TRÊS EPISÓDIOS NA HISTÓRIA DA PADROEIRA NACIONAL

Hamilton d'Ávila

D. José de Camargo Barros, Bispo de São Paulo, coroa a Imagem da Padroeira do Brasil em 8 de dezembro de 1904.
Multidões de peregrinos, durante muitas décadas, entraram reverentes no presbitério da Basílica velha para venerar a Imagem da Virgem Aparecida colocada no altar-mor barroco.

EM OUTUBRO de 1967, comemorou-se o 250º aniversário do descobrimento da Imagem de Nossa Senhora da Conceição nas águas do Rio Paraíba. A pequena imagem de terracota escura foi retirada do rio por três humildes pescadores, Domingos Garcia, João Alves e Felipe Pedroso, que lançaram suas redes para pescar entre os dias 17 e 30 de outubro de 1717.

Associando-se às comemorações daquele 250º aniversário, "Catolicismo" publicou, em sua edição de outubro de 1967, substancioso e documentado artigo sobre o histórico da descoberta da Imagem e da profunda devoção a ela dedicada pelo povo brasileiro (1).

Transcorrendo a 12 de outubro a festa litúrgica da Padroeira Nacional, pareceu-nos oportuno apresentar a nossos leitores alguns dados não suficientemente conhecidos pelo público relativos à realeza e ao Padroado d'Aquela que foi coroada Rainha de nossa Pátria e proclamada Padroeira principal de todo o Brasil. E, por fim, foram acrescidas algumas considerações sobre um acontecimento dramático ocorrido com a Imagem - hoje praticamente olvidado - e que teve profundo significado simbólico na História religiosa do País: o sacrílego atentado perpetrado contra a Padroeira e seu fraturamento em 16 de maio de 1978.

A Realeza de Nossa Senhora Aparecida

Por que Nossa Senhora Aparecida é Rainha do Brasil? A resposta a esta pergunta nos é oferecida por um importante fato de nossa História.

D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, Arcebispo do Rio de janeiro, havia sugerido na reunião dos Bispos da Província Meridional realizada em São Paulo no ano de 1901, a coroação da Imagem tão venerada pelo povo brasileiro.

Os Bispos, aprovando aquela proposta, tinham em vista ratificar, mediante o ato solene oficial da Coroação - prerrogativa concedida pelo Papa a imagens insignes - a atitude de piedade filial do povo que havia colocado, desde o início da devoção, manto e coroa na sua querida Imagem.

Para obter o mencionado privilégio, o Arcebispo, com o apoio do Núncio Apostólico, dirigiu-se ao Cabido da Basílica de São Pedro no Vaticano. O documento autorizando a coroação foi assinado a 21 de dezembro de 1903, e chegou em Aparecida a 2 de fevereiro de 1904.

A cerimônia solene de coroação, realizada no dia 8 de dezembro do mesmo ano, coincidiu com a celebração do cinquentenário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição.

Nessa época, Aparecida era um povoado com apenas duas mil almas e ali se realizou uma das maiores concentrações religiosas do Brasil até aquela data. Quinze mil pessoas assistiram ao solene Pontifical celebrado na praça, diante da bela igreja colonial que abrigava a Imagem. Após a cerimônia religiosa os fiéis fizeram, comovidos e de joelhos, uma consagração à Mãe de Deus.

A veneranda Imagem havia sido colocada num trono, montado sobre um grande tablado que se armara diante do pórtico da igreja. Um silêncio profundo pairava no ambiente quando D. José de Camargo Barros, Bispo de São Paulo, subiu os degraus até o trono da Virgem. Tomando em suas mãos a coroa de ouro cravejada de rubis e diamantes, doada anos antes pela Princesa Isabel, o Prelado coroou solenemente a Imagem, enquanto pronunciava estas palavras memoráveis: "Como por nossas mãos sois coroada na terra, assim por Vós e por vosso Filho Jesus sejamos coroados de glória e honra no Céu". A multidão prorrompeu então num entusiástico viva a Nossa Senhora Aparecida (2).

Seguiu-se o Te Deum cantado pelos quatorze Bispos e numerosos sacerdotes presentes, sendo depois inaugurado na Praça o Monumento em homenagem à Imaculada Conceição.

Uma solene procissão, da qual participaram o Núncio Apostólico, D. Júlio Tondi, os Bispos, os Sacerdotes e a enorme massa popular, completou majestosamente aquelas solenidades que fizeram época na História do Brasil católico.

Padroeira de todo o Brasil

Por que Nossa Senhora Aparecida é Padroeira do Brasil? Outro memorável fato religioso oferece resposta a essa pergunta.

A confiança e a devoção a Nossa Senhora Aparecida cresciam cada vez mais no coração dos brasileiros. As solenidades memoráveis da Coroação da Imagem, em 1904, constituíram um fator importante para esse acréscimo da piedade popular. A Imagem e o Santuário tornaram-se um símbolo da religiosidade nacional. Isso já era patente em 1929, durante o Congresso Mariano realizado por ocasião do Jubileu de Prata da Coroação. Nessa ocasião, o Episcopado do País decidiu pedir ao Papa Pio XI que declarasse oficialmente Nossa Senhora Aparecida como Padroeira principal de toda a Nação. À frente dessa iniciativa estava o Cardeal Sebastião Leme, Arcebispo do Rio de Janeiro.

O Santo Padre atendeu à solicitação mediante o Motu Proprio de 16 de julho de 1930, no qual se lê: "Nada nos parece mais oportuno do que aceder aos votos não só destes Antístites, mas ainda de todos os fiéis do Brasil, que com constante fervor e piedade têm venerado a Imaculada Virgem Mãe de Deus, quase desde os primeiros anos do descobrimento da região brasileira até nossos tempos". E, mais adiante, com sua linguagem majestosa, declara o documento papal: "Tendo, pois, consultado o Cardeal da Santa Igreja Romana, Camilo Laurenti, Diácono de Santa Maria de Scala, Prefeito da Congregação dos Sagrados Ritos, 'motu proprio" e por conhecimento certo e madura reflexão Nossa, na plenitude de Nosso poder Apostólico, pelo teor das presentes Letras, constituímos e declaramos a Beatíssima Virgem Maria concebida sem mancha, sob o título de Aparecida, Padroeira principal de todo o Brasil diante de Deus, acrescentando os privilégios litúrgicos e as outras honras que pelo costume competem aos fiéis no Brasil, e para aumentar cada vez mais a sua devoção à Imaculada Mãe de Deus, decretamos que as presentes Letras estão e ficam sempre firmes, válidas e eficazes e surtem seus plenos e inteiros efeitos e favorecem amplissimamente aqueles a quem se referem ou se podem referir" (3).

D. Sebastião Leme, desejando consagrar o Brasil inteiro à proteção da Virgem Aparecida, organizou uma grande cerimônia religiosa na então capital do País, para a proclamação de seu Padroado Nacional.

A Imagem da Padroeira, no dia 30 de maio de 1931, foi conduzida triunfalmente de Aparecida para o Rio de Janeiro.

No dia seguinte, uma das maiores procissões de que se tem notícia na História da antiga capital brasileira acompanhou a Imagem até a Esplanada do Castelo. Calcula-se que mais de um milhão de pessoas aclamaram nessa ocasião Nossa Senhora Aparecida.

Em tablado especial armado junto ao altar, encontravam-se o Chefe de Estado, Presidente Getúlio Vargas, os membros do corpo diplomático e as mais altas autoridades civis e militares. A Imagem foi colocada no altar, e o Cardeal Leme iniciou então o solene ato de proclamação da Senhora Aparecida como Padroeira da Pátria. A imensa multidão repetiu com entusiasmo as palavras proferidas pelo Prelado: "Senhora Aparecida, o Brasil é vosso. Rainha do Brasil, abençoai a nossa gente. Paz ao nosso povo! - Salvação para nossa Pátria! - Senhora Aparecida, o Brasil Vos ama, o Brasil em Vós confia! - Senhora Aparecida, o Brasil Vos aclama. Salve, Rainha!" (4).

O sacrílego fraturamento da Rainha e Padroeira

Em 16 de maio de 1978 a veneranda imagem da Padroeira do Brasil sofreu sacrílego atentado, que ocasionou o seu fraturamento em muitos pedaços.

No dia 16 de maio de 1978, Aparecida foi açoitada pelo vento e chuva torrencial.

Terminada a tormenta, tudo voltou à tranquilidade. Entretanto, a violência dos elementos da natureza era um simbólico prenúncio do atentado que seria cometido contra a veneranda Imagem.

Poucas horas após o temporal, faltou luz elétrica na Basílica, como também em todo o Vale do Paraíba. Aproveitando a penumbra reinante no interior do templo, o estudante Rogério Marcos de Oliveira, protestante, após quebrar o vidro que protegia a Imagem, arrebatou-a, procurando evadir-se com ela. Interceptado por um guarda do Santuário, o sacrílego ladrão deixou cair sua preciosa carga, que se espatifou no solo.

Em admirável artigo publicado na "Folha de S. Paulo" de 29 de maio de 1978, após apresentar um breve histórico da Imagem, escreveu a respeito da dramática ocorrência o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: "Tudo isso levava o Brasil inteiro a emocionar-se - e com quanta razão - ante a pequena imagem de terracota escura, vendo nela o sinal palpável da proteção de Nossa Senhora.

"E o sinal se quebrou.

"Por sua vez, essa quebra não será um sinal? Sinal de quê?"

Mais adiante, o insigne pensador católico relaciona a infausta ocorrência com a então recente aprovação do divórcio no País, efetivada em meio a um sono e indiferença generalizados. E comenta: "Essa soneira em hora tão grave exprime, por sua vez, uma flagrante falta de zelo. Pois não nos basta não fazer uso da lei: se não a queríamos, por que não a impedimos?

"Por sua vez ainda, como não reconhecer nesse censurável indiferentismo, não um estado de espírito de momento, mas uma atitude de alma resultante de efeitos muito mais profundos?"

E acrescenta o Presidente do Conselho Nacional da TFP: 'E impossível não perguntar se existe uma relação entre essa trágica e materna previsão [feita por Nossa Senhora na terceira aparição de Fátima, em julho de 1917], desatendida pelo mundo ao longo dos últimos sessenta anos, e a também trágica ocorrência de Aparecida. Não será esta um eco daquela? Um eco destinado especialmente ao Brasil, pois que entre nós, e contra a Imagem de nossa Padroeira, o crime se deu".

Romaria de desagravo e pedido de perdão

Cinco dias após o doloroso fraturamento da Imagem, sócios e cooperadores da TFP empreenderam uma peregrinação em desagravo à Padroeira nacional. Os romeiros, após terem passado diante da Basílica nova, dirigiram-se à velha Basílica, onde assistiram à Missa.

Compreendendo o profundo significado do doloroso acontecimento, cerca de quinhentos sócios e cooperadores da TFP empreenderam no dia 21 de maio, cinco dias após o ocorrido, uma romaria a Aparecida em desagravo à Padroeira nacional.

Às onze e meia da manhã desse dia, habitantes de Aparecida e romeiros divisaram interminável cortejo que se aproximava da cidade, distinguindo-se o vermelho das capas que envergavam seus participantes. O cortejo cruzou o pontilhão sobre a Via Dutra. Estandartes de quatro metros de altura foram alçados à medida em que os grupos chegavam, trazendo consigo dezenas de outros estandartes menores e um fac-símile da Imagem de Nossa Senhora Aparecida, carregada em um andor ornado com orquídeas. A cena é muito bem descrita numa edição de "Catolicismo" daquela época (5).

Os romeiros da TFP, procedentes de São Paulo e de outros Estados brasileiros, haviam caminhado a manhã inteira, percorrendo a pé vinte e dois quilômetros desde o município de Pindamonhangaba, onde se haviam concentrado por volta das seis horas da manhã. Com essa caminhada, os sócios e cooperadores da entidade timbravam em dar à sua peregrinação um caráter penitencial e de desagravo, que estava inteiramente ausente do espírito das pessoas que afluíam naquele domingo à

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