P.02-03 P.02-03

AO LEITOR

MUITOS BRASILEIROS esperavam que o falecido presidente Tancredo Neves, com sua longa experiência e seu renomado tino político, lançasse desde logo um ungüento sobre as múltiplas crises que assolam o Brasil, e encaminhasse assim para elas, soluções que não traumatizassem o País. E foi com a mesma esperança que aclamaram o novo Presidente José Sarney.

Entretanto vai-se tornando cada vez mais claro tal não ser o curso dos acontecimentos que os fatos vão tomando. As crises, tanto no plano temporal quanto no religioso, acrescidas da profundidade de circunstâncias adversas e emaranhadas, se vão tornando dia a dia mais graves.

Nos ambientes católicos de nossa Pátria, todo o caso da Teologia da Libertação, a imposição a Frei Boff, por parte da Santa Sé, de um período de "obsequioso silêncio", as reações de Bispos, religiosos e leigos contra aquela determinação, configuram uma situação crítica. Se, de um lado, tal situação revela a disposição do Vaticano de coibir abusos gritantes praticados por adeptos da Teologia da Libertação, tornou-se patente, de outro lado, a determinação de setores progressistas, de contestar ostensivamente a medida disciplinar de importante conteúdo doutrinário tomada pela Santa Sé.

Mas alguém poderá perguntar: haverá relação entre essa profunda crise religiosa -pública e notória - e a crise temporal polimorfa que assola o Brasil? Não versam elas sobre dois gêneros de problemas, inteiramente diversos, e sem qualquer mútua vincula ção?

Para responder a essa questão convém lembrar as duas edições especiais de "Catolicismo" sobre a agitação agrária no País (no 403, de julho de 1984 e n° 406-407, de out.-nov. do mesmo ano). Baseada em opulenta e incontestável documeh-tação, nossa folha exaustivamente traçou o curso de tal agitação desde abril a outubro do ano que findou. E demonstrou que esta, vista panoramicamente e analisada no seu espírito, suas metas e seus métodos, obedeceu a um plano que abarca todo o território nacional. Tal plano, arquitetado principalmente pela "esquerda católica", envolve até elementos fortemente atuantes na Hierarquia eclesiástica, e organismos representativos, a um ou outro título, da CNBB, como a Comissão Pastoral da Terra - CPT - e as Comunidades Eclesiais de Base - CEBs.

Na mencionada edição de "Catolicismo" de out.-nov. do ano passado são aduzidos textos em que Frei Leonardo Boff prega a utilização do marxismo pela teologia e propugna "caminhar rumo a uma sociedade do tipo socialista".

Mas - indagará alguém - não seria de esperar que tais propostas permanecessem pairando no terreno abstrato, sem aplicação concreta?

Já de si seria consideravelmente grave o fato de um eclesiástico - ainda mais quando favorecido fortemente por todos os dispositivos publicitários, como é o caso de Frei Boff - defender princípios claramente opostos à doutrina tradicional da Igreja. Mas a interferência indébita da Teologia da Libertação no plano temporal vai além. Membros das CEBs e agentes pastorais, ativistas do movimento da Teologia da Liberta ção, têm se encarregado de pôr em prática aquela doutrina malsã em nossos campos.

Nesse sentido, é oportuno lembrar, a título de exemplo, um dado importante que registra aquela edição de "Catolicismo" Frei Clodovis Boff, irmão e íntimo colaborador intelectual de Frei Leonardo, relata as verdadeiras "caçadas" aos fazendeiros e seus empregados, promovidas no sertão do Acre pelas CEBs, as quais haviam sido conscientizadas por ele próprio, junto com outros agentes pastorais. A essas "caçadas" Frei Clo-do vis chama sem rebuços "operações pega-fazendeiro".

Eis aí um fato palpável e fortemente sintomático que deixa ver a profunda ligação entre a crise espiritual e a temporal: teses da Teologia da Libertação, aplicadas no plano sócio-econômico, provocam a subversão da ordem estabelecida.

Não é fácil para um brasileiro compreender toda esta complexa problemática, em que a crise do plano espiritual tem profunda conexão com a crise do terreno temporal. Se esta dificuldade de intelecção é óbvia para a média de nossos compatriotas, a fortiori ela terá sido muito maior para os participantes de um congresso de destacados intelectuais e homens de ação, realizado recentemente nos Estados Unidos, o qual contou com a participação especialmente de norte-americanos e europeus, em geral pouco familiarizados - uns e outros - com os problemas não só brasileiros, mas latino-americanos. E alguns com exíguo conhecimento da grave crise que o progressismo instalou e vem ampliando nos ambientes católicos do Brasil, como também de outros países latino-americanos.

Convidado para fazer uma conferência nesse encontro da Junta Diretiva do "International Policy Forum", o Prof, Plinio Corrêa de Oliveira não pôde comparecer, mas enviou, para ser distribuído no certame, o texto escrito do que diria. Tal texto apresenta uma visão de conjunto - notavelmente penetrante e concatenada - de toda essa problemática.

A reunião da Junta Diretiva do "International Policy Forum" realizou-se em Dailas, Texas, nos dias 26 e 27 de abril último. Julgamos oportuno reproduzir nas páginas seguintes a íntegra desse importante trabalho, cuja leitura certamente será de grande proveito para nossos leitores.

O "International Policy Forum" é uma entidade que congrega destacados líderes conservadores e anti-socialistas do mundo inteiro. Seu presidente, o Sr. Morton Blackwell, um prestigioso amigo do Brasil, foi assistente especial do Presidente Reagan durante três anos, e é lider exponencial da conhecida corrente intitulada Nova Direita. Esta é um movimento que abrange políticos dos dois grandes partidos norte-americanos, além de líderes dos mais diversos grupos sociais. Sua atuação a favor da candidatura Reagan em 1980 foi considerada decisiva para a derrota do Presidente Carter.

O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira é membro do "Board Governors" do "International Policy Forum". O trabalho do insigne pensador católico brasileiro causou profunda impressão nos participantes do Encontro dessa entidade, realizado em Dalias.


A IMPORTÂNCIA DO FATOR RELIGIOSO NOS RUMOS DE UM BLOCO-CHAVE DE PAÍSES: A AMÉRICA LATINA

Plinio Corrêa de Oliveira

SAUDANDO CORDIALMENTE os preclaros participantes do "International Policy Forum" em Dallas, e de modo especial seu insigne e benemérito presidente Morton Blackwell, manifesto meu pesar pela impossibilidade na qual me acho - como Presidente do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), posto em face da crítica conjuntura nacional ocasionada pelo falecimento do Presidente eleito, Dr. Tancredo Neves - de expor pessoalmente a meus pares algumas ponderações concernentes à América do Sul. Envio-as, pois, por escrito.

I - A IBERO-AMÉRICA NO MUNDO DE HOJE

ESTOU PERSUADIDO de que este grande bloco - aliás indissociável do todo latino-americano, que inclui também a América Central e o México - tem, no mundo de hoje, um peso muito maior do que imagina considerável número de europeus e norte-americanos ainda influenciados por clichês e hábitos mentais desatualizados.

1. Persistência negativa dos velhos clichês

Estou longe de ser adversário sistemático de todos os clichês e hábitos mentais. Eles têm seu papel benéfico na continuidade da elaboração intelectual e do agir humanos.

Mas de quando em quando é forçoso atualizá-los ou substitui-los.

Estou certo de que, no referente à América Latina, a necessária substituição (que seja, portanto, mais ainda do que uma mera atualização) está sendo feita com morosidade.

Tal morosidade se explica. Pois a atenção do homem contemporâneo é solicitada em todas as direções, pelos aspectos cada vez mais graves da crise universal de nossos dias. Isto leva a que, por vezes, ele não tem tempo para se aprofundar nos temas sul-americanos. De outro lado, as transmissões dos mass-media, muitas vezes incompletas quanto aos fatos latino-americanos, ou então unilaterais na apreciação deles, orientam habitualmente os espíritos para meras elucubrações declamatórias, de caráter humanitário, acentuadamente salpicadas de damagogismo.

Sem dar aqui um elenco completo dos clichês e hábitos mentais concernentes à América Latina, cuja substituição me parece necessária e urgente, digo desde logo que os três temas latino-americanos, os quais mais frequentemente aparecem no noticiário internacional - o problema das dívidas das nações da área, notadamente da Argentina, do Brasil ou do México, os riscos muito autênticos que a ocupação da Nicarágua pelo comunismo sandinista faz correr à estabilidade da América Central e da América do Norte, e o estado de indigência em que se encontram ponderáveis setores populacionais - estão longe de compendiar em si todos os riquíssimos aspectos da realidade nessa área do mundo, e nas nações que nela vicejam.

2. A face positiva da realidade

Com efeito, a realidade também tem outra face. Isto é, a face positiva. Para que alguém se dê conta disto, basta enumerar os recursos incalculavelmente amplos (na terra como no mar) de quase toda a zona, o processo de desenvolvimento que se vai estendendo com passo sempre mais célere por áreas cada vez mais extensas, de sorte a já fazer de muitas cidades ibero-americanas centros populacionais pujantes, em franca expansão industrial e comercial (por exemplo, Buenos Aires, Rio de Janeiro, São Paulo e México figuram hoje entre as cidades mais importantes do globo).

Todo este progresso tem sua base em uma agricultura racionalizada, mecanizada e expansionista, a qual vai invadindo vitoriosamente zonas outrora dominadas em parte pela modorra e pela rotina, e em parte não desbravadas pelo homem. De tal sorte que se pode afirmar, já hoje, ser o bloco latino-americano destinado a constituir a grande potência de projeção mundial, a emergir nos albores do século XXI.

3. Um aspecto positivo, especialmente importante para o futuro: a unidade latino-americana

Falo aqui da América Latina como um só bloco, do ponto de vista não só geográfico, mas também étnico, cultural e histórico. Portugal (do qual procede o Brasil) e a Espanha (da qual procedem todas as demais nações da Ibero-América) constituem na Europa um só todo étnico e cultural, com uma longa era de passado histórico comum. E isto influenciou a fundo as colônias americanas dessas nações. Mais ou menos como a procedência britânica, étnica e cultural, se faz sentir nos Estados Unidos como no Canadá inglês.

A isso acrescem outros valiosos fatores de concórdia. Quase todos os países ibero-americanos ainda dispõem de amplos espaços internos desocupados onde expandir-se. O que torna sem atualidade todas ou quase todas as questões limítrofes entre eles. E as suas mútuas

Página seguinte