Eduardo Queiroz da Gama
Mesmo com o metrô gratuito, numa cidade de 12 milhões de habitantes, apenas 10 mil pessoas afluíram no dia 1° de maio à Praça da Sé, o que decepcionou profundamente os organizadores da manifestação (Foto Bruno Santarelli).
ESTAVA MONTADO o cenário para uma grande "festa" na praça da Sé (centro da capital paulista) mas os principais convidados - os operários - não compareceram. O próprio Lula, presidente do PT, desabafou em seu discurso: "Nem Tancredo, nem Lula, nem ninguém consegue fazer qualquer coisa por uma classe trabalhadora que não se move". Em meio ao público, uma freira externava sua decepção em vista do pequeno número dos presentes, lembrando que em 1980 os sindicalistas e religiosos haviam conseguido reunir mais de 100 mil pessoas para as comemorações de 1º de maio.
CUT - Central Única dos Trabalhadores, CONCLAT - Congresso da Classe Trabalhadora, PT, Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo, PCB, PC do B, MR-8, PDT, todos uniram esforços para transformar as comemorações de 1º de maio em São Paulo numa apoteose da esquerda sindicalista.
"O dia 1º de maio é comemorado em todo o mundo como dia de unidade e de luta dos trabalhadores contra a exploração capitalista. Nos países que fizeram a revolução socialista [leia-se comunista], é comemorado como data-símbolo da vitória da luta operária rumo à construção da sociedade socialista mundial". Dessa maneira o "Piquetão" (panfleto editado pela "Corrente Operária Socialista" da CUT e distribuído no comício) define o que entende por "dia do trabalhador".
E o folheto traça as metas: "Nosso caminho é o da luta e da unidade de todos os trabalhadores pela liberdade de organização política e sindical. .... Uma luta incansável contra nossa condição de explorados e por uma sociedade sem patrões e sem exploração: O SOCIALISMO. .... É preciso lutar para acabar com a raiz da exploração, com a própria SOCIEDADE CAPITALISTA. .... É preciso lutar por uma nova sociedade onde não exista a propriedade privada, onde a produção não seja orientada para o lucro. .... ESTA SOCIEDADE É O SOCIALISMO" (tipos em versal do próprio folheto, negrito nosso).
E talvez na esperança de divulgar este panfleto (que poderia ser assinado por Lenine ou Trotsky) aos milhares - ou milhões? - de trabalhadores que esperava atrair ao comício, a CUT esclarece como chegar à sociedade socialista: "Ela só será alcançada através de uma luta sem tréguas. Em muitos países os trabalhadores fizeram revoluções (sic) derrubaram o sistema capitalista e conquistaram importantes vitórias, provando assim que o ideal socialista não é um sonho".
Evidentemente, na concepção dos autores do panfleto, as greves e agitações nas capitais e interior do País já constituem "a luta sem tréguas" rumo à "revolução" para instaurar o "ideal socialista".
O Cardeal Arcebispo de São Paulo recebe a caixa de serviço de um engraxate, depositada sem constrangimento sobre o altar, durante a Missa celebrada no dia 1º de maio na catedral. (Foto Bruno Santarelli).
Antes do comício, D. Paulo Evaristo Arns, Cardeal Arcebispo de São Paulo, concelebrou Missa na catedral com seus dez Bispos-auxiliares e D. Cláudio Hummes, Bispo de Santo André. Encontravam-se também presentes mais de 50 sacerdotes da Arquidiocese paulopolitana e do ABC.
Frente ao minguado público de aproximadamente 1.200 pessoas que compareceram ao ato litúrgico (membros das CEBs, PT e CUT) o Purpurado não escondeu sua decepção: "É preciso acordar os próprios operários. Nós sabemos quantos não estão nem em sindicato, quantos não comparecem em nossas reuniões [das CEBs].
O Cardeal de São Paulo fez de seu sermão uma pregação política, externando sua esperança na era da hegemonia sindical:
"E se chegarmos a esse ponto, de todo mundo se interessar pelo sindicato, por nossas organizações, por nossos grupos de fábrica, aí muda uma coisa importante no Brasil: os políticos não vão mais se servir do sindicato, mas os sindicatos vão orientar a política".
Para o prelado paulopolitano, a meta das CEBs e sindicatos deve ser a copropriedade e a cogestão socialista: "Convocamos todas as nossas Comunidades, todas as nossas organizações, todos os nossos grupos, para com o método não-violento levar para a frente o que nós sabemos que será uma vitória certa: a longo prazo, a copropriedade e a cogestão..."
O "método não-violento" enunciado por D. Paulo Evaristo Arns evitaria, por exemplo, os recursos utilizados pelos sindicatos ligados à CUT: piquetes, "milícias metalúrgicas", operações "vaca brava" e sequestro de trabalhadores que não adiram à greve? Embora seja presumível que tais processos não estivessem incluídos nos métodos aludidos pelo Prelado, nenhuma crítica fez ele aos piquetes de metalúrgicos e ao sequestro que estes efetuaram naqueles dias sob a inspiração da CUT.
No Ofertório da Missa celebrada por S. Emcia. ocorreu algo de inusitado. Antes de serem depositadas sobre o altar as espécies que seriam consagradas, foi organizada uma "procissão" formada por alguns "operários", que entregaram ao Cardeal de São Paulo seus "instrumentos de trabalho": o pedreiro, a colher-de-pedreiro; o metalúrgico, a chave-de-fenda; o agricultor, a enxada; o desempregado, a carteira de trabalho; um operário, seu envelope de pagamento; um "doente", a receita médica; a empregada doméstica, o avental. D. Arns recebia todas estas coisas, erguia-as para mostrá-las ao público e depois as depositava sobre o altar.
Ao fim da Missa, o Cardeal de São Paulo convidou com empenho os assistentes a participarem do comício na praça em frente, pois, segundo ele, era missão do cristão "fermentar a massa". Realmente, fermentar uma "massa" reunida pela CUT, CONCLAT, PT, PCB, PC do B, MR-8 e PDT, não é difícil missão para agentes pastorais e membros das CEBs "engajados" no "processo de libertação"...
Por mais que agitassem suas bandeiras, os participantes e organizadores do comício não conseguiam esconder seu desânimo.
Um dos locutores chegou a anunciar (como algo espetacular) que havia 40 mil pessoas na praça! Sonhava ou delirava, em face do minguado público presente. Ao comido, na hora de maior afluência, compareceram somente 8 a 10 mil pessoas. Note-se que a grande São Paulo tem mais de 12 milhões de habitantes!
Isto não impediu que os grupelhos de esquerda política e sindical externassem o caráter ideológico da manifestação. Além da discurseira - habitualmente vazia e constituída de um palavreado desconexo - cantou-se a "Internacional" (hino da "Internacional Comunista"), interpretada pelo grupo musical "Teatro União e Olho-Vivo" - intimamente ligado às Comunidades Eclesiais de Base. Além disso, um orador deu vivas a Marx, Engels e Lenine, saudando-os como heróis internacionais.
Assim, ao comício faltou público, mas não coloração ideológica...
Parece evidente que os sindicatos e partidos de esquerda queriam que a manifestação de 1º de maio fosse uma demonstração de força. E tal ostentação não visava um objetivo pacífico.
Para comprovar semelhante afirmação, basta lembrar que naqueles dias estavam em andamento as violentas greves dos metalúrgicos, com as operações "vaca brava", a atuação das "milícias metalúrgicas", havendo ocorrido pouco antes o sequestro de 370 funcionários da General Motors em São José dos Campos, efetuado por grevistas.
O fracasso do comício pôs ainda mais em evidência a artificialidade das greves que vêm proliferando no país. Estas são mantidas em boa medida graças à atuação ilegal dos piquetes, que impedem os operários ordeiros de trabalhar.
Felizmente, até o momento, a maioria dos operários mantém-se à margem dos movimentos "engajados", desconfiando das provocações bombásticas, bem como das escusas intenções de seus líderes. Esperemos que prevaleça o bom senso e que a classe operária de nosso país conserve e aprofunde esta salutar desconfiança.
(Foto Bruno Santarelli)
Nas instalações da General Motors em São Bernardo, sindicalistas dão prosseguimento à operação "vaca brava", nova tática revolucionária introduzida nas greves.
A ÚLTIMA NOVIDADE de piquete grevista foi lançada pela CUT em São José dos Campos: as "milícias metalúrgicas", destinadas a garantir a continuidade da greve pelo uso da violência. A operação "vaca brava" constituiu também novo tipo de ação dos piquetes. Da mesma forma que a CPT - Comissão Pastoral da Terra (órgão da CNBB), vai organizando invasões de propriedades rurais (cfr. "Catolicismo", junho/1984, n° 402 e outubro—novembro/1984, n° 406-407), a CUT, com seus piquetes e "milícias metalúrgicas", iniciou o processo de invasão de fábricas para impedir os trabalhadores de furarem a greve.
O que mais natural do que isso? - poderá indagar algum esquerdista. Se se invade a terra, por que não a fábrica?
Por enquanto, as fábricas estão sendo invadidas com o objetivo de paralisar os trabalhos. Quem garante que amanhã elas não o serão com vistas a exigir sua desapropriação? Afinal, não é um processo análogo que está sendo utilizado nas propriedades rurais visando a aplicação da Reforma Agrária socialista no Brasil?
Caracterizou ainda as últimas greves o sequestro de 370 funcionários da General Motors de São José dos Campos, efetuada por grevistas.
Numa ação característica de guerrilha urbana, líderes sindicais impeliram grevistas a aprisionarem, nos dias 25 a 27 de abril último, 370 funcionários administrativos que não estavam em greve, mantendo-os em cárcere privado como reféns por mais de 50 horas. Os prisioneiros do que se poderia denominar "guerrilha metalúrgica" só foram postos em liberdade quando a Polícia Militar - depois de muita indecisão - ameaçou invadir as instalações da indústria.
Em documento entregue à imprensa no dia 6 de maio, os reféns dos sequestradores metalúrgicos narraram os maus tratos de que foram objeto:
"Impedidos de sair da fábrica, esses empregados foram depois arrancados, pela força, de seus escritórios e obrigados a marchar debaixo de ordem e apupos até o gramado do pátio, onde foram mantidos ao relento, sob efeitos da chuva, do frio e da fome. E durante toda a madrugada, acobertados pela escuridão, dezenas de ativistas sindicais, aparentemente enlouquecidos, promoveram todo o tipo de agressão moral e verbal contra os reféns - envolvendo nisto suas mulheres e filhas - obrigando-os ao constrangimento de fazerem suas necessidades fisiológicos no próprio local.
"O clima de terror continuou durante todo o dia 26, sexta-feira, com o cárcere mantido e a obrigação dos reféns de participarem, sob ameaças, das assembleias e reuniões manipuladas pelos líderes do movimento. A partir das primeiras horas de sábado, o terror psicológico chegou a um ponto insuportável, com as ameaças dos ativistas de fazerem explodir a fábrica, e com ela, nós, os 370 empregados. Por gestos, os ativistas indicavam aos reféns que, dali a instantes, tudo iria pelos ares.
"A angústia, a tensão e o terror só terminariam por volta das 18 horas de sábado, quando os reféns foram libertados sob a garantia policial.
"Humilhados, ofendidos e ainda traumatizados, os 370 empregados mantidos em cárcere privado fazem hoje esta denúncia, com um único objetivo: o de alertar seus companheiros horistas para a ação desses ativistas políticos - e não sindicais - que nada têm a ver com os legítimos anseios dos trabalhadores e que, através de ações criminosas como essas, podem pôr em risco sua vida, sua segurança e o bem estar de suas famílias".
Se hoje os líderes sindicais ousaram levar tão longe sua tática de guerrilha urbana, como procederão quando perceberem que o Poder Público, já tão débil e omisso agora, não os reprimirá de nenhum modo?