| REFORMAS E NEGÓCIOS DA CHINA | (continuação)

causou grandes sofrimentos a todo o povo. E o secretário geral do PC, Hu Yao-pang, reconheceu que o atraso tecnológico das empresas chinesas deve-se à falta de educação de seus quadros, e que há aguda falta de empregados qualificados.

Em consequência, as universidades e institutos foram reabertos e os intelectuais foram reabilitados. Atualmente há até uma tendência a dar aos intelectuais postos de direção. Para tentar recuperar os anos perdidos na educação de seus quadros, o regime tem autorizado a saída de milhares de universitários e técnicos para estudar em universidades do exterior (cfr. "Inside China Mainland", n° 4, 1985).

Paralelamente, estão em curso outras reformas. Há experiências de autogestão em milhares de empresas; admitem-se diferenças salariais maiores; há bonificação para os que trabalham mais e melhor; simplificação da burocracia estatal; maior abertura do país ao turismo, às modas ocidentais etc.

Mas as grandes novidades foram a abertura de 14 importantes cidades portuárias, inclusive Shangai, às firmas ocidentais que queiram investir ali, bem como a abertura de certos ramos de atividades a ocidentais em todo o país - petróleo, carvão, hotéis. Firmas chinesas podem agora firmar acordos de cooperação técnica, de produção e de transferência de tecnologia com firmas estrangeiras.

Entre 1979, quando tiveram início essas medidas, e 1983, os chineses assinaram 2.531 contratos com firmas estrangeiras, num total de 21,5 bilhões de dólares. Desse total, quase 12 bilhões foram empréstimos, e 2,6 bilhões foram investimentos diretos. O resto corresponde a outras formas de cooperação, inclusive uma substancial ajuda de agências da ONU e do Banco Mundial (cfr. "Issues and Studies" n° 4, 1985, p. 11).

Em 1984, porém, com a consolidação das reformas, o ritmo de entrada de capitais estrangeiros tomou-se bem mais intenso. Foram concluídas negociações para a entrada de cerca de 5 bilhões de dólares, e 700 companhias assinaram contratos de investimento para operar na China, representando 470% a mais que no ano anterior. Só para investimentos em Shenzhen (porto aberto às companhias estrangeiras, próximo a Hong-Kong) foram assinados 2.330 contratos de investimento com firmas estrangeiras. Não é exagero, portanto, falar-se em "corrida do ouro" rumo à China. Só que não se corre para buscar ouro, mas para entregá-lo aos comunistas...

Entrementes, companhias petrolíferas dos países capitalistas operam com grande êxito na China (investimentos de 2,4 bilhões de dólares), conseguindo aumentar substancialmente a produção de combustível. E o Japão negocia no momento um empréstimo-jumbo de 3,5 bilhões de dólares para desenvolver ainda mais a indústria petrolífera da China, bem como a do carvão ("Inside China Mainland", 4, 1985 e Yin Ching-yao, Red China Foreign Policy, 1985, pp. 29 e 40). Além disso, o Japão emprestou há pouco 470 bilhões de yens para melhorias das ferrovias, portos e telefones da China. Mais de 2 bilhões de dólares foram emprestados para outros planos entre 1979 e 1984, e o Japão executa numerosos outros projetos e contratos de ajuda, cooperação e investimento. A colaboração de Tóquio com a China já é de tal monta que se fala numa entente entre ambas as nações. A China está se tornando a principal abastecedora de matérias primas do Japão. O comércio bilateral anual já é de mais de 13 bilhões de dólares.

Um bilhão de consumidores, mas sem poder aquisitivo...

O mundo ocidental tem colocado muitas "maravilhas" ao alcance dos chineses...

Toda essa chuva de dólares, yens e tecnologia é feita em nome do mítico mercado de um bilhão de chineses. Mas há um "pequeno" detalhe: esse mercado não tem dinheiro! O Primeiro Ministro chinês Chao Tzu-yang reconheceu que em 1984 (portanto, após os grandes "êxitos" das reformas) a média de renda da população rural foi de 320 JMP (moeda chinesa). A média de renda per capita no país foi de apenas 529 JMP, ou seja, o equivalente a 196 dólares por ano. O Brasil, com todos os seus pobres, tem renda per capita de quase 2 mil dólares, e na China livre, em Taiwan, ela é de 3 mil dólares. Dois deputados chineses, Yang Hsiao-yun e Huang Han-tao, afirmaram no Congresso chinês: "Constatamos que um camponês gasta por ano cerca de 300 JMP em alimentação, roupa e saúde. Cerca de 35% das famílias de camponeses não pode sair da indigência" ("Horizonte Asiático", julho de 85, p. 36). Com essa soma irrisória, e toda ela gasta só para sobreviver, que dinheiro tem esse escravo moderno para comprar Coca-cola, televisões, calculadoras e todo o mar de bugigangas da sociedade de consumo?

Além disso, Pequim poderá mudar de política repentinamente, como já fez tantas vezes (e como fez Lenin com seu NEP), engolindo esses bilhões de dólares de investimentos e empréstimos, além de utilizar a tecnologia recebida não para beneficiar seu povo, mas sim para a expansão comunista no mundo, tal como o fez a Rússia com a détente.

E a China continua comunista

O serviço militar feminino é obrigatório na China.

Apesar da grande confusão em meio à qual são feitas as reformas, que se vão sucedendo e se atropelando umas às outras, uma coisa é certa e clara: a China continua comunista. Eis o que diz seu líder máximo, Deng Hsiao-ping: "Apesar de que nós iremos importar dos países capitalistas tecnologia avançada e outras coisas úteis para nós - seletivamente e segundo o plano -, de nenhum modo iremos absorver ou importar o sistema capitalista propriamente... " ("Obras Seletas de Deng Hsiao-ping", pp. 175-176, apud "Issues and Studies", n° 3, 1985, pp. 39 e 40). Em março último ele afirmou que desejava esclarecer que o objetivo das reformas não é reviver o capitalismo, mas melhorar o socialismo e sua "meta final de atingir o comunismo" ("The New York Times", 3-9-85). E em outra ocasião, ressaltou: "Temos afirmado repetidamente que devemos persistir no caminho do marxismo e do socialismo. .... Entretanto, este marxismo deve ser integrado à realidade prática da China, e este socialismo deve ter características chinesas" ("San Francisco Chronicle", 8-12-84).


IRMÃ ZECA, UMA FREIRA EMANCIPADA

Gregório Lopes

NA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA de São Paulo - PUC, durante o ciclo "Igreja e Processos de Libertação", realizado entre 25 de agosto e 20 de outubro de 1984, teve lugar palestra de uma religiosa, que é conhecida apenas como Irmã Zeca. Outras exposições desse mesmo ciclo já foram comentadas em "Catolicismo" (ver n° 410 e 411, respectivamente de fevereiro e março de 1985). O "Departamento de Teologia e Ciências de Religião da PUC-SP" divulgou livretos transcrevendo tais palestras, entre as quais figura a dessa freira. Os números das páginas que citamos correspondem aos do folheto.

EXPOSITORA usando calças compridas, desinibida começa por atacar a Igreja Católica devido à "situação subordinada das mulheres nesta instituição" (p. 16). Cita textos de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, em que os dois luminares explicam admiravelmente qual deve ser a situação da mulher na Igreja, e assim os critica: "Como pode uma religião com tal passado, oferecer à mulher um espaço libertador? Esse passado pesa sobre o catolicismo e condiciona a concepção mesmo que se tem da mulher na Igreja" (p. 17). Para a Irmã Zeca, o papel sublime da mulher como esposa e mãe, ou como virgem consagrada a Deus, nada diz. Pelo contrário, ela explicitamente os cita e rejeita. Os altos e delicados valores femininos de sensibilidade, dedicação, doçura e bondade, ela os despreza. Nossa Senhora, a quem Deus na sua Sabedoria escolheu como a mais elevada das criaturas, Irmã Zeca a procura pintar como uma revolucionária. O "Magnificat" é visto como um brado de subversão da "ordem política" e da "ordem econômica" (p. 38), esquecendo-se a freira de que nesse cântico a Virgem Santíssima se apresenta como a humilde escrava do Senhor.

Aliás, submissão não é com a Irmã Zeca. Ela aspira a mais alto: "Eu creio que no dia em que as mulheres chegarem ao papado, isso seria um sinal de que o papado estaria inteiramente reformulado, o papado não seria mais de tipo monárquico. Teríamos construído outra forma de viver a autoridade dentro da igreja" (p. 48). Então, ao que parece, em lugar da imaginária papisa Joana, teríamos, nas condições citadas, uma papisa do gênero da Irmã Zeca...

Tais aberrações, contrárias à instituição divina da Igreja, são ainda reafirmadas com ênfase: "Nossa grande luta é para negar essa estrutura hierarquizada da Igreja . .... A questão é mudar a estrutura de poder a partir da base, num processo democratizante e socializante" (p. 48).

Uma igreja socialista e feminista deveria, pois, na concepção dessa freira, substituir a Igreja Católica. Pois, para ela, "a respeito do problema do Papado, o fato é que a Igreja não assume a mulher plenamente como membro da Igreja" (pp. 48-49). Essa estrutura é "hierárquica e masculina, para não dizer machista" (p. 34).

Mas, objetaria alguém, como pode uma mulher vir a ser papisa, se ela nem sacerdote pode ser? Irmã Zeca, que não se atrapalha em refutar conjuntamente Santo Agostinho e São Tomás, não é com essa objeção que vai se embaraçar: "Não há uma razão válida para excluir a mulher do sacerdócio, da possibilidade de celebrar a ceia do Senhor. .... Quando numa comunidade de base todos os serviços dessa comunidade, toda a animação dessa comunidade é feita por um leigo ou leiga, é difícil encontrar razões teológicas válidas para impedir essa pessoa de validamente celebrar com seu grupo reunido em nome de Deus e da fé, a ceia do Senhor" (p. 48).

Impossibilidades de ordem teológica, a origem divina da administração do sacramento da ordem só a homens, razões mesmo no plano natural, nada disso encontra guarida nessa parlapatice, que não mereceria constar em "Catolicismo" não fossem os altos apoios de que goza, e não fosse ela indicativa dos abismos para os quais a esquerda católica quer levar a Igreja.

Enquanto aguarda o momento em que uma mulher possa celebrar missa e galgar o Sumo Pontificado, Irmã Zeca reclama posições mais modestas: "Na Folha de S. Paulo apareceu uma reportagem sobre a Teologia da Libertação com a manchete 'O Estado Maior da TL'. Mas aí não aparece sequer uma das muitas mulheres que estão trabalhando com a Teologia da Libertação" (p. 18).

A igreja das CEBs

Ante o corpo do Divino Redentor, duas atitudes inconciliáveis: compaixão e piedade, no quadro de Fra Angelico; revolta da mulher emancipada e revolucionária, conforme desenho publicado no livreto que transcreve a conferência da Irmã Zeca.

Apesar de seus ataques à Igreja e de sua doutrina feminista completamente oposta à católica, Irmã Zeca diz ver a "Igreja Católica no Brasil, ao mesmo tempo, como um espaço de emancipação feminina" (p. 16).

Como pode ser isto? Contradição? Não. Ela nos explica que a Igreja "encontra-se atravessada por contradições, por conflitos internos que se têm aguçado nos últimos tempos. Assim, quando se fala de Igreja Católica, é necessário esclarecer de que Igreja Católica estamos falando" (p. 19).

Há, pois, no dizer dela, várias ou pelo menos duas "Igrejas Católicas". Uma, a de sempre, fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, à qual aderimos de toda nossa alma, ela A ataca violentamente. Acusa-A de propagar "ideologias machistas" (p. 21).

Qual é a outra, a da Irmã Zeca? Ela não responde explicitamente à pergunta. Mas vê-se que, para ela, a Igreja a seguir é a das CEBs. Pois, logo no parágrafo seguinte àquele em que diz haver "Igrejas Católicas", continua: "Ao tomar as CEBs como objeto da presente reflexão ficam já delimitados os contornos desta reflexão. .... Não se trata de falar das mulheres em geral, mas dessas mulheres que participam das comunidades" (p. 19). E mais: "As CEBs têm se apresentado para as mulheres que as frequentam como um espaço de alargamento de sua consciência política e social. .... As CEBs têm permitido às mulheres o desenvolvimento da sua consciência de classe" (p. 20).

É nessa igreja das CEBs, a "Igreja popular", a igreja da "teologia da libertação", a "igreja subversiva", que a Irmã Zeca encontra o tal espaço que procura, para preenchê-lo com suas luminosas ideias. E, de fato, não nos esqueçamos de que ela está falando numa Universidade Católica, para um auditório cheio de padres e freiras, agentes pastorais etc., que ouvem e aplaudem...

Protesta a religiosa pelo fato de que "a imagem que se tem de uma freira é a imagem de um anjo" (p. 38). Certamente não é essa a imagem que ela projeta de si. Ela quer que as religiosas sejam vistas como "mulheres adultas e responsáveis" (p. 39). O que tem de religioso ou de sobrenatural essa visão? Para que, então, ser freira?

Para a Irmã Zeca a religiosa sofre uma dupla opressão: por ser mulher e por ser religiosa: "sendo elas mais oprimidas dentro da igreja, tendo uma situação muito mais subordinada, têm mais necessidade de mudança" (p. 23).

Reclama porque as freiras "acabam sendo nas dioceses mão-de-obra barata, tendo um salário desigual em relação aos padres. Elas também têm menos poder econômico" (p. 41).

Pôr em nível de maior ou menor salário o trabalho de uma freira, quando este deveria ser todo ele apostolado e dedicação aos semelhantes por amor de Deus! Onde fica o espírito de renúncia? O valor da dedicação religiosa deverá agora ser mensurado por leis trabalhistas?

Como está longe isto da concepção católica da freira como esposa de Cristo, renunciando por amor de Deus e através

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