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AO LEITOR

Imagem da Virgem das Lágrimas de Granada

NOSSA CAPA apresenta a artística imagem da Virgem das Lágrimas, que se encontra na capela lateral do Cristo da Caridade, na Basílica de São João de Deus, em Granada (Espanha). Essa bela escultura barroca - obra de José de Mora ou sua escola (séc. XVIII) - verteu lágrimas de sangue no dia 13 de maio de 1982, conforme notícia publicada por "Catolicismo" em sua edição de maio daquele ano (n.° 377).

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Ante a onda de blasfêmias e sacrilégios que assolam atualmente a Espanha (cfr. "Catolicismo", julho de 1984, n° 403 e abril de 1985, n° 412), compreende-se a dor de Nossa Senhora, exteriorizada através do pranto miraculoso e pungente dessa expressiva imagem.

Ocorreu-nos publicar novamente em "Catolicismo" a impressionante foto da imagem de Granada - colhida no momento da miraculosa lacrimação de sangue - ao comentar (o que faremos a seguir) o repugnante filme "Je vous salue, Marie", obra recente do cineasta francês Jean-Luc Godard, celebrado pelas tubas da propaganda.

Tal película ímpia e blasfematória constitui, entre outros, mais um motivo para a tristeza da Mãe de Deus, milagrosamente manifestada em Granada.

A imprensa brasileira noticiou, com algum realce, a grande polêmica que se trava atualmente na França a propósito desse filme. Contudo, o caráter superficial das notícias publicadas não permitiu ao nosso público, sobretudo o católico, formar uma ideia mais profunda da abominação que representa tal película, a qual, lamentavelmente, em breve poderá estar estreando em nossos cinemas.

"Catolicismo" julgou seu dever apresentar desde já a seus leitores, para preveni-los, uma visão de conjunto do que a imprensa francesa tem estampado a respeito, bem como uma crítica do filme do ponto de vista da doutrina católica, com base em excelente trabalho publicado recentemente pela TFP francesa.

Essa visão global fala por si. Não há necessidade de nenhum comentário para explicar a um filho por que ele deve se indignar quando vê sua mãe agredida de modo brutal e injusto. No caso presente, a agressão não poderia ter sido mais cruel, nem mais infame e caluniosa. E a mãe que é objeto desta afronta é a Mãe incomparável, que supera qualquer louvor.

João Paulo II, através de um telegrama enviado em 24 de abril último pelo Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Agostinho Casaroli, ao Cardeal Ugo Poletti, vigário de Roma, assevera que o filme "fere profundamente o sentimento dos cristãos pela Virgem Maria". Em outro trecho do telegrama a película também é condenada, uma vez que ela "afronta temas fundamentais da fé cristã, tergiversa e ofende seu significado espiritual e seu valor histórico e fere profundamente o sentimento religioso dos crentes e o respeito pelo sagrado e pela figura da Virgem Maria".

O Pontífice, para ainda expressar sua rejeição da película blasfema, admitiu que "estava espiritualmente presente na manifestação efetuada pelos fiéis que contestavam o filme na porta de um cinema romano".

Além da referida condenação e manifestação de repulsa, de tão alto significado, verificaram-se protestos por parte de católicos, tanto na França quanto na Itália.

Entretanto - pasme o leitor - outros filhos (e que filhos!) aplaudiram a afronta dirigida à sua Mãe. Alguns alegaram o talento - que eles atribuem a Godard - na arte de agredir o sagrado. Outros deploram o ultraje, não porque tenha sido feito a Maria Santíssima, mas simplesmente porque transgride os direitos do homem!

O trabalho publicado pela TFP francesa sob o título "Apanhado da documentação coligida sobre o filme 'Je vous salue, Marie'" foi difundido a milhares de franceses, tendo alcançado excelente repercussão. Nas páginas seguintes "Catolicismo" apresenta uma síntese dessa magnífica publicação.

Analisando a referida blasfêmia cinematográfica à luz das noções mais elementares da Fé católica, vê-se que ela constitui um abismo sem precedentes e se insere numa onda sacrílega que se ergueu em todo o mundo. Tal vaga parece anunciar desdobramentos ainda mais trágicos. Seus respingos, aliás, já nos atingiram. Por exemplo a peça Nossa Senhora das Flores, apologia do homossexualismo, que está sendo apresentada em São Paulo.

"Je vous salue, Marie" é o mais recente episódio da avalanche blasfematória que se abateu sobre o mundo em nossos dias. Levantar-se-á na França uma barreira de indignação proporcionada à infâmia do filme? Ou tudo cairá no amolecimento geral que caracteriza o Ocidente hoje?

O que se deseja não são, obviamente, indignações efervescentes e passageiras. Ainda menos atos de violência material, que frequentemente não servem senão para empanar a importância de se levantar uma barreira moral.

O que urge é apresentar uma oposição refletida, profunda, inquebrantável, um estado de espírito à altura desta situação dramática em que se encontra o Ocidente cristão, devastado por uma operação de guerra psicológica, insidiosa e apocalíptica.

É possível que a seriedade destas considerações provoque o sorriso cético dos espíritos superficiais. Este será o primeiro favor que nos prestam: afastar daqueles que verdadeiramente querem reagir, vigiar e orar, a falaciosa colaboração de espíritos irremediavelmente frívolos, que oscilam entre as petulâncias da irreflexão e as defecções frequentes da moleza.

Através da torpeza desse filme, o leitor poderá aquilatar o grau imenso a que chegou a decadência e o pecado do homem contemporâneo.


A Anunciação - Fra Angélico (séc. XV), Museu de Cortona. – O filme de Godard procurou conspurcar o sublime Mistério da Encarnação do Verbo, condignamente representado por artistas de todos os tempos, como pode-se observar nesta célebre pintura de Fra Angélico.

"JE VOUS SALUE, MARIE"
ESCÂNDALO NA FRANÇA: FILME BLASFEMO ELOGIADO ATÉ PELOS QUE O DEVERIAM IMPUGNAR

QUEM SE BASEASSE apenas na ficha técnica publicada pelo boletim semanário do Office Catholique du Cinéma para julgar o filme "Je vous salue, Marie" poderia, à primeira vista, ter a impressão de uma película como outra qualquer, com apenas algumas coincidências de nomes e alusões um tanto maliciosas em relação a personagens da Sagrada Escritura. Ei-la:

"Maria, filha de um proprietário de posto de gasolina, gosta de basketball. José, chofer de taxi, ama Maria. Eles são noivos e vão se casar logo. Um dia chega de avião o tio Gabriel, em companhia de uma menina. Eles se aproximam de Maria, e Gabriel lhe anuncia que ela terá uma criança. Maria se espanta. Mais tarde um médico confirma que Maria está grávida. José, com ciúmes e persuadido de que Maria havia dormido com algum outro, está profundamente magoado. Ainda mais que Maria se recusa a entregar-se a ele. O que não é tão simples para ela, assaltada às vezes de um desejo brutal. Como Eva, por exemplo, uma jovem que, na vila Paraíso, se entrega a um tcheco, que lhe dá um curso sobre o universo e a criação. José acaba aceitando a situação; Maria dá à luz um menino (Jesus). Alguns anos depois o menino abandona José e Maria. O tio Gabriel também se vai, e Maria se prepara para levar uma vida de mulher".

Apesar do seu prosaísmo brutal, a descrição fica bem aquém da realidade que representa esse filme intencionalmente blasfemo de Jean-Luc Godard, cujo lançamento se deu na França no dia 23 de janeiro último.

Imagens obscenas, linguagem vulgar e suja

O cartaz provocante que serve para a propaganda do filme já contém elementos suficientes para uma avaliação preliminar: um ventre nu de mulher, em direção ao qual se estende uma mão masculina.

Quanto ao próprio filme, basta citarmos Pierre d'André, crítico de cinema do semanário "Famille Chrétienne":

"Da Virgem - o próprio símbolo da pureza - ele fez uma espécie de exibicionista, que se apresenta completamente nua em diversas cenas, e deixa a câmara percorrer longamente seu corpo em close-up. Pior ainda, ela incita seu filho a observar seu corpo nu, o que escandaliza o próprio José e o leva a intervir".

Todos os personagens se exprimem numa linguagem vulgar, frequentemente de uma grosseria tal que é impossível reproduzi-Ia. Por qualquer motivo eles juram, trocam insultos e se referem, por exemplo, nos termos mais crus, aos órgãos e atos sexuais. Longe de respeitar a virgindade de Maria, José é apresentado

NOSSA CAPA: XXXXX

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