| A TRAPA: REINO DE SILÊNCIO E ORAÇÃO | (continuação)
que ele deve fazer, a vida de oração e penitência a que deve se submeter. Ele tornar-se-á morto para o mundo e o mundo para ele. A Regra prescreve que, tendo o monge aceitado entrar livremente, não poderá sair do mosteiro nem em caso de morte dos pais.
Pouco tempo depois, o jovem faz um retiro de três dias, e após um mês de postulantado realiza-se a cerimônia de recepção do hábito. Na saia do Capítulo, diante de todos os monges, o rapaz prosterna-se com a face em terra. "Que pedis?" pergunta o Abade. O postulante responde com as mesmas palavras de São Bernardo ao solicitar sua entrada na Abadia de Cister: "A misericórdia de Deus e a vossa". Faz então a promessa de observar a regra e é revestido da túnica, escapulário e capa que o Abade acaba de abençoar. Recebe um nome religioso e seus cabelos são cortados, como símbolo de renúncia ao mundo.
Inicia-se a fase de sólida formação, que o preparará para fazer os votos religiosos por três anos, findos os quais poderá fazer os votos perpétuos.
Há quase nove séculos - em 1098 precisamente - São Roberto de Molesmes funda a primeira Abadia em Cister, na França. Ausente São Roberto, dois santos o sucedem: Alberico e Estêvão Harding. Cister irá conhecer um perto-do difícil de treze anos. A chegada de São Bernardo, acompanhado de trinta discípulos, vem dar novo impulso à nova fundação.
Em Cister, São Bernardo observa com zelo a Regra e compenetra-se profundamente de seu espírito. Os monges passam a ver nele a Regra viva, o modelo de entusiasmo na observância da vida monástica. Impelido pela mesma chama com que pregou a Segunda Cruzada, São Bernardo espalha mosteiros cistercienses por toda a Europa. À sua morte já existiam 350 abadias dessa observância.
Séculos depois, a decadência geral dos costumes durante a época do Renascimento e protestantismo provoca o relaxamento da Ordem cisterciense. Uma profunda reforma dos costumes e da vida monástica é efetuada, em 1662, por Armand Jean le Bouthillier de Rancé, tendo por centro a Abadia de Nossa Senhora da Trapa. Nasce então a atual ordem dos Cistercienses da Estrita Observância, que procura voltar integralmente às origens de Cister e à Regra de São Bernardo.
Em fins do século XVIII, sopra sobre a França e a Europa a tempestade da Revolução Francesa. Os trapistas são expulsos de suas casas, os mosteiros incendiados e as igrejas destes profanadas. Após 24 anos de exílio, voltam os religiosos e as abadias renascem.
Leão XIII efetuou a unificação das diversas congregações originadas da Trapa - dispersas a partir da Revolução Francesa - mediante a convocação do Capítulo Geral de 1882. Desde então a Ordem denominou-se "Cistercienses Reformados" ou "da Estrita Observância".
Durante a guerra civil de 1936 na Espanha, vinte e um trapistas do mosteiro de Viaceli são fuzilados e jogados ao mar pelos comunistas.
Na Iugoslávia e na China os vermelhos fecham, saqueiam ou incendeiam mosteiros; os trapistas são presos ou expulsos. Neste último país mais de trinta deles são martirizados.
A observância de uma rigorosa regra religiosa, o amor a Deus e à Igreja, levaram esses religiosos contemplativos a preferir a morte a qualquer transigência em matéria de Fé. A estrita observância da regra de Cister constituiu a melhor preparação para os ditosos trapistas receberem a palma do martírio.
Nas horas prescritas, os monges agrupam-se nos locais de trabalho e rezam o Ofício ou o Rosário.
Inclinação dos religiosos durante a recitação do Ofício divino na igreja abacial.
Dois religiosos encarregados de cuidar da criação de coelhos depositam alimento para os animais.
O monge inclina-se para receber a benção do Abade, antes de se recolher à sua cela para dormir.
Jackson Santos
TERRORISMO e guerrilha. Durante algum tempo ambas as modalidades estiveram na ordem do dia no Brasil, e a possibilidade de que voltem de nenhum modo pode ser considerada afastada. Cessaram, como por efeito de uma varinha mágica. A mesma que as poderá reativar. Mas continuam a atormentar alguns de nossos vizinhos, como o Peru e a Colômbia. E intermitentemente, de todas as partes do mundo, nos vêm notícias de guerrilhas e terrorismo urbano ora em andamento, ora em retrocesso.
Essa enorme orquestração mundial da violência social tem uma partitura única? Ou seja, há uma coordenação mundial dos movimentos terroristas e guerrilheiros? Em tal hipótese, que mãos misteriosas manejam tão mortíferos cordéis? E com que finalidade?
O tema é muito atraente. E foi estudado com competência e farta documentação por Edouard Sablier, jornalista e escritor francês, especializado em assuntos de terrorismo contemporâneo. Os resultados de seus estudos têm sido por ele expostos na França, ante o "Instituto de Altos Estudos de Defesa Nacional". E foram também publicados, num alentado livro de 310 páginas - "O Fio Vermelho" ("Le Fil Rouge", Plon, Paris, 1983), do qual extraímos os dados abaixo.
Só em 1981, 91 países foram atingidos por ações terroristas: "cada vez, em cada país, a polícia abre um inquérito. A pista dos criminosos conduz a suspeitar de terroristas de esquerda, de direita, de separatistas, de vingadores, de provocadores, de iluminados. Cada caso, fora de seu contexto, não chega a nada. E na maior parte das vezes o processo é arquivado".
Na verdade, a finalidade de cada atentado é "criar um clima revolucionário e começar a construção do aparelho político-militar que conduzirá à eclosão da guerra de libertação" (p. 13), ou seja, da revolução comunista.
Isto tudo é conhecido, diz Sablier. "Hoje, porém, um elemento novo surgiu. Todos os terrorismos [e ele inclui a guerrilha] concorrem para um mesmo objetivo: derrubar a sociedade liberal e os regimes que vivem em torno dela" (p.14). Trata-se, pois, de uma grande montagem para desestabilizar o Ocidente.
Foi na Conferência de Havana, em 1966, que a internacional do terrorismo nasceu: 513 delegados de 83 países. A China tinha 34 representantes, a Rússia 42, Allende chefiava a delegação chilena. Vários campos de treinamento foram preparados a partir de então: em Cuba, no Oriente Médio, na Coreia do Norte. Mas o aperfeiçoamento final dos "melhores" elementos deveria ser feito na Rússia. Os terroristas irlandeses do IRA são treinados em Trípoli. Kadafi revela-se mesmo um mecenas do terrorismo. Constrói para ele uma base na ilha de Malta (com o assentimento do governo Mintoff); para o mesmo fim compra imensas extensões de terra em ilhas italianas, como a de Pantaleria e Lampedusa. E o território líbio passa a ser um enorme arsenal terrorista. Kadafi é "um agente da KGB" (p. 75).
Os contingentes terroristas são internacionais e reversíveis. Assim, cubanos vão à África, tupamaros uruguaios lutam em Portugal, árabes ligados à OLP atacam na Europa, japoneses em Israel etc. "Kadafi encoraja abertamente o movimento pacifista a lutar contra a instalação de mísseis americanos na Europa" (p.81).
Quando da invasão israelense no sul do Líbano, em junho de 1982, contra campos terroristas ali instalados, "os documentos apreendidos nos postos de comando e junto aos prisioneiros trazem a prova das ligações estreitas estabelecidas pelos palestinos com 33 organizações guerrilheiras: 10 de origem europeia, 7 da América Latina (Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala, Bolívia, Uruguai, Argentina), 3 do Extremo Oriente, 5 do subcontinente indiano, 8 do Golfo Pérsico e do Oriente Próximo" (p.125).
Contingentes de alemães orientais "representaram um papel essencial para preparar a vitória do MPLA pró-comunista em Angola" (p. 159). Também atuaram eles em Moçambique, na Etiópia e na guerrilha rodesiana, e há ainda várias centenas de alemães orientais presentes no Afeganistão. É ainda "atrás do paravento de tropas cubanas" que a Rússia se infiltra na África.
Ligados à ação terrorista encontram-se também movimentos neonazistas. Paradoxalmente é o regime de Berlim oriental (comunista) que protege os movimentos neonazistas no Ocidente. Um neonazista alemão, Roeder, afirma: "Estamos prontos a colaborar com a União Soviética contra o sionismo internacional e o poder dos Estados Unidos, inteiramente dominado pelos judeus" (p. 162). Parece, assim, que tais movimentos não passam de um dos tentáculos terroristas do polvo vermelho, uma longa manus, entre muitas outras, da KGB.
Muitos ocidentais, por ingenuidade uns, por cumplicidade outros, continuam a tomar cada ação terrorista como um fato isolado: "Ante os golpes que atingem os vizinhos, cada um procurará convencer-se de que não corre risco". Ora, "os atos de terrorismo não são mais crimes isolados, mas o desenvolvimento de uma guerra subversiva".
A ação terrorista encontra seus militantes principalmente na classe burguesa, enquanto o operariado e os camponeses mostram-se conservadores e arredios ao comunismo. "A nova 'luta de classes' revela assim este paradoxo: os filhos de famílias abastadas atacam, com os encorajamentos do comunismo mundial, as forças da ordem democráticas, compostas o mais frequentemente de filhos e filhas das classes trabalhadoras. Esta anomalia vai se manifestar inicialmente na América Latina" (p.23).
O livro se estende sobre a ação guerrilheira na América Latina, incluindo o Brasil na década de 60. Nosso continente foi tomado como laboratório de experiência. Entretanto o grosso da ação terrorista - na cidade como no campo - fracassou por falta de apoio popular. A obra de Sablier narra a morte de Che Guevara, a prisão de Regis Debray (solto depois, a pedido de De Gaulle), a morte de Marighella, o fracasso dos tupamaros. O autor ressalta como nota básica do terrorismo e da guerrilha o controle não tanto do território como dos espíritos. Daí o papel essencial da publicidade, como fator determinante na tentativa de influir sobre as almas.
"Le Fil Rouge" discorre ainda longamente sobre a atuação terrorista no Oriente Médio, em especial no Líbano. Os escritórios de representação da OLP, pelo mundo todo, gozam da imunidade que lhes possibilita enviar armas pela mala diplomática, forjar passaportes e documentos falsos e obter bolsas de estudos para os terroristas, a fim de introduzi-los e fixá-los nos países onde deverão atuar. A obra insinua certa complacência de alguns governos ocidentais com o terrorismo provindo da OLP (pp. 53 e 54).
"Os grupos procedentes do terrorismo internacional raramente dirigem seus golpes contra os regimes mais opressores, que são as ditaduras ditas do proletariado" (p.136). "As organizações que se dedicaram ao terrorismo recebem da URSS e de outros Estados comunistas o armamento, o treinamento e as indicações sem os quais sua ação não poderia ter a amplitude que adquiriu há 10 anos" (p.142).