A. de Andrade Monteiro
O PARTIDO SOCIALISTA PORTUGUÊS acaba de sofrer nas eleições realizadas no último dia 6 de outubro, uma derrota que vai muito além do que faziam prever os comentários políticos veiculados pela imprensa.
O partido de Mário Soares, que nas eleições de 1975 chegou a obter 38% dos votos, e nas últimas eleições de 1983 ainda conservava 36,3% do eleitorado, despenca agora abruptamente para 20,8%. Saíram vitoriosos os sociais-democratas, que alcançaram 29,8% dos votos (2,8% a mais do que nas últimas eleições). Convém ressaltar que o Partido Social Democrata ocupa no atual firmamento político português uma posição de centro-direita.
Não só para o PSP são desastrosas as consequências do pleito. Também para Mário Soares individualmente, a derrota representa duríssimo golpe, pois ele se vê apeado do poder e sente cortado, talvez definitivamente, o caminho para a presidência da República - velho sonho de há muito acalentado.
É curioso que a quase totalidade dos sufrágios perdidos pelos socialistas não foi conquistada diretamente pelos sociais-democratas. Quem parece ter-se beneficiado deles foi o PRD - Partido Renovador Democrático, do presidente Ramalho Eanes. Dessa agremiação política, fundada há apenas dois meses, e que já agora obteve 17,9% do eleitorado, o grande trunfo não é próprio Eanes, figura inexpressiva e desgastada pelo exercício de dois mandatos consecutivos, mas é sua esposa, Da. Manuela Eanes, que se faz notar pela assiduidade com que frequenta o Santuário de Fátima; o que não impede o PRD de ser considerado um partido de esquerda, ou pelo menos de centro-esquerda. Pois nele é muito forte a herança da Revolução dos cravos, durante a qual o jovem e ambicioso capitão Ramalho Eanes alçou-se repentinamente ao generalato, sem passar pelos postos intermediários.
Assim, o esvaziamento do eleitorado socialista não pode ser interpretado, pelo menos por enquanto, como opção definida pela direita, mas parece representar o desencanto que a atuação do PS tem causado na opinião pública.
Desencanto devido, sem dúvida, à reconhecida incompetência do governo socialista para - apesar das fortes "medidas de austeridade" - tirar o país do abismo a que o conduzia a política econômica demagógica adotada nos anos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974. Mas desencanto, sobretudo, manifestado pelas próprias bases socialistas.
Com efeito, Soares, que sempre se apregoara marxista convicto e militante (embora não leninista, fazia questão de frisar), nos últimos dois ou três anos resolveu dar uma "guinada para a direita". Aproximou-se de Reagan e da alta finança capitalista, fez declarações em favor da iniciativa particular e, para espanto geral, chegou a renegar publicamente o marxismo.
Com essa surpreendente reviravolta, o que obteve Soares para si? Quase nada de bom, e muito de ruim.
Da sinceridade de seu anticomunismo ele não conseguiu convencer ninguém. Pois a opinião pública portuguesa não se esqueceu da "descolonização exemplar", através da qual Soares e Almeida Santos - o segundo homem do PSP - em poucos meses entregaram de mãos beijadas ao neocolonialismo russo as províncias ultramarinas, que haviam custado a Portugal cinco séculos de sangue, suor e lágrimas.
Junto às bases socialistas, a guinada de suas cúpulas repercutiu pessimamente. Para essas bases, ela foi uma injustificável traição aos ideais do partido.
É a esses seus desencantados militantes que Soares deve principalmente sua derrota. E também a eles que o casal Eanes deve a surpreendente votação do PRD.
Soares é político experiente, que dispõe de todos os recursos para auscultar, talvez melhor do que ninguém, as tendências mais profundas da opinião pública lusa. Ademais, acompanha com atenção os rumos que toma a política em outros países da Europa e do mundo. Não lhe pode ter passado despercebida a tendência para o retorno aos padrões conservadores que se manifestou nos Estados Unidos de Reagan, na Inglaterra de Thatcher, na Alemanha de Kohl. Essa onda, naturalmente, mais cedo ou mais tarde, com maior ou menor intensidade, não deixaria de repercutir também em Portugal.
Por outro lado, o líder do PSP vem acompanhando de perto os insucessos das outras "experiências socialistas" - na França de Mitterrand, na Itália de Craxi, na Espanha de Felipe González. Para não falar, em nível para nós caseiro, do grande fiasco que representou, no Rio de Janeiro, o "socialismo moreno" de Brizola.
Assim, ficava o PSP posto diante de um dilema: ou se mantinha fiel a seu ideário marxista, ou então, jeitosamente, tentava passar para o outro lado, a fim de subir junto com a onda e evitar um isolamento total de seu partido.
Soares optou decididamente, e desde logo, pela segunda alternativa. Não foi sem pesar cuidadosamente todos os prós e os contras que ele terá tomado tal decisão.
Acertou? A derrota estrondosa nestas eleições parece indicar que não. Mas, a não ter procedido assim, a prazo médio ou longo, o desastre socialista não seria ainda maior?
Luís Menezes de Carvalho
Para combater a fome e a miséria resultantes do regime comunista...
...a China abre as portas aos métodos e ao capital dos países ocidentais.
A IMPRENSA vem dedicando amplo espaço às múltiplas reformas do comunismo chinês, muitas vezes não escondendo verdadeiro entusiasmo por elas, mas sem explicar exatamente no que consistem. Estaria se tornando capitalista a China de Mao e da ultra-radical Revolução Cultural?
Julgando apenas por algumas aparências, os otimistas se apressam a dizer que sim: os slogans maoístas foram deixados de lado, as comunas foram eliminadas, tolera-se alguns tipos de negócios privados, boa parte do país foi aberta aos turistas, que podem até beber Coca-cola, e - ó maravilha! - Pequim aceita de braços abertos investimentos, empréstimos (só em condições favoráveis) e transferência de tecnologia dos países capitalistas.
As multinacionais sonham com o mercado chinês de um bilhão de consumidores e com sua mão-de-obra ilimitada e baratíssima. Eis como a revista "Business Week", que é uma espécie de porta-voz do capitalismo ianque, vê as reformas chinesas: "A China está se libertando de sua camisa de força comunista para se transformar num dínamo econômico. O ingrediente básico do renascimento da China é o capitalismo" (14-4-85).
A "conversão" da China foi consumada, aos olhos dos otimistas, pelo famoso editorial do "Jornal do Povo" de Pequim, órgão oficial do PC, em sua edição de 7-12-84, que afirmava estarem Marx e Lenin ultrapassados: "Marx morreu há 101 anos. Suas obras foram escritas há mais de 100 anos. Muitas mudanças ocorreram e alguns de seus pressupostos não são necessariamente apropriados hoje. Há muitas coisas que Marx, Engels e Lenin nunca experimentaram, coisas que nunca encontraram. Não podemos esperar que o que Marx e Lenin escreveram para a época deles resolva nossos problemas de hoje".
No dia seguinte, porém, o jornal jogou um pouco de água fria nos otimistas ao corrigir, restringindo, o editorial da véspera: o editorial queria dizer que nem todos os problemas modernos podem ser resolvidos pelo marxismo.
Pelas explicações a respeito das reformas, dadas pelos próprios líderes comunistas, ficou claro que a linha a ser seguida é de um marxismo modernizado, pragmático, adaptado às peculiaridades chinesas, mas continuando a ser fundamentalmente marxismo. Os princípios básicos do comunismo continuam em vigor: a propriedade estatal dos bens de produção, o igualitarismo, a ditadura totalitária do PC, o materialismo, a luta de classes etc. Os comunistas de Pequim diferenciam o sistema social, que continua a ser marxista, dos mecanismos econômicos secundários, que podem ser provisoriamente capitalistas. Assim, liberalizam os mecanismos secundários da economia, visando corrigir as crônicas deficiências do sistema marxista, bem como objetivam atrair capitais e tecnologia dos países capitalistas a fim de minorar sua miséria e atraso.
Esse mesmo método já fora adotado nos anos 20 por Lenin, com seu plano NEP. O Dr. K.Y. Chang, diretor do "Institute bf Inter-national Relations" de Taiwan, publicou concludente estudo demonstrando a similitude entre a atual reforma de Pequim e a de Lenin. Trata-se de "válvula de escape", usada quando os fracassos econômicos do comunismo se tornam por demais gritantes. Essa era justamente a situação da China após o descalabro da Revolução Cultural maoísta. Será fácil para o regime - depois de receber ampla ajuda ocidental e de permitir que certa iniciativa privada interna recupere um tanto a economia - voltar a endurecer, eliminar as reformas, estatizar de novo os bens privados, etc., como fez Lenin após o seu NEP.
Alguns sinólogos vão mais longe, como o Dr. R. H. Meyers, do Instituto Hoover da Stanford University (Califórnia). Segundo ele,
O regime chinês foi um desastre, desperdiçando enormes quantidades de recursos e paralisando a economia com instituições burocráticas ineficientes. Em face dessa situação, a mudança era indispensável para sua própria sobrevivência.
Há declarações de líderes comunistas indiretamente confirmando isso. Um documento do Comitê Central do PC (junho de 1981) afirma que havia "uma desordem interna" no PC, e que a Revolução Cultural trouxe "graves desastres para o partido, para o Estado e para o nosso povo" ("Issues and Studies", n° 9, 1984). O líder Hua Kuo-feng reconheceu em 1978, no início das reformas, que a economia estava à beira do colapso. E o dirigente Li Hsien-nien confessou que faltavam alimentos a cerca de 100 milhões de chineses, apesar do rigoroso racionamento então em vigor e da enorme importação de alimentos do Ocidente.
Tal como por toda parte, também na China a reforma agrária foi um colossal fracasso. Por isso, a principal e mais urgente das reformas foi a do sistema agrário coletivista. Mao havia instituído um dos sistemas agrícolas comunistas mais radicais que se conhece. A base eram as comunas populares. Os camponeses se amontoavam nelas aos milhares, mobilizados como soldados, sem ter nada de seu. Até a família fora abolida. Os homens e mulheres viviam em dormitórios comunais separados, e as crianças pertenciam ao Estado. Tudo era feito em comum, sob comando militarizado, e o trabalho era brutal. O dinheiro havia sido quase abolido. Cada um recebia numa cuia um pouco de alimento racionado, além de uns poucos metros de tecido de algodão por ano, para fazer seu "uniforme Mao" padronizado (Lucien Bodard, A China, esse pesadelo, Editora Meridiano, Lisboa, 1964, pp. 202 e ss.).
A produção agropecuária estava estagnada em níveis baixíssimos. Por exemplo, a produção de cereais por camponês em 1936 fora de 660 cates (aproximadamente 330 quilos), mas em 1978 diminuiu para 636 cates, quando no mesmo período, nos países que respeitam a propriedade privada, a produtividade cresceu vertiginosamente, e até a Índia passou a ter excedentes alimentícios exportáveis. E note-se que os dados acima são do próprio regime comunista, conhecido por "embelezar" suas estatísticas. Com efeito, sinólogos ocidentais estimam que a situação era ainda pior. Dados obtidos em cerca de 20% dos municípios agrícolas do país indicaram para 1978 uma produção média de apenas 450 cates, e nas regiões mais pobres do norte o índice chegou a míseros 300 cates, menos da metade do índice de 1936. E de 1936 a 1978 a população dobrou...
A partir de 1978 começou-se a reformar a reforma agrária maoísta. No início as medidas foram tímidas, mas ultimamente têm sido mais decididas. A maioria das comunas foi extinta. As fazendas coletivas foram loteadas entre as famílias de seus membros; mas elas foram apenas assentadas nesses lotes, os quais continuam propriedade estatal. Os lotes de cada ex-fazenda coletiva fazem parte obrigatoriamente de uma cooperativa socializada, com algumas características autogestionárias. Essas cooperativas determinam o que as famílias devem plantar e o que podem fazer. Há vários sistemas de comercialização da produção e de remuneração dos camponeses.
O sistema preferido pela grande maioria deles é o da venda à cooperativa de uma cota de produtos (em geral cereais) previamente
combinada. Tudo o que é produzido além da cota pertence ao camponês, que pode vendê-lo como quiser. Foram estabelecidas feiras livres nas cidades e aldeias, para a venda direta ao consumidor.
Como se vê, trata-se de um artifício procurando dar ao produtor alguns incentivos da propriedade privada, sem porém restaurá-la. (Os dados referentes à reforma agrícola foram extraídos de "Issues and Studies", n° 10, 1984).
Os camponeses foram autorizados a exercer a indústria e o comércio privadamente, a nível familiar. Podem se associar ou formar
cooperativas. O objetivo dessa liberalização é absorver a enorme mão-de-obra excedente, mas sem removê-la do campo (na China ninguém pode mudar de local de residência sem autorização, e ela raramente é concedida).
Imediatamente foram formadas centenas de milhares de microempresas, industrializando alimentos, roupas, artesanato etc. No início de 1985 já havia mais de um milhão delas, nas quais trabalham cerca de 33 milhões de pessoas ("Issues and Studies", n° 10, 1984, e "Inside China Mainland", n° 4, 1985).
Apesar do ceticismo que se deve ter com relação às estatísticas comunistas, os primeiros resultados das reformas parecem ser encorajadores. Os especialistas concordam em que a produção vem aumentando, tendo o país se tornado quase autossuficiente em alimentos. A produção per capita subiu para 810 cates em 1983. A safra de 1984 foi 5,1% maior que a precedente. Segundo o "Economist", de Londres (5-1-85), a produtividade dos camponeses dobrou.
Mas note-se que esse crescimento na fase inicial da reforma deve ser comparado com a baixa produtividade anterior. A produção provavelmente não crescerá muito mais, pois em sua essência a máquina burocrática e paralisante do comunismo continua de pé.
Logo no início das reformas em 1978, o regime repudiou a Revolução Cultural maoísta dos "guardas vermelhos". Ela havia sido uma brutal radicalização do maoísmo, levando o igualitarismo às suas últimas consequências. Uma delas foi o movimento anti-intelectual. Como todos tinham de ser iguais, os que se diferenciavam por sua cultura, aptidão artística ou inteligência foram sumariamente considerados "reacionários" e enviados a campos de reeducação através da "rustificação", isto é, embrutecimento (cfr. "Catolicismo" n° 412, p. 5). As universidades foram fechadas, bem como os institutos de pesquisas. Alunos e professores foram exilados para campos de trabalhos forçados, onde muitos pereceram. (Dados sobre a Revolução Cultural extraídos de "A China, esse pesadelo", de Lucien Bodard).
Imaginem-se os prejuízos causados ao país e à sua cultura milenar por essas medidas delirantes. Chen Ying, um dos líderes vermelhos, confessou que a Revolução Cultural