| SOCIEDADE|

Até filme para exaltar o progressismo

Gregório Lopes

COM APOIO proveniente do Canadá, da associação católico progressista "Développement et Paix", e custo aproximado de 400 mil cruzados, foi produzido no Brasil um filme-documentário de propaganda da ação do clero e de leigos progressistas em nossa Pátria. É uma hora de projeção que visa, no fundo, exaltar o socialismo dito cristão. O título do documentário: "Igreja da Libertação".

O filme não está sendo projetado para o grande público, nos cinemas existentes em nosso país. Mas sim, em recintos menores, a preço módico, para os interessados.

Vedetes

Uma das figuras à qual se procurou dar maior destaque é D. Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia (MT). Esse Prelado aparece, entre outras cenas, numa procissão em que é conduzida uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, durante a qual se entoam cânticos religiosos tradicionais, como "Eu confio em Nosso Senhor...". Percebe-se que este é o meio pelo qual o povo simples, ainda ávido de religião, procura ser atraído. Mas toda a pregação de D. Casaldáliga, no documentário, é feita no conhecido diapasão esquerdista.

D. Ivo Lorscheiter, Bispo de Santa Maria, e D. Aloisio Lorshelder, Arcebispo de Fortaleza, também são focalizados, especialmente o primeiro, atual Presidente da CNBB, o qual se apresenta vestindo um soturno clergyman preto.

Produzido pelo cineasta carioca Silvio Da-Hin, o filme foi exibido em São Paulo no final de fevereiro e começo de março, no auditório do Museu de Arte, logrando pequeno número de assistentes. É plano dos promotores projetá-lo em sindicatos e CEBs de todo o Brasil.

O envolvimento de D. Claudio Hummes, Bispo de Santo André, nas greves do ABC paulista fica patenteado. Como também se focaliza o líder comunista Marighela, morto pelas forças de segurança, no fim da década de 60, fazendo referência à sua vinculação com os religiosos dominicanos, especialmente Frei Betto. Mas se silencia sobre o fato de que Marighela foi atraído para o local onde estava a polícia pelos próprios dominicanos... De fato, foi um dos religiosos que, pressionado, telefonou para Marighela da livraria "Duas Cidades", combinando um encontro, ao qual esteve presente a policia

Entre as vedetes do documentário — além de D. Evaristo Ams, D. Mauro Morai, o pouco carismático líder sindical Meneghelli — figuram: Frei Leonardo Boff, o qual aparece caminhando por um corredor e em silêncio, numa cena à qual se quis dar um caráter patético emocional (o homem proibido de falar!)e Hélio Pelegrino (psiquiatra e autor de artigos em que defende posições freudianas fortemente imorais), cujo papel no filme consiste em atacar as "maquinações" do Vaticano e os chamados interesses burocráticos da Igreja.

O documentário explora também o "martírio", ou seja, a morte de religiosos ou pessoas ligadas às CEBs, em confronto com a polícia, ou por suicídio. Sobre as mortes ocorridas entre policiais evidentemente nada se diz.

O filme deixa claro ainda que, no Brasil, o impulso para o progressismo partiu do antigo movimento da Ação Católica (hoje substituído e superado pelas CEBs), o qual foi assumindo posições políticas em favor da esquerda. Acaba sendo uma nova comprovação da clareza de vistas do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e de seu acerto ao lançar, em 1943, o livro-bomba "Em Defesa da Ação Católica" (*).

O chamado "problema da terra" e a obsessão da esquerda católica pela reforma agrária ocupam papel importante no documentário.

Ao terminar a projeção, tem-se a sensação de alívio de quem sai de um ambiente empestado por uma fumaça fuliginosa que adere à pele. É preciso, por assim dizer, limpar a própria sensibilidade depois de ter assistido a tal filme.

A mensagem

De início a fim, as pregações procuram inculcar a mesma mensagem: tudo deve provir do povo e ser feito para o povo. Não mais o autêntico povo, como ele é admiravelmente descrito pelo Papa Pio XII em suas alocuções — diferenciado, orgânico, hierarquizado — mas sim a massa despersonalizada, reduzida ao igualitarismo mais aviltante, brutalizada, sem outro movimento que o que lhe vem de um impulso instintivo e cego, ao qual tudo deve se subordinar.

Pela amostragem apresentada no filme, percebe-se que o objetivo visado é a constituição de uma sociedade temporal proletarizada, em que a luta de classes levada a cabo pelos proletários terá destruído as classes mais intelectualizadas, mais cultas, mais ricas. Ninguém poderá subir, porque não haverá mais degraus e tudo estará nivelado ao rés do chão. Tenderão a desaparecer as próprias noções de cultura e civilização. Em última análise, é a taba, o objetivo que o filme deixa transparecer.

A própria Igreja apresentada no documentário é uma igreja diferente. As cerimônias religiosas passam a ser simples atos laicizados. Não mais se nota o bom gosto, a dignidade, a austeridade, a pompa e a sublimidade do autêntico culto católico.

Os Bispos quase não se apresentam como os representantes de Deus, com o poder de ensinar, governar e santificar o povo fiel. Não mais devem vestir-se de modo a simbolizar sua autoridade e missão. Eles são como outros homens quaisquer, laicizados, sem poder nem missão específicas. Apenas um pouco mais conscientizados e esclarecidos, e por isso procurando conscientizar e esclarecer. Nada mais.

A diferença padre-leigo vai se esfumaçando. Não mais há pontífices eclesiásticos que conduzem a Deus, mas sim o agitador, "carismático". A religião não mais é uma ligação com Deus, mediante unia Revelação de verdades em que se deve crer porque provêm do alto; nem devemos nos aproximar dos sacramentos, porque transmitem a graça divina; nem precisamos pertencer à Igreja com vistas à salvação. A religião foi degradada para se identificar apenas com a vida do povo, com seus problemas, suas preocupações, lutas e esperanças.

O povo nada tem a aprender, ele deve-se manifestar; não precisa seguir a ninguém, deve caminhar segundo suas apetências; não é mister que seja santificado, pois ele, de si, por ser povo, é santo.

Essa radical mudança na igreja, sempre segundo o filme, começou com o Concilio Vaticano II! Uma nova igreja, com novos credos, novas doutrinas, novos estilos: uma igreja proletária.

Trata-se, como se vê, de uma espécie de comunismo religioso, em que o aspecto comunismo é radical, e o que há de religioso restringe-se apenas a um vago sentimento. É também uma igreja que pode chegar até à violência: o episódio da participação dos religiosos dominicanos num vasto plano de guerrilhas, no fim da década de 60, comprova isso.

O documentário acaba sendo um desafio aos poderes constituídos — o próprio Poder Judiciário é abertamente atacado — e a ameaça de revolução social vem insinuada em várias das pregações. É um recado aos governantes que se oponham ao advento do comunismo. E é também uma ameaça ao Vaticano, caso ele queira manter os poderes bimilenares da Cátedra de São Pedro. Veladamente e de modo difuso vem dito o seguinte: ou nos acompanham ou nós os destruiremos.

O verdadeiro perigo

Quem procure observar o documentário um pouco mais detidamente, para além da superfície propagandística que, de imediato, atinge o olhar do espectador, não pode deixar de notar duas realidades. Primeiramente, o esforço enorme, com emprego de apreciável soma de recursos, que o progressismo vem dispendendo no Brasil para arrastar nossa gente a posições de esquerda. Em segundo lugar, chama a atenção a desproporção entre dito esforço e o fruto até agora realmente por ele obtido. Qualquer espectador mais clarividente percebe haver não só falta de entusiasmo, mas até de interesse do povo católico em acompanhar Prelados tão eminentes pelos cargos que ocupam, quanto em voga pela propaganda que os bafeja.

Alguma "garra" pode-se notar numa cena em que certa greve está sendo decidida. Mas, nesse caso, as vantagens pessoais é que estão em jogo, e não as justificações da "esquerda católica". Há ainda um ou outro episódio de movimentação popular em que se percebe algum interesse pela ação progressista, por parte do povo que aparece na cena. Porém, no total, é muito pouco. Sobretudo tendo em vista que o filme, como é natural, procurou focalizar as cenas mais propagandísticas.

Onde, então, o perigo? — perguntará alguém. Para quem saiba observar de modo atilado a realidade brasileira, o filme acaba na realidade documentando, ainda que indiretamente, um fato: o esforço empreendido pelo progressismo para conduzir o País rumo ao socialismo tem sua principal possibilidade de êxito não em suas bases populares - poucas e fracamente entusiasmadas — mas na inércia da massa dos católicos, bem como na conivência de certos setores da alta e média burguesia.

A imensa maioria dos católicos vai sendo corroída em sua catolicidade pela imoralidade dos costumes, pelo desejo de gozar a vida e, sobretudo, pelo vício de não querer reconhecer o mal que invade toda a Igreja. A essa corrosão segue-se a inércia, que representa fator decisivo para possibilitar a infiltração esquerdista nos meios católicos. Não fosse tal inércia, o progressismo seria expelido da Santa Igreja, como corpo estranho que é. E contra tal expulsão não lhe valeriam nem a cobertura, nem a propaganda que lhe proporcionam a imprensa, o rádio, a TV e... o cinema.

(*)Plinio Corrêa de Oliveira, "Em Defesa da Ação Católica", Editora Ave Maria, 1943, São Paulo / edição fac-símile, Ed. "Diário das Leis", São Paulo, 1983.

Manifestação de 1? de maio, em frente à Catedral de São Paulo. O público é apresentado no filme come arregimentado pelos católicos de esquerda. O movimento farfalhante das bandeiras comunistas e da CUT procuram criar a ilusão de um entusiasmo que a análise das fisionomias desmente.

Missa celebrada em ambiente progressista. Foi-se o tempo das grandes solenidade des religiosas que atraiam de fato o povo católico.


| DISCERNINDO, DISTINGUINDO, CLASSIFICANDO |

O longo itinerário de uma sede de sangue

C.A.

NAPOLEÃO, a quem tanto e tanto se poderia legitimamente recriminar, dizia, entretanto, algo cheio de sentido: a educação de uma criança começa cem anos antes de ela nascer. E, cremos, poder-se-ia até perguntar se não começa bem antes disso!

As tradições de família, o ambiente criado pelos antepassados tem sobre os homens uma ação que, mesmo não sendo decisiva, é habitualmente importante, ainda quando despercebida. Um índio numa floresta é um selvagem porque seus antepassados foram longamente se degradando. Um homem ocidental do século XX herda forçosamente os efeitos bons e maus da cultura que o precedeu de muito.

Curiosamente estes princípios de ordem natural, e mesmo, a seu modo, sobrenatural, são reconhecidos hoje em dia até por quem se proclama socialista e mesmo comunista. É o caso do pai de Che Guevara, o líder guerrilheiro que, na década de 60, a propaganda procurou levantar à altura de um mito.

* * *

"Mi hijo, el Che" (*) é o título do livro que o pai de Guevara escreveu para exaltar a infausta memória do filho, já recoberta atualmente pela poeira do tempo.

Pois bem, nesse livro o Sr. Guevara pai faz questão de apresentar a genealogia do filho desde o século XVIII (sem omitir que descende de um vice-rei do México), detendo-se mais pormenorizadamente no histórico a partir dos bisavôs de Che. Justifica ele: "Um homem não é um ente suspenso no espaço; está relacionado com tudo o que o rodeia e sua essência está ligada necessariamente a seus antepassados. É por esta razão que faço uma relação de fatos ocorridos durante a vida dos antepassados de Ernesto".

E não é só. O autor se estende longamente sobre a infância de Che Guevara, depois sobre sua adolescência e juventude (diga-se de passagem, a de um verdadeiro "hippie", no pior sentido do termo!), defendendo a tese de que essas épocas primeiras da vida do guerrilheiro tiveram uma influência marcante na formação de sua personalidade.

Falando sobre a primeiríssima infância de Che Guevara, escreve: ."Considero que não se poderia fazer um verdadeiro retrato de sua pessoa antes de descrever o ambiente onde nasceu, se criou e se desenvolveu". Sobre o menino e o adolescente, acrescenta: "A biografia de uma pessoa jamais será completa, se não se descreve o ambiente físico e social em que viveu. Meu filho Ernesto viveu em Alta Gracia desde os cinco até os dezesseis anos (...) teve um lar onde se debatia toda espécie de problemas sociais. Nasceu ouvindo falar da exploração exercida pelos patrões sobre os operários".

E a longa narração de episódios da infância, adolescência e juventude de Che Guevara (onde, de fato, se percebe a depravação moral e ideológica em que ele se formava), vem acompanhada de diversas fotos, nas quais o vemos em várias idades, desde criança de colo até guerrilheiro em Cuba. Foi, aliás, da infeliz ilha do Caribe, que ele escreveu à própria mãe, declarando estar "sedento de sangue".

Essa necessidade de conhecer a infância e até os antepassados de um homem, para compreender bem sua personalidade de adulto, nós a quisemos ilustrar com base na biografia de um guerrilheiro comunista, escrita por seu pai também comunista. E isto para salientar a universalidade desse princípio, aplicável tanto no caso de um santo quanto no de um comunista. Se fizéssemos a demonstração com fundamento em algum autor tradicionalista, poderiam objetar-nos que essas ideias são antiquadas e fanáticas, próprias a outros tempos, e que só a TFP as quer ressuscitar.

Ora, é o insuspeito comunista Sr. Guevara pai que acha que seu filho só pode ser bem entendido se nos reportarmos a episódios de sua infância, e até ao vice-rei do México no século XVIII. E nisso ele tem razão!

(*)"Mihijo, el Che", de Ernesto Guevara Lynch, Editorial Planeta, Barcelona, Espanha, 1981, 350 pp.
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