Gregório Lopes
O desenho acima, que é apresentado no livro de D. Pedro Casaldáliga, será a figura de um feiticeiro negro com a mão esquerda levantada? Não. Ele pretende representar nosso sublime Redentor. – Qual o significado do desenho acima, que figura no livro do Bispo de São Félix do Araguaia? O estranho personagem - o Verbo encarnado! - é enviado ao mundo por Deus Padre para "reunir-nos em família".
D. PEDRO Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia (MT), fez publicar na Espanha, seu país de origem, um livro de poesias intitulado "Fogo e Cinza ao Vento" ("Fuego y Ceniza al Viento", Editorial Sal Terræ, Santander, 1984, 95 páginas). Quem aprecia boa literatura jamais deveria ler essa obra. É bastante enfadonha, quer como conteúdo, quer como forma. Enfim, ninguém é obrigado a ser bom poeta. Mas todos deveriam ter suficiente sensibilidade para poupar a alguns o trabalho de publicar esse gênero de obras e a outros a decepção de lê-las.
Na página 9, uma figura - parcialmente reproduzida na capa - parece servir de símbolo ao livro. Dir-se-ia um feiticeiro negro com a mão esquerda levantada, magro, cabelo espetado para trás, olhar fixo e atormentado, lábios grossos e semiabertos num rictus de terror, barba rala e espantada. A túnica cinza chega-lhe quase aos pés descalços, bem separados um do outro, e possui um decote em forma triangular, cuja ponta desce até à cintura.
O estranho personagem tem atrás de si, na altura das pernas, uma chama negra, como a indicar um precito saído dos infernos. Na parte superior do desenho aparece uma pomba branca.
Não obstante essa estranha configuração, a legenda ao lado é uma frase de Nosso Senhor no Evangelho. Na página 67 a mesma figura, semelhante a um pajé negro, é apresentada de modo inquestionável como o Filho de Deus, enviado para "reunir-nos em família". É inconcebível que se represente nosso sublime Redentor com tal aparência!
Nas poesias, em meio a muita banalidade, ambiguidade e mau gosto, aqui e ali afloram elementos de subversão.
Assim, haveria um "Vento do Espírito", que "reduz a cinzas a prepotência, a hipocrisia e o lucro" (p. 8). Como se vê, a obsessão da "esquerda católica" em acabar com todo tipo de lucro, mesmo o justo e legítimo, faz com que D. Casaldáliga o coloque em muito má companhia, ou seja, irmanado à prepotência e à hipocrisia.
A tão decantada "opção pelos pobres" - que na prática se tem revelado uma opção pelo socialismo - procura pintar Nosso Senhor como um representante da classe dos pobres rebelada contra a dos ricos, seguindo o velho e embolorado esquema marxista. A esse chavão das esquerdas atrelam-se as poesias em questão. Uma delas, composta de quatro desgraciosos versos, é uma paródia do Evangelho e se intitula "E o Verbo se fez classe" (p. 11). Ei-la
"En el vientre de Maria
Dios se hizo hombre
Y en el taller de José
Dios se hizo también clase".
("No ventre de Maria / Deus se fez homem / E na oficina de José / Deus se fez também classe").
Em se tratando de classe social, D. Casaldáliga poderia acrescentar ainda que Deus se fez nobre, pois quis descender da estirpe real de David. Mas essas são considerações incômodas para o Bispo vermelho de S. Félix do Araguaia...
Não falta também uma poesia em que o autor canta "A prostituta" e se imagina dando-lhe um copo de água (p. 52), e outra em que qualifica de profeta o falecido socialista hindu, Gandhi (p. 81).
Tomado por élan ecumênico, D. Casaldáliga, numa poesia intitulada "Oikumene" (p. 85), é levado a dissolver os dogmas num magma que ele chama "graça" e "nosso amor". Eis seus versos:
"Cerremos, por fin, hermanos
aquella herida mayor
Todos los dogmas se cifran
en su Gracia y nuestro amor".
("Fechemos, por fim, irmãos Aquela ferida maior / Todos os dogmas se cifram / em sua Graça e nosso amor").
Isto é dito com toda a sem-cerimônia, como se os dogmas não fossem de si - a Assunção de Nossa Senhora, por exemplo, para só falar do proclamado mais recentemente - dons excelentes concedidos por Deus precipuamente para iluminar sua Igreja no caminho do bem e da verdade.
Na poesia "Oração a São Francisco em forma de desafogo" (p. 61-62), a qual D. Casaldáliga dedica mais especialmente a um dos irmãos Boff, "nosso teólogo, amigo e franciscano Leonardo Boff", o autor afirma desinibidamente que "a metade do mundo morre de fome". Mas o mais censurável, talvez, nesses mesmos versos, seja a descrição da Santa Igreja Católica:
"Nuestra madre Iglesia
mejoró de modos,
pero hay mucha curia
y carisma poco"
("Nossa mãe Igreja / melhorou de modos, / mas há muita cúria / e pouco carisma").
Em tempos normais, nunca alguém, referindo-se à sua própria mãe terrena, diria que ela "melhorou de modos". A expressão, na boca de um filho, é bastante desrespeitosa. Ora, o Bispo de S. Félix não recua em publicá-la para quem a queira ler, aplicando-a à Santa Igreja.
Nos últimos versos há uma alusão a pretensos excessos de organização ou burocratização - dos quais a cúria seria um símbolo - e ao pouco carisma. Ora, se há uma realidade nas devastações que o progressismo tem levado a cabo dentro da Igreja, é exatamente a demolição gradual de toda organização, autoridade, hierarquia. E mesmo o que ainda sobrevive parece incomodar o Prelado!
É verdade - e nisso o Bispo de S. Félix tem razão - que o progressismo, profanando dessa forma a Igreja, como que obrigou o Espírito Santo, para castigo dos homens, a retrair os carismas que em tempos passados eram concedidos a certas
almas, tendo em vista o bem espiritual dos fiéis.
A estrofe seguinte ainda aborda tema religioso:
"Frailes y conventos
criaron verguenza
más en sus modales
que por vida nueva"
("Frades e conventos / criaram vergonha, / mais em seus modos / do que adquirindo vida nova").
Criar vergonha, para D. Casaldáliga, seria, por acaso, os religiosos e religiosas se tomarem "aggionati" segundo a cartilha progressista? E alguns até se tornarem caudatários de Marx e seus asseclas, invocando a "Teologia da Libertação"?
Mas, note-se nos últimos dois versos citados, o Prelado ainda não está satisfeito com o já realizado: é preciso ir além dos "modos" para chegar "a vida nova". Ora, se essa "vida" está na mesma linha dos tais "modos", não é difícil conjecturar para onde quereria D. Casaldáliga conduzir o que resta dos antigos conventos. Transformá-los, talvez, em comunidades tribais ou comunidades marxistas mistas, do tipo daquela fundada por seu amigo da Nicarágua, o Pe. Ernesto Cardenal, no arquipélago de Solentiname... (Cfr. "Catolicismo", setembro de 1984, n 405).
A estrofe seguinte parece referir-se já não mais à Igreja, mas ao mundo em geral (na medida em que ele aceite essa distinção, o que é francamente duvidoso):
"Tecnócratas muchos
y pocos poetas.
Muchos doctrinarios
y menos profetas."
("Tecnocratas muitos / e poucos poetas. Muitos doutrinadores / e menos profetas...).
Um mundo de "poetas" e "profetas" parece ser a utopia casaldaliguiana. A aversão à doutrina, aqui manifestada, coaduna-se bem com a dissolução dos dogmas a que há pouco nos referimos.
Mas se os profetas desse mundo novo apresentarem uma qualidade de profecia semelhante, em seu gênero, à destas poesias, muito mal servidos ficaremos!
Conclusão? Não é preciso uma nova. Baste-nos o que já foi dito com tanta precisão e clareza pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, ao analisar anteriores poesias de D. Casaldáliga, análogas às de "Fuego y Ceniza al Viento":
"Nem em seu conteúdo, nem em sua forma, estes textos têm valor. O pensamento deles poderia normalmente escorrer da pena de qualquer agitador popular razoavelmente alfabetizado. A modesta chama que os anima não vai além da que inspira os pequenos literatos de subúrbio".
O que importa, porém, prossegue o Presidente da TFP, é outra coisa:
"Como pôde um clérigo portador de tais opiniões, e capaz de tais atitudes, chegar a Bispo da Igreja de Deus? Como reage a CNBB diante desta escandalosa explosão do espírito subversivo na pena de um Bispo católico? Vendo-se tão claramente infiltrada pela subversão, como se defende a Hierarquia eclesiástica brasileira? À vista de tudo isto, vem à mente a pergunta extrema: qual é afinal a posição de nossa Hierarquia ante a subversão?" ("A Igreja ante a Escalada da Ameaça Comunista", Editora Vera Cruz, São Paulo, 1976, pp.27 a 29).
Oito anos se passaram desde que o insigne pensador católico fez publicamente essas perguntas. Não foram elas respondidas com palavras, mas lamentavelmente com fatos. Depois disso, por exemplo, D. Casaldáliga foi eleito em 1981 vice-presidente nacional da Comissão Pastoral da Terra da CNBB. E esse organismo, dirigido por eclesiásticos, tem promovido ou dado apoio ostensivo a praticamente toda agitação agrária que vem tentando abalar o país (Cfr. "Catolicismo", edições especiais de junho, n° 402, e outubro-novembro, n° 406-407, de 1984).
Fila de habitantes de Bucarest para comprar víveres, durante o último inverno: imagem simbólica de uma Romênia desmitificada.
A ROMÊNIA foi, durante anos, elogiada na imprensa ocidental como exemplo de nação comunista com destino autônomo, que sabia enfrentar os ditames de Moscou. Tais elogios serviam para disfarçar a miséria do simpático e desventurado país.
A situação piorou ainda mais no último inverno. Era a seguinte:
- Os automóveis particulares foram proibidos de circular de janeiro até março.
- A iluminação dos logradouros públicos, já escassa, foi reduzida. - Proibiu-se o uso de aparelhos eletrodomésticos até que o clima melhorasse.
- Só era permitido, em residência particular, acender uma lâmpada de 40 watts, onde os moradores achassem mais necessário.
- Houve racionamento de açúcar, óleo de cozinha e carne.
- Os programas de TV só iam ao ar duas horas cada noite.
Além disso, as autoridades cortavam, de vez em quando, a luz de quarteirões inteiros de Bucareste para economizar energia. Os moradores se arranjassem como pudessem. Como a água gelava nos canos por falta de aquecimento, muitas instalações arrebentaram, deixando seus usuários sem água às vezes durante semanas.
Nos hospitais, aconselhava-se aos doentes dormir dois em cada cama, para que um aquecesse o outro.
Como se sabe, o inverno europeu é cruel, nada tendo da benignidade do nosso. O quadro é de um sofrimento pungente.
Além de castigados pelo frio, os romenos sofrem a ação de um minucioso Estado policialesco. São obrigados legalmente a relatar qualquer conversa com estrangeiros, não há as liberdades comuns no Ocidente, e a crítica ao governo é habitualmente punida com detenção.
Daí ter surgido um novo nome na Romênia para designar a situação do país: o "regime ártico" (Cfr. Newsweek. 15 de abril de 1985).