a Nossa Senhora, o "escravo" assim consagrado não ficava sujeito a qualquer pressão moral. Em outros termos, qualquer ato de desobediência dele, em si não constituía pecado;
b) E se, por eventuais e graves razões de consciência – por exemplo, para conservar sua integridade na Fé ou na observância da Moral católica – o "escravo" julgasse eventualmente dever deixar essa situação, poderia fazê-lo licitamente a qualquer momento, e sem licença de quem quer que fosse. Pois a pessoa que se consagrava não renunciava (e nem poderia renunciar) a esta faculdade, no ato de sua consagração. Como se vê, tratava-se de um vínculo livremente constituído, e mantido constantemente livre pelo consenso sempre espontaneamente renovado de quem o contraiu. O que é diametralmente o contrário do escravo segundo a lei da força e a brutalidade dos homens.
c) O conjunto das pessoas assim consagradas constitui algo como um veio, um setor, dentro da TFP. Nunca uma associação distinta da TFP. Pois os sócios e cooperadores assim consagrados tencionavam exercer sua consagração por uma atuação anticomunista coidênticacom a da TFP, nas fileiras da TFP, e sob a direção do fundador desta e presidente do seu CN.
d) Infelizmente, tal consagração, feita na forte maioria dos casos, no ano de 1967, teve vida efêmera. Depois de um surto de fervor, ela começou rapidamente a entrar em decadência, pela superficialidade de espírito e pela inconsequência que já se manifestavam em tantos elementos da "geração nova" de então. Poucos meses depois, a obediência decorrente dessa consagração já não tinha senão escassos vestígios de vigência. E também isto foi cessando. Em 1972 houve uma cerimônia de consagração quase póstuma. Pois não houve mais nenhuma reunião, a não ser uma muito esporádica em 1976, num ambiente de desalento que tornou definitivamente impossível qualquer outra. Vão disso quase dez anos. O que assim se passou, deixa aliás ver a inteira falta de coerção moral que era inerente à dita obediência.
e) Tudo isto deixou nas almas dos "escravos de Maria", nas mãos do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, tristeza, nostalgia, vaga esperança. – Quem sabe? Algum dia? – Este dia... ainda não chegou.
"Sempre-viva", a flor que não morre: era a alegoria transparente e graciosa que essa esperança nostálgica (mas, no plano estritamente natural, mera veleidade!) conservou por símbolo. O que de censurável nisto?
São Francisco de Sales, grande mestre da vida espiritual, também se consagrou como escravo da Virgem Santíssima.
8. Associação secreta? É o que publicaram os cotidianos acima mencionados. Ora, vimos que não se tratava de uma associação, mas de um setor, de um veio, e este veio não era secreto, não constituía uma camarilha fechada de exclusivistas com fins só deles, dos quais os outros deveriam ser afastados sem sequer o saberem.
Passou-se o seguinte. Depois de muito instado e vendo o surto de entusiasmo que a ideia espontânea dessa consagração ia causando em alguns sócios ou cooperadores que o procuravam, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira não quis recusar seu apoio ao bom propósito. Mas, ao mesmo tempo, tendo em vista o "fogo de palha" em que redundaram, ao longo de todos os séculos, tantos generosos surtos religiosos ou ideológicos, principalmente quando nascidos, como era o caso, em jovens ou pessoas de uma maturidade ainda muito próxima da juventude, recomendou ele a cada qual que o procurava, que não propagasse a ideia entre outros. De sorte que ela só resultasse, em cada qual, de um presumível movimento da graça, todo interior. Assim, os que recebiam esta graça, dela só falavam entre si.
O que de mais prudente? Em si mesmo, os fatos posteriores provaram que em muitos, o próprio movimento inicial sério e profundo trazia consigo manifestações tendentes ora ao exagero, ora ao efêmero, sintomáticas do "fogo de palha". Um ou outro exagero que se manifestou foi possível coibi-lo, sempre com medidas prudenciais suaves e até graduais, e mais raramente com uma ou outra decisão terminante. A tendência ao efêmero, esta, infelizmente, ganhou rapidamente terreno, sem que, por fim, fosse possível contê-la.
O surgimento de abusos ao longo de uma formação ou de uma pregação aliás não prova (dito seja de passagem) contra ela.
A tendência ao abuso resulta, em todo homem, do pecado original e da ação preternatural. Desde os tempos apostólicos houve Santos que certos ouvintes ou seguidores exagerados queriam adorar como deuses. Culpa dos Santos, que contra isto reagiam? Por certo não. Mas do homem.
O surgimento da tendência ao abuso pode dar-se a todo propósito. Só a impunidade dele é que é culposa.
De qualquer forma, todos esperavam que, a tomar verdadeiramente corpo essa consagração, ela se estenderia a toda a TFP. Mas gradualmente, sem arroubos, e sem constituir para isso qualquer pressão moral