Lúcio Mendes
À FORÇA de se verem as múltiplas devastações causadas pelo progressismo nos meios católicos, poder-se-ia toldar de algum modo no espírito dos fiéis a lembrança dos esplendores com que Nosso Senhor Jesus Cristo quis adornar a Santa Igreja.
"Catolicismo", tendo em vista rememorar alguns desses aspectos, convida seus leitores, por meio deste artigo, a uma visita a uma abadia trapista ou Cisterciense da Estrita Observância. Isolados do mundo e vivendo silenciosos só para a contemplação, a oração e a penitência em suas abadias, os trapistas constituíram ao longo dos tempos um "santo escândalo".
A ABADIA trapista assemelha-se a uma minúscula cidade cujo centro é a igreja e o mosteiro propriamente dito. Nas proximidades erguem-se edificações, destinadas aos afazeres dos monges, e os campos para o cultivo, constituindo tudo isto um pequeno mundo.
Nas horas de trabalho manual, os religiosos dedicam-se às ocupações mais variadas, que garantem sua subsistência e - por expressa determinação da Regra - permitem seu isolamento em relação ao mundo.
O silêncio é outra característica da Ordem. Excetuadas poucas ocasiões, os trapistas invariavelmente guardam silêncio, mesmo durante os trabalhos. Tal silêncio propicia ao monge melhores condições de recolhimento, para a meditação e oração. Nunca falar... que fonte de renúncias, que ocasiões de penitência! Entretanto, o silêncio é algo de positivo: nele o trapista emudece em relação às criaturas para melhor poder ouvir o Criador.
O isolamento, o silêncio, a vida de oração e o trabalho manual são prescritos pela Regra de São Bento, que é adotada na Trapa.
Ainda é noite quando o grande sino desperta os monges e os chama para o canto do Ofício. Os trapistas, como várias ordens religiosas, ao longo dos séculos foram incumbidos pela Igreja de rezar o Ofício em seu nome. Após a recitação deste, os monges sacerdotes celebram a Missa, e há um tempo dedicado às orações individuais. Segue-se nova hora de Ofício (a Prima), a leitura de um capítulo da Regra e leituras individuais. A Missa solene e o canto da hora Sexta do Ofício encerram o período de orações matutinas.
Depois da refeição matinal, os monges partem para o trabalho manual. Vão arar a terra, colher frutos, cuidar da horta e dos animais. Há monges ferreiros, alfaiates, marceneiros etc.
Ao toque do sino nas horas prescritas, agrupam-se nos locais de trabalho e rezam o Ofício ou o Rosário.
Após uma interrupção para o almoço e breve repouso, os religiosos retomam os afazeres até o entardecer. A luz do sol poente penetra pelos vitrais, quando ecoam vozes monacais entoando as horas Vésperas e Completas do Ofício. Segue-se a última refeição e algum tempo de oração e leitura.
Por fim, o som majestoso e solene do grande sino chama todos para cantar a oração final do dia, a Salve Regina. Para aqueles que visitam a Trapa, essa é uma hora inesquecível: após uma longa jornada de orações e trabalhos, os monges reúnem-se aos pés da imagem de Nossa Senhora. Ouvem-se então no mosteiro as harmonias desse canto inspirado. Um profundo silêncio se faz, e os monges retiram-se com a alma ainda impregnada pela unção do cerimonial e pelas cogitações do dia. À porta que os conduz ao claustro, o Abade, pai dos monges, abençoa-os um a um.
Façamos uma visita às diversas partes da abadia trapista e observemos de perto a vida dos monges.
Ao lado da igreja abacial - sempre dedicada a Nossa Senhora - situa-se o claustro, onde estranhos só podem penetrar com licença do Abade.
Para o claustro está voltada a sala do Capítulo, assim chamada porque nela, diariamente, é lido um trecho ou capítulo da Regra. Serve também para o "capítulo de culpas": diante de todos os monges reunidos, a uma palavra do Abade, os religiosos que cometeram alguma infração contra a Regra prosternam-se. Chamados um a um, acusam-se das faltas ou são acusados por outros monges. O Abade determina então uma penitência, que varia desde orações com os braços em cruz e a flagelação, até a prosternação à porta do refeitório. Os religiosos passam sobre o prosternado sem o tocar, e este só se levanta depois que todos já entraram. São usuais as penitências de tomar a refeição de joelhos ou mendigar a comida, apresentando o prato a cada um dos outros monges, que depositam nele algo de sua própria comida.
No amplo refeitório, o Abade preside o repasto, e seu lugar nunca é ocupado se ele está ausente. Durante as refeições um monge lê em tom solene a Sagrada Escritura ou obras espirituais. Em certos dias vê-se no local ocupado por algum dos monges um pequeno vaso com flores: é a data de seu aniversário.
Merece menção a cela dos trapistas. Cada monge, por espírito de pobreza, dispõe apenas de uma pequena cela de 1,5 m por 2 m de área, onde, além da austera cama, há apenas um crucifixo e uma imagem de Nossa Senhora.
Próximos ao prédio principal, esparsos de cá e de acolá, estão os locais de trabalho. Neles, por exemplo, um religioso encaderna livros da grande biblioteca, outro monge alfaiate confecciona hábitos; mais adiante um terceiro monge recompõe um vitral. Nesses locais reinam silêncio e recolhimento completos.
Na horta, vários trapistas tratam do que será depois o alimento da abadia e dos pobres que batem à sua porta.
Mais afastados ficam os campos de cereais e outras plantações que exigem maior área, o pomar, o campo destinado ao gado etc.
Nos referidos lugares os monges trabalham com afinco, silenciosos, a mente e o coração postos na contemplação de Deus.
Voltemos ao mosteiro e percorramos os jardins. Sob o arvoredo não é raro ver um monge rezar, caminhando recolhido, ou um noviço ler atentamente algo.
Em muitos mosteiros, a sala do Abade está voltada para esse jardim.
O que leva homens, no decorrer de tantos séculos, a tudo renunciar e viver só para Deus?
Já tem ocorrido o caso de um jovem bem colocado, num próspero país de nossos dias, levando vida confortável, bater à porta da Trapa. Ele deseja entrar para o mosteiro.
O mestre de noviços atende-o afavelmente e explica-lhe todas as renúncias
Abaixo, a grande prosternação do monge na igreja abacial.
Monges sacerdotes celebram a missa.
A fila de monges, com capuz na cabeça, percorre um corredor de pedra.
Acima, o Abade Armand le Bouthillier de Rancé.
Ao lado, o beijo da paz antes da comunhão.