• Durante a nona Romaria da Terra, organizada pela secretaria de Pastoral da CNBB, direções regionais das comunidades eclesiais de base e comissões pastorais da terra, D. Urbano Allgayer, Bispo de Passo Fundo, declarou que, embora a Igreja seja contrária às invasões de terras e à promoção da reforma agrária "na marra", é sua "missão" dar ajuda aos invasores. Afirmou, também, que "o fato de haver ocupações de fazendas nos mostra que a reforma agrária deve ser agilizada" (1). Tais declarações foram prestadas na Fazenda Annoni, invadida em outubro de 1985 pelos chamados "sem terra". Nesse local foi realizada a Romaria da Terra, que constou de encenações teatrais em defesa das invasões de terras. A missa de encerramento foi celebrada pelo próprio D. Urbano Allgayer, na condição de Bispo da diocese local.
Uma das músicas cantadas durante a Romaria, cujo autor é o Pe. Domingos Finatto, pertencente à diocese de Passo Fundo, teve como refrão: "O povo dos pobres unidos / é machado que corta / a raiz do mal / que é o capitalismo / que o Evangelho contradiz" (2) (negritos nossos).
• O presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais do Paraná (FAETAEP), Antenor Braido, afirmou: "Temos indícios claros de que recursos vindos do Exterior estão financiando as invasões" (3). E acusou a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de estar recebendo verbas de países estrangeiros, entre eles a Bélgica, a Alemanha e a Holanda, para incentivar as invasões. Segundo ele, os líderes dos movimentos dos acampados não têm emprego fixo, nem renda, mas viajam de avião pelo Brasil afora, promovem encontros e congressos. "Ora, de onde vem o dinheiro?" - indagou. Pediu, pois, que o governo investigasse o assunto.
• Reuniu-se a Regional Nordeste II da CNBB, que congrega várias dioceses de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Pedem a execução da Reforma Agrária, "como exigência do Reino de Deus". Para o presidente dessa Regional, D. Antonio Costa, Bispo auxiliar de Natal, a Reforma nascerá de baixo para cima, partirá do trabalhador sem-terra, das comunidades organizadas, que são capazes de somar forças. "É por isso que nós estamos engajados em fortalecer as bases", explica. Trata-se, portanto, de um movimento de pressão organizada.
Esta é a razão pela qual, em sete áreas de conflitos, os "sem-terra erguem lemas e alusões à Igreja", afirmou o Bispo. Em sua concepção "o povo não confia no governo, está decepcionado com os seus programas e promessas" (4).
• Leiamos o canto de entrada de uma Missa da Campanha da Fraternidade. Utilizam-se abusivamente os textos litúrgicos num sentido contrário à propriedade privada. Esta cançoneta faz-nos lembrar o verso de D. Casaldáliga: "malditas todas as cercas"! Noticia o semanário litúrgico catequético "Deus conosco" (5): "Peregrinos do Reino dos Céus /para o Pai elevemos as mãos / recebemos a Terra de Deus / partilhemos a Terra de Irmãos!
1. No deserto Jesus foi tentado / a ser dono de tudo... e não quis. / Hoje é esse o grande pecado, / que nos faz este mundo infeliz! (.:.)
4. Temos todos um pouco de crime, / ninguém pode só pedra atirar: / vendo a terra que o Sangue redime, / e o egoísmo profana, ao cercar" (negrito nosso). Em seguida, o ato penitenciai, recorrendo ao jargão marxista, pede que Deus perdoe aos "aos crimes que fazem da religião uma alienação", aos que não se preocupam "com os irmãos sem-terra e sem paz" (6).
• A associação de Criadores de Gado Nelore do Brasil, em ofício enviado ao Ministro da Justiça, Paulo Brossard, solicitou a investigação das missões religiosas nos parques indígenas. Afirma esse ofício: "Os índios vêm sendo manipulados por padres europeus que pretendem criar uma zona liberada nas fronteiras do Brasil (Guiaras e Venezuela), unificando reservas indígenas, facilitando a incorporação daquela região aos países europeus".
O deputado João Batista Fagundes (PMDB - Roraima) também tem denunciado, na Câmara, a existência de "um movimento separatista, em seu território, orientado por missões católicas" (7).
Muito significativamente, os índios ancanos - segundo seu chefe, Henrique Castro - mostram-se dispostos a recorrer aos guerrilheiros colombianos do grupo M-19 para forçar a FUNAI a demarcar a sua área na serra do Traíra (8).
• No sul da Bahia, maior zona produtora de cacau do Estado, um grupo de fazendeiros interpelou judicialmente a FUNAI: "Sem explicação convincente, e sem mandado judicial", salientou a advogada dos fazendeiros na interpelação, "a FUNAI ordenou a invasão da Fazenda São Lucas (...) com a participação de arruaceiros e bandidos conhecidos". Os fazendeiros asseguraram que a operação foi um verdadeiro ato de guerrilha e banditismo. Denunciaram ainda a intromissão do Bispo de Itabuna, D. Paulo Lopes Faria, que tem auxiliado os invasores a se manterem na propriedade. E salientaram que, ao invés de 1400 pataxós, que segundo a FUNAI habitariam no local, existem na realidade apenas 36 índios. Os interpelantes asseveram, ainda, que um dos chefes dos invasores, que se diz cacique, já foi apanhado, várias vezes, transportando maconha para ser plantada na fazenda (9).
• No município de Itapipoca, a 125 quilômetros de Fortaleza, o advogado de um fazendeiro pediu a decretação de prisão preventiva de um padre e uma freira, alegando em seu pedido que "esses dois religiosos, após reunirem mais de 300 pessoas de várias comunidades eclesiais de base, principalmente de Maceió e Sabiaguá, na casa paroquial, os transportaram para as terras de Raimundo (nome do fazendeiro), onde passaram a destruir suas cercas, casas e plantios. Ao todo, foram destruídos mais de dois quilômetros de plantações, além de outras benfeitorias".
Conforme o advogado, houve reações e um violento tiroteio. Três invasores ficaram feridos, sendo socorridos pelo Pe. Edvaldo, que "é o grande responsável pela intranquilidade social registrada na área", continua a denúncia. O Bispo de Itapipoca, D. Benedito Ferreira, segundo o advogado, "ainda não se definiu sobre a questão, mas já encaminhamos relatório ao Cardeal Arcebispo de Fortaleza, D. Aloísio Lorscheider, pedindo sua interferência" (10).
• Reforma Agrária deixa proprietários na rua da amargura. O ministro Nélson Ribeiro analisará caso a caso os processos daqueles proprietários que tiveram sua única terra desapropriada, para fins de Reforma Agrária, e não têm, consequentemente, nenhum local para morar. A informação foi dada por Nélson Ribeiro ao deputado Fernando Gomes (PMDB - BA), que levou ao conhecimento do ministro o caso de um proprietário que se encontra nessa situação na região de Camamu, no sul da Bahia.
O deputado Fernando Gomes ressaltou que existem outros casos do gênero, como o do proprietário Otávio Carvalho Valverde, casado, com quatro filhos, cuja terra de 1.200 hectares já está desapropriada e ele não possui outro local para morar. Além desse fato, 70 pessoas estão trabalhando com a extração de madeira nessa área e Otávio Carvalho, caso venha a sair do local, não terá condição de indenizá-las, pois o valor da terra oferecido pelo Incra não é suficiente (11).
Ao que parece, a CNBB não fez a "opção preferencial" por estes novos pobres. Seria por que se trata de fazendeiros?
• No sul do Pará recrudesceram os conflitos, em consequência das invasões de terras. Em Xinguara, três pessoas, entre as quais um fazendeiro ainda não identificado, morreram, enquanto um casal saiu gravemente ferido. Em Conceição do Araguaia, um filho do proprietário da fazenda Canaã e duas outras pessoas saíram gravemente feridas do combate.
As informações foram transmitidas pela Comissão Pastoral da Terra (12).
• O Sindicato Rural de Xinguara, no Pará, enviou telex ao Presidente Sarney denunciando invasões de terras produtivas naquela região. Segundo a denúncia, "as invasões são organizadas por eclesiásticos sem o mínimo de bom senso, que insuflam e estimulam o invasor" (13).
• D. Mauro Morelli, Bispo ultra progressista de Duque de Caxias (RJ), descobriu um novo conceito de invasão. Declarou em Porto Alegre, onde foi ministrar a aula inaugural da Faculdade de Economia da Universidade Federal: "Não existem invasões de terras no Brasil e, sim, ocupações. Na verdade, o povo organizado, está fazendo a reforma agrária imprescindível ao País, e o governo deve reconhecer isso como cumprimento da democracia e não como uma ameaça à segurança. Afinal, a questão fundiária sufoca a Nação". Para o Bispo o "pacote" econômico é uma medida tímida e não alcançará seus objetivos, se não for acompanhado da reforma agrária (14).
• D. José Rodrigues, Bispo de Juazeiro, manifestou-se contrário aos planos governamentais de irrigação do Nordeste. Eis sua declaração: "Criou-se no Nordeste o mito da seca. Até o Presidente Sarney foi atacado por essa doença mental, chamada paranoia da irrigação. O mal aqui não é a seca, com a qual poderíamos conviver, e sim, a cerca, a estrutura fundiária" (15).
• No sermão da Procissão dos Passos, em Olinda, D. Helder, velho caminhante nas sendas da demagogia, afirmou: "Vem aí um passo importante para a vida dos brasileiros que é a Constituinte. Quem for eleito tem que saber o que defender, pois o que queremos é a reforma agrária" (16).
Em discurso na Câmara Municipal sobre a Campanha da Fraternidade, D. Avelar Brandão, Cardeal Arcebispo de Salvador, defendeu uma "reforma agrária séria, justa e pacífica, que não seja uma brincadeira de crianças". Ele arrancou aplausos calorosos da líder do PC do B, Lídice da Mata, e do representante do PCB na Câmara, Paulo Fábio. Ambos classificaram de "lúcida e impressionante" a declaração do Primaz (17). Significativa coincidência de propósitos entre um Cardeal e os PCs!
• Em São Luís do Maranhão, o diretório do PC local esteve reunido para discutir o Plano Regional de Reforma Agrária do Estado, elaborado por uma comissão integrada pelo INCRA, FATAEMA (representantes dos trabalhadores rurais) e pela CPT. Segundo o órgão oficial do PC do B, "(...) os lavradores e camponeses têm apreendido às custas do sacrifício dos que tombaram e, com a experiência própria, buscam as mais variadas formas de resistência na terra que ocupam, fazendo justiça com as próprias mãos e usando autodefesa armada contra jagunços e pistoleiros" (18).
• A proposta de constituição apresentada pelo PCB, intitula-se "Novos rumos, Constituição para o Brasil". Prevê, na questão da política agrária, "a transferência de posse da área e dos meios de produção a trabalhadores ou a cooperativas destes, através de contatos administrativos públicos de concessão de uso" (19).
A analogia entre esta proposta e os "assentamentos" que figuram no Plano Nacional de Reforma Agrária parece clara. Se não são irmãos, o parentesco é bem próximo...
• D. José Maria Pires compareceu à fazenda Monte Rios, próxima a João Pessoa, no momento em que soldados, por ordem judicial, expulsavam invasores das terras. O Arcebispo aconselhou os invasores a permanecerem unidos "ainda mais, porque a Igreja está do lado do oprimido". Assegurou que "os trabalhadores não devem desistir da luta". E garantiu que encetará uma campanha para angariar alimentos e lonas a fim de alojar as famílias, enquanto não sai uma decisão positiva sobre o problema. Para D. José Maria Pires, "não podemos permitir que os camponeses sejam desalojados dessa forma" (20). Trata-se, portanto, de claro apoio a uma invasão efetuada pela força.
• O Bispo Auxiliar de João Pessoa, D. Marcelo Carvalheira, juntamente com agentes pastorais do município, Padres, Religiosos e leigos, distribuiu nota de solidariedade - em termos diretamente contrários à lei vigente no País - aos invasores da fazenda Monte Rios. O documento afirma que "embora a atitude dos trabalhadores seja formalmente ilegal, ela é de fato a favor da Lei, pois antecipa a sua aplicação onde os poderes públicos se omitem em fazê-lo" (21).
• "Queremos dizer ao Presidente que não tenha medo de fazer as reformas, pois estamos do lado dele" - afirmou o Bispo de Rubiataba-Mozarlândia (GO), D. José Carlos de Oliveira, presidente da Regional Centro-Oeste da CNBB, antecipando o teor do telegrama enviado ao Presidente Sarney pela CNBB, reunida em Itaici. Curiosa esta declaração que insinua necessitar o Presidente da cobertura eclesiástica para realizar uma tarefa de âmbito estritamente temporal.
• O Cardeal Primaz, D. Avelar Brandão, formulou, em Itaici, numa entrevista coletiva, um apelo "a todos os segmentos da sociedade brasileira, para que aceitem a reforma agrária, já que se trata de um plano moderado", acrescentando que sua não aceitação "terá sérias consequências para o País" (22).
D. Avelar fez um especial apelo aos proprietários rurais para que aceitem a reforma agrária do governo, "que é tímida e não faz medo a ninguém".
"Se eles [os proprietários] não aceitam um projeto moderado como este, como é que vai ser?" - perguntou o Cardeal, garantindo, porém, que a Igreja "não tem interesse em colocar pólvora no incêndio" (23). Não obstante a ressalva, a declaração do Purpurado parece conter uma ameaça aos proprietários que discordam da Reforma Agrária que ele apoia.
• Em Itaici, D. José Gomes, Bispo de Chapecó (SC) e presidente da Comissão Pastoral da Terra, sugeriu que o Presidente deveria ter a mesma coragem que demonstrou ao decretar a reforma econômica e convocar o povo para fiscalizar os latifúndios improdutivos ou por extensão garantindo a execução da Reforma Agrária.
"Ninguém convoca ninguém para o conflito. A nossa ideia é que o Governo faça a justiça social no campo, com mão forte. Mas não podemos evitar que um migrante faminto reaja a uma situação que sabemos injusta, em que 1% das propriedades rurais concentram 50% das terras agriculturáveis no País" - asseverou o Bispo de Chapecó (24).
No regime anterior, atacavam-se os governantes, acusando-os de coibir a liberdade. E agora essas mesmas vozes levantam-se contraditoriamente para pedir o cerceamento, "com mão forte", de setores não esquerdistas.