MUITOS BRASILEIROS esperavam que o falecido presidente Tancredo Neves, com sua longa experiência e seu renomado tino político, lançasse desde logo um ungüento sobre as múltiplas crises que assolam o Brasil, e encaminhasse assim para elas, soluções que não traumatizassem o País. E foi com a mesma esperança que aclamaram o novo Presidente José Sarney.
Entretanto vai-se tornando cada vez mais claro tal não ser o curso dos acontecimentos que os fatos vão tomando. As crises, tanto no plano temporal quanto no religioso, acrescidas da profundidade de circunstâncias adversas e emaranhadas, se vão tornando dia a dia mais graves.
Nos ambientes católicos de nossa Pátria, todo o caso da Teologia da Libertação, a imposição a Frei Boff, por parte da Santa Sé, de um período de "obsequioso silêncio", as reações de Bispos, religiosos e leigos contra aquela determinação, configuram uma situação crítica. Se, de um lado, tal situação revela a disposição do Vaticano de coibir abusos gritantes praticados por adeptos da Teologia da Libertação, tornou-se patente, de outro lado, a determinação de setores progressistas, de contestar ostensivamente a medida disciplinar de importante conteúdo doutrinário tomada pela Santa Sé.
Mas alguém poderá perguntar: haverá relação entre essa profunda crise religiosa -pública e notória - e a crise temporal polimorfa que assola o Brasil? Não versam elas sobre dois gêneros de problemas, inteiramente diversos, e sem qualquer mútua vincula ção?
Para responder a essa questão convém lembrar as duas edições especiais de "Catolicismo" sobre a agitação agrária no País (no 403, de julho de 1984 e n° 406-407, de out.-nov. do mesmo ano). Baseada em opulenta e incontestável documeh-tação, nossa folha exaustivamente traçou o curso de tal agitação desde abril a outubro do ano que findou. E demonstrou que esta, vista panoramicamente e analisada no seu espírito, suas metas e seus métodos, obedeceu a um plano que abarca todo o território nacional. Tal plano, arquitetado principalmente pela "esquerda católica", envolve até elementos fortemente atuantes na Hierarquia eclesiástica, e organismos representativos, a um ou outro título, da CNBB, como a Comissão Pastoral da Terra - CPT - e as Comunidades Eclesiais de Base - CEBs.
Na mencionada edição de "Catolicismo" de out.-nov. do ano passado são aduzidos textos em que Frei Leonardo Boff prega a utilização do marxismo pela teologia e propugna "caminhar rumo a uma sociedade do tipo socialista".
Mas - indagará alguém - não seria de esperar que tais propostas permanecessem pairando no terreno abstrato, sem aplicação concreta?
Já de si seria consideravelmente grave o fato de um eclesiástico - ainda mais quando favorecido fortemente por todos os dispositivos publicitários, como é o caso de Frei Boff - defender princípios claramente opostos à doutrina tradicional da Igreja. Mas a interferência indébita da Teologia da Libertação no plano temporal vai além. Membros das CEBs e agentes pastorais, ativistas do movimento da Teologia da Liberta ção, têm se encarregado de pôr em prática aquela doutrina malsã em nossos campos.
Nesse sentido, é oportuno lembrar, a título de exemplo, um dado importante que registra aquela edição de "Catolicismo" Frei Clodovis Boff, irmão e íntimo colaborador intelectual de Frei Leonardo, relata as verdadeiras "caçadas" aos fazendeiros e seus empregados, promovidas no sertão do Acre pelas CEBs, as quais haviam sido conscientizadas por ele próprio, junto com outros agentes pastorais. A essas "caçadas" Frei Clo-do vis chama sem rebuços "operações pega-fazendeiro".
Eis aí um fato palpável e fortemente sintomático que deixa ver a profunda ligação entre a crise espiritual e a temporal: teses da Teologia da Libertação, aplicadas no plano sócio-econômico, provocam a subversão da ordem estabelecida.
Não é fácil para um brasileiro compreender toda esta complexa problemática, em que a crise do plano espiritual tem profunda conexão com a crise do terreno temporal. Se esta dificuldade de intelecção é óbvia para a média de nossos compatriotas, a fortiori ela terá sido muito maior para os participantes de um congresso de destacados intelectuais e homens de ação, realizado recentemente nos Estados Unidos, o qual contou com a participação especialmente de norte-americanos e europeus, em geral pouco familiarizados - uns e outros - com os problemas não só brasileiros, mas latino-americanos. E alguns com exíguo conhecimento da grave crise que o progressismo instalou e vem ampliando nos ambientes católicos do Brasil, como também de outros países latino-americanos.
Convidado para fazer uma conferência nesse encontro da Junta Diretiva do "International Policy Forum", o Prof, Plinio Corrêa de Oliveira não pôde comparecer, mas enviou, para ser distribuído no certame, o texto escrito do que diria. Tal texto apresenta uma visão de conjunto - notavelmente penetrante e concatenada - de toda essa problemática.
A reunião da Junta Diretiva do "International Policy Forum" realizou-se em Dailas, Texas, nos dias 26 e 27 de abril último. Julgamos oportuno reproduzir nas páginas seguintes a íntegra desse importante trabalho, cuja leitura certamente será de grande proveito para nossos leitores.
O "International Policy Forum" é uma entidade que congrega destacados líderes conservadores e anti-socialistas do mundo inteiro. Seu presidente, o Sr. Morton Blackwell, um prestigioso amigo do Brasil, foi assistente especial do Presidente Reagan durante três anos, e é lider exponencial da conhecida corrente intitulada Nova Direita. Esta é um movimento que abrange políticos dos dois grandes partidos norte-americanos, além de líderes dos mais diversos grupos sociais. Sua atuação a favor da candidatura Reagan em 1980 foi considerada decisiva para a derrota do Presidente Carter.
O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira é membro do "Board Governors" do "International Policy Forum". O trabalho do insigne pensador católico brasileiro causou profunda impressão nos participantes do Encontro dessa entidade, realizado em Dalias.
Plinio Corrêa de Oliveira
SAUDANDO CORDIALMENTE os preclaros participantes do "International Policy Forum" em Dallas, e de modo especial seu insigne e benemérito presidente Morton Blackwell, manifesto meu pesar pela impossibilidade na qual me acho - como Presidente do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), posto em face da crítica conjuntura nacional ocasionada pelo falecimento do Presidente eleito, Dr. Tancredo Neves - de expor pessoalmente a meus pares algumas ponderações concernentes à América do Sul. Envio-as, pois, por escrito.
ESTOU PERSUADIDO de que este grande bloco - aliás indissociável do todo latino-americano, que inclui também a América Central e o México - tem, no mundo de hoje, um peso muito maior do que imagina considerável número de europeus e norte-americanos ainda influenciados por clichês e hábitos mentais desatualizados.
Estou longe de ser adversário sistemático de todos os clichês e hábitos mentais. Eles têm seu papel benéfico na continuidade da elaboração intelectual e do agir humanos.
Mas de quando em quando é forçoso atualizá-los ou substitui-los.
Estou certo de que, no referente à América Latina, a necessária substituição (que seja, portanto, mais ainda do que uma mera atualização) está sendo feita com morosidade.
Tal morosidade se explica. Pois a atenção do homem contemporâneo é solicitada em todas as direções, pelos aspectos cada vez mais graves da crise universal de nossos dias. Isto leva a que, por vezes, ele não tem tempo para se aprofundar nos temas sul-americanos. De outro lado, as transmissões dos mass-media, muitas vezes incompletas quanto aos fatos latino-americanos, ou então unilaterais na apreciação deles, orientam habitualmente os espíritos para meras elucubrações declamatórias, de caráter humanitário, acentuadamente salpicadas de damagogismo.
Sem dar aqui um elenco completo dos clichês e hábitos mentais concernentes à América Latina, cuja substituição me parece necessária e urgente, digo desde logo que os três temas latino-americanos, os quais mais frequentemente aparecem no noticiário internacional - o problema das dívidas das nações da área, notadamente da Argentina, do Brasil ou do México, os riscos muito autênticos que a ocupação da Nicarágua pelo comunismo sandinista faz correr à estabilidade da América Central e da América do Norte, e o estado de indigência em que se encontram ponderáveis setores populacionais - estão longe de compendiar em si todos os riquíssimos aspectos da realidade nessa área do mundo, e nas nações que nela vicejam.
Com efeito, a realidade também tem outra face. Isto é, a face positiva. Para que alguém se dê conta disto, basta enumerar os recursos incalculavelmente amplos (na terra como no mar) de quase toda a zona, o processo de desenvolvimento que se vai estendendo com passo sempre mais célere por áreas cada vez mais extensas, de sorte a já fazer de muitas cidades ibero-americanas centros populacionais pujantes, em franca expansão industrial e comercial (por exemplo, Buenos Aires, Rio de Janeiro, São Paulo e México figuram hoje entre as cidades mais importantes do globo).
Todo este progresso tem sua base em uma agricultura racionalizada, mecanizada e expansionista, a qual vai invadindo vitoriosamente zonas outrora dominadas em parte pela modorra e pela rotina, e em parte não desbravadas pelo homem. De tal sorte que se pode afirmar, já hoje, ser o bloco latino-americano destinado a constituir a grande potência de projeção mundial, a emergir nos albores do século XXI.
Falo aqui da América Latina como um só bloco, do ponto de vista não só geográfico, mas também étnico, cultural e histórico. Portugal (do qual procede o Brasil) e a Espanha (da qual procedem todas as demais nações da Ibero-América) constituem na Europa um só todo étnico e cultural, com uma longa era de passado histórico comum. E isto influenciou a fundo as colônias americanas dessas nações. Mais ou menos como a procedência britânica, étnica e cultural, se faz sentir nos Estados Unidos como no Canadá inglês.
A isso acrescem outros valiosos fatores de concórdia. Quase todos os países ibero-americanos ainda dispõem de amplos espaços internos desocupados onde expandir-se. O que torna sem atualidade todas ou quase todas as questões limítrofes entre eles. E as suas mútuas