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O desponsório da Virgem Santíssima - Detalhe do afresco de Giotto (séc. XIV), Capela Arena, Pádua. - Essa famosa pintura reflete bem a elevação de espírito e a pureza ilibada de Nossa Senhora e São José, cujas figuras o filme blasfemo tentou macular.

| FILME BLASFEMO ELOGIADO ATÉ PELOS QUE O DEVERIAM IMPUGNAR | continuação

como um amante vulgar, ávido de relações carnais.

Em um longo monólogo, que é uma espécie de paródia do "Magnificat", ela declara seu "desprezo por tudo", seu "ódio a tudo", e sua revolta contra Deus explode em odiosas acusações e imprecações. Ela o trata de "frouxo", de "vampiro", e ainda expressões mais baixas.

Ao longo desse contexto repugnante, várias frases do Evangelho são pronunciadas textualmente, como no momento da saudação do "anjo Gabriel" a "Maria": "Je vous salue, Marie", à qual esta responde: "Faça-se em mim segundo a vossa palavra". Várias vezes aparecem na tela, como um "leitmotiv", as palavras "Naquele tempo... "

Uma blasfêmia explícita contra a Santíssima Virgem

A Sagrada Família – Simone Martini (séc. XIV), Museu de Liverpool. - A iconografia cristã e grandes mestres da pintura como Simone Martini procuram sempre representar a Sagrada Família de modo diametralmente oposto à apresentação blasfema e vulgar concebida por Godard.

Um iconoclasta furioso que destruísse um quadro da Anunciação e lançasse os fragmentos em um mar de lama, cometeria um sacrilégio pequeno em comparação ao furor blasfematório do filme.

A intenção de atingir os dogmas da Igreja a respeito de Nossa Senhora é explicitada pelo cineasta em uma entrevista ao "Nouvel Observateur":

"Sempre que se trata de histórias de meninas ou moças, é talvez normal que a certa altura se diga: 'é necessário falar da donzela das donzelas', o que significa ir até Maria. .... Ir, portanto, à primeira!"

A donzela das donzelas (Virgo Virginum), a primeira entre as mulheres... É precisamente d'Ela que ele nega a virgindade: "Maria foi casta uma vez, e depois ela deve certamente ter tido outros filhos, dos quais não se fala porque é necessário não falar".

É d'Ela que ele nega a Imaculada Conceição, ao parodiar blasfematoriamente cenas da vida da Sagrada Família onde a Virgem Santíssima é representada por uma mulher de tal maneira marcada pelo pecado original que, a todo instante, profere palavras de revolta e obscenidades, além de agir continuamente de modo vicioso e vulgar.

É d'Ela ainda que ele ofende a maternidade divina, quando termina o filme com as seguintes palavras proferidas por "Maria" a respeito de seu filho: "Não fui eu quem quis essa criatura".

É d'Ela, portanto, que ele se empenha assim publicamente em destruir a imagem sublime. Trata-se, como é fácil compreender, de uma campanha de dessacralização total, minuciosa e confessada, sustentada por adeptos das piores heresias.

Freudismo e doutrina cósmica

A inspiração freudiana é declarada. Segundo Gérard Pangon, responsável pela redação das "Fiches du Cinéma", "o filme recorre largamente à psicanálise. Uma das fontes de inspiração de Godard foi o livro de Françoise Dolto "L'Evangile au risque de Ia Psychanalyse". E o filme está semeado de simbolismos que o Dr. Freud teria facilmente reconhecido como seus. Desde a lua clássica que nasce com regularidade, até ao nascimento figurado por um limpa-neve que desobstrui a estrada".

Ainda nas "Fiches du Cinéma", André Reger comenta: "Mais ainda, Godard parece entender a geração divina como relação incestuosa de Deus Pai com sua filha. 'Eu sempre quis fazer um filme sobre o incesto', teria ele declarado".

Essa inspiração freudiana se associa no filme a toda uma doutrina cósmica, que atribui a origem do mundo não mais a Deus Criador, mas a enigmáticos extraterrestres. Ele focaliza uma estudante, "Eva", que mora na vila "Paraíso" e recebe aulas de um professor tcheco. Segundo este, a vida foi "programada" como se fosse por um computador, por uma inteligência dotada de enorme poder de cálculo. Ela "veio de longe, do espaço; todos somos extraterrestres".

Orquestração publicitária

Desde o lançamento, os comentários sobre o filme, compactamente laudatórios, têm ocupado páginas e páginas dos jornais. A televisão tem projetado e comentado algumas de suas cenas, e fotos propagandísticas têm sido reproduzidas em revistas e cartazes. Portanto, através dos meios de comunicação de massa o filme atingiu imediatamente o conjunto do povo francês. Pode-se dizer que, no momento em que o filme havia sido visto apenas por alguns milhares de pessoas, a alma de dezenas de milhões de franceses já havia sido enlameada pelo escândalo promovido pela orquestração publicitária.

E a imprensa mundial, sempre ávida de matéria para escândalos, imediatamente fez eco aos comentários da imprensa francesa.

Até mesmo os órgãos da imprensa católica, dos quais se deveriam esperar palavras de esclarecimento, alerta e repulsa contra o filme, dedicaram-se a engrossar a onda laudatória. A título de exemplo, citaremos algumas dessas publicações em que se encontram referências elogiosas: "Présence et dialogue", mensário do Arcebispado de Paris; "La Croix"; "Fiches du Cinéma"; "Témoignage chrétien"; "Études", revista mensal dos jesuítas; "Télérama"; "La Vie", anteriormente denominada "La Vie Catholique".

Como exemplo ainda do teor dos elogios ao filme, limitamo-nos a mencionar alguns dos títulos de matérias publicadas em "La Croix" nos dias 24 e 31-1-85:

– "Godard tocado pelo mistério de Maria";

– Filme cristão ou religioso?";

– "A infância da arte, a infância de Deus";

– "O filme mais puro do mundo".

Autoridades eclesiásticas em apoio a um filme blasfemo

A Mons. Gaillot, Arcebispo de Evreux, parece interessante que Godard "tente exprimir o 'Mistério' na sua arte"!

Vozes episcopais se fizeram ouvir a propósito do filme. Bem ao contrário do que se deveria esperar, até o momento em que nos chegaram as fontes de referência para a preparação destes comentários não havia sido divulgada uma única palavra de condenação categórica e absoluta. Pelo contrário, muitas eram as palavras de complacência e de convite à tolerância.

Mons. Gaillot, Arcebispo de Evreux, concedeu entrevista a "L'Evénement du Jeudi" nos seguintes termos:

- "Suponho que o Sr. não tenha ainda visto o filme 'Je vous salue, Marie', de Jean-Luc Godard?

- "Não, mas tenho desejo de vê-lo!

- "A censura incide sobre esse filme porque nele se apresenta a Virgem nua. A interdição lhe parece legítima?

- "Eu tenho pouco desejo de que ele seja interditado. Dada a qualidade do cinema de Godard, parece-me interessante que ele tente exprimir o 'Mistério' na sua arte. Eu não vi o filme, mas a priori não gostaria que ele fosse interditado nem que se fizesse uma gritaria escandalosa em torno dele".

O semanário "VSD" (31-1 a 6-2-85) transcreve o pronunciamento do Pe. Boullet, que é ali apresentado como "o porta-voz da Conferência Episcopal, a voz dos bispos franceses":

"É necessário não correr o risco de abafar a criação, sob pena de se cair na intolerância artística. A herança religiosa não é apanágio dos cristãos. Devemos alegrar-nos de que, passados alguns anos, se reencontrem alusões à mensagem bíblica em filmes como 'L'Amour à mort', de Resnais, ou 'A Ia poursuite de l'étoile d'Olmi'. Certamente se corre o risco de ser chocado. Mas não se pode exigir que os criadores sejam cem por cento fiéis ao dogma. A maior imoralidade é, sobretudo, fazer um filme estúpido, que estupidifica o espírito em lugar de conduzir a pessoa a levantar questões.

"Portanto, neste contexto, a campanha desencadeada [contra o filme de Godard] não nos pareceu uma boa campanha. Parece mesmo inoportuna, porque no dia em que for necessário intervir sobre algum fato profundamente repreensível os cristãos não mais terão credibilidade".

Até mesmo as declarações do ex-Arcebispo de Paris, Cardeal Marty, publicadas no "Quotidien de Paris" (31-185) sob o título "Mons. Marty excomunga Godard", não têm o caráter taxativo e peremptório de quem fala realmente em termos de excomunhão:

"Por que aviltar as coisas da religião em um filme barulhento e escandaloso que explora o nudismo e a sexualidade? Tudo o que é sagrado merece respeito. Por que querer chocar assim a consciência dos crentes? .... A menos que eu seja obrigado e forçado, nunca irei ver esse filme".

Recebemos também as declarações dos Bispos de Nancy, Nantes, Dijon, Avignon, Blois, Angers, Bordeaux, Angoulême e Saint-Etienne, todas elas próprias a deixar os fiéis na maior perplexidade.

Com efeito, as restrições que tais Bispos fizeram parecem basear-se apenas numa exigência de respeito mútuo entre "sensibilidades" diferentes. Quando arriscam uma censura ao filme, fazem-na em plano puramente subjetivo: "alguns ficaram chocados", ou, na melhor das hipóteses, "ficamos chocados". O princípio que eles invocam é uma regra de boa coexistência entre correntes de pensamento opostas, dentro de uma sociedade pluralista: que cada corrente se abstenha de ofender a outra ou de a chocar.

Mons. Bernard, presidente da Comissão Episcopal de Opinião Pública, explicita esse princípio: "É primordial que na França estejamos todos atentos a que cada categoria de cidadãos - os cristãos e os outros - seja respeitada naquilo que é muito importante para as suas consciências" ("La Croix", 9-3-85).

A escalada da blasfêmia, um processo dosado

O Ministro da Cultura, Jack Lang, favoreceu a apresentação do filme na França e presumivelmente concederá verba para outra película blasfema: "A última tentação de Cristo"

Uma pesquisa de opinião pública divulgada pelo semanário "VSD" indica que 84% dos católicos franceses (ou seja, 67% da população francesa) não aceitam o filme. E a revista comenta:

"Tudo indica que este [a religião] seja o último verdadeiro tabu dos franceses. Todas as outras proibições foram varridas pelo grande vento de 68. .... Resta apenas um verdadeiro pecado: tocar na religião. .... A rigor, pode-se até tocar em Cristo, mas sobretudo não se deve tocar na Virgem Maria".

Na realidade, o filme de Godard se insere numa verdadeira escalada de obras do mesmo gênero, destinada, sem dúvida, a erradicar a religião, "o último verdadeiro tabu dos franceses". Nela se incluem os seguintes filmes:

"Concilio de Amor" - Apresenta as três pessoas da Santíssima Trindade, a Virgem Maria, o diabo e o Papa unidos para castigar o Vaticano, que se acha mergulhado na orgia.

"Ave Maria" - Lançado em outubro de 1984. Representava um Padre e algumas religiosas em uma história escabrosa. Seu cartaz de propaganda representava uma mulher nua sobre um crucifixo; Os protestos levaram a justiça a condenar o cartaz, obrigando a sua retirada.

"O Diabo na Pia de Água-benta" - Filme para televisão, com lançamento previsto para o Natal de 1984. É uma "versão cômica da vida de Cristo". Um abaixo-assinado com 30 mil assinaturas, seguido de 40 mil cartas de protesto, obrigou o adiamento da projeção.

"A Ultima Tentação de Cristo" - Filme em preparação, baseado na conhecida obra de Nikos Kazantzaki. Sua realização está dependendo apenas de verba a ser concedida pelo ministro socialista da educação, Jack Lang.


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