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PCBs: um anão com pernas de pau

Rafael Menezes

UM ANÃO QUE SE IMAGINA incumbido da missão histórica de um gigante pode adotar a fórmula que foi introduzida nos hábitos públicos por Stalin, o líder comunista do tempo da carranca, consistente em nunca se deixar fotografar de pé, de corpo inteiro.

É até bem achado. E o êxito do tirano soviético, na aplicação desse estratagema, é sem dúvida incontestável: conseguiu passar para a História com a imagem de um homem de estatura normal quando, na realidade, ele era extremamente baixo.

Assim o PCB, cuja falta de popularidade fez dele um anão da política brasileira, com pretensão de gigante, precisava arranjar uma fórmula própria para o seu caso. E, estando no Brasil, tinha que ser original, inspirada no jeitinho brasileiro. Nada de copiar Stalin, um estrangeiro — pois o Partido se diz cônscio de sua "independência" em relação a Moscou. O máximo a se tolerar seria atender alguns conselhos do camarada Fidel, dando um certo ar de quermesse de igreja às festanças.

E o PCB poderia, de fato, ter encontrado alguma fórmula original, se os ideólogos comunistas tupiniquins não raciocinassem com base na bitolada teoria da tese-antítese-síntese, ao elucubrar a solução para conciliar os elementos contrários, anão e gigante. O resultado lamentável a que chegaram foi o de colocar as pernas artificiais da legalidade e da publicidade no anão, que se obstina em passar por gigante.

Assim, com esses novos mecanismos, entrou no palco da vida pública o PCB, certo de que faria um bonito papel, ombreando com os grandes do cenário político nacional.

Mas, aconteceu que os empresários dessa mutação do anão em gigante — a qual parece ter sido cientificamente montada alhures - mais uma vez se enganaram com o Brasil. A legalização não funcionou como uma esponja mágica capaz de absorver a sangueira que empapa seu passado. Nem o IV Poder — a imprensa, o rádio e a TV, aparentemente onipotentes — lhe garantiu as multidões.

Os próprios industriais do comunismo não demonstraram segurança na "empresa PCB", ao instalarem seus comitês eleitorais — em São Paulo, Rio, Mato Grosso e outros Estados - em andares superiores de velhas casas, e não nos térreos, como se costuma fazer, para que o interessado tenha fácil acesso.

Assim, se o PCB se mostrar de corpo inteiro, e alguém da plateia bradar "olha a perna de pau!", corre ele o risco de que volte à tona da memória pública a velha e sinistra imagem de violência e de sangue. Imagem que o próprio dirigente máximo, Giocondo Dias, não conseguiu esconder ao declarar a possibilidade do uso da luta armada e da violência (cfr. "Folha de S. Paulo", 11-4-86). Ora, cesteiro que faz um cesto, faz um cento: um partido que não quis, no passado, conviver com as regras da moral, desejá-lo-á no futuro?

O PCB em ritmo de feira

A dificuldade, para o PCB, não é pequena, e ela explica o esforço quase desesperado dos líderes comunistas, de procurarem impor ao País urna nova imagem do partido. Ou melhor, máscara nova, pequeno burguesa, "descontraída, feireira" e festeira, à semelhança da linguagem dos teólogos da libertação para os quais a Igreja é uma festa; o mundo e a vida são, também, festas.

Quem por convicção, por dever de ofício ou vã curiosidade, foi ver a feira do PCB, comemorativa de seu 64? aniversário, realizada em São Paulo, no Parque de exposições de animais da Água Funda, de 11 a 13 de abril p. p., inalou a impressão difusa e confusa, que impregnava o ambiente, de que "o partidão é bonachão e nada faz de bem nem de mal a ninguém".

Tudo, na feira, parecia ter um certo ar de desorganização, própria a atrair o brasileiro pelos seus defeitos. Havia um jornalzinho, "Pregão do livro", que fazia propaganda da farta literatura comunista e das 50 toneladas de livros recebidas só no mês de fevereiro e que ninguém lê, ou pelo menos não comenta. Ali, não se "queria" fazer proselitismo. O eletricista, por exemplo, fez a assistência esperar meia hora para acender as luzes do palco.

Uns até gracejam dizendo que a desorganização era produzida pelo excesso de cachaça — as garrafas de vodka desapareceram logo no primeiro dia, compradas por espertos "sapos" que compareceram acompanhados por notoriedades comunistas — outros diziam que era por causa da imoralidade e do uso da maconha, fato registrado pela repórter de um matutino paulista.

Poucos, no entanto, terão percebido claramente que, ali, nada havia de espontâneo, nem mesmo a desorganização. Tudo era cientificamente planejado, obedecendo a uma estratégia. Tudo era controlado discretamente por uma organização interna, e ninguém cantava fora do coro. Havia por trás da "espontaneidade" a carranca de uma organização rígida, onipotente, capaz de harmonizar todos os sentimentos.

O interior da feira podia ser percorrido com facilidade, pois apesar de haver ônibus gratuito ligando a estação do metrô ao local, e o ingresso, para os três dias, custar apenas cinco cruzados, não havia, nos momentos de maior movimento, mais de quatro mil pessoas — num parque com capacidade para mais de dez mil pessoas —, número esse que baixava para mil e quinhentas, ou duas mil, nos horários comuns, o que deixava os salões praticamente vazios. Normalmente se encontravam umas 50 ou 60 pessoas — nunca mais de 100 — nos chamados painéis, que são palestras feitas de modo atualizado, nas quais diversos oradores expõem suas reflexões, mais ou menos ao mesmo tempo.

Lá dentro — onde os "fiscais populares" eram coniventes e se cobravam sete cruzados por uma cerveja — havia cantoria, música popular e uma curiosa seleção de bebidas: muita cachaça para as bases, e salão separado para os privilegiados, com mesas e cervejas. Para que misturar, não é?

Surpresas e fracassos

Passando pelos vazios stands dos diversos países comunistas, o visitante deparava, de repente, com um ajuntamento de pessoas: era um painel com "posters" de igrejas e palácios maravilhosos construídos nos antigos tempos da Rússia czarista, bem como álbuns com bonitas imagens da Santíssima Virgem e obras de arte da época pré-consumista. Quer dizer, o que atrai na Rússia é a tradição que o comunismo quis destruir, não a sociedade que ele implantou.

Mais adiante uma grande fila, tal como nos países de além cortina de ferro e de bambu: era a barraca da China. Curioso, aproximei-me, lembrando que a medicina naquele país parece defender um "princípio básico": "uma só doença para todos os pontos saudáveis". E qual não foi minha surpresa quando percebi que se tratava de curandeirismo. Lá se vendia uma pomada-panaceia, que "cura" todos os males! Fazia lembrar certa propaganda dos "avanços" científicos da medicina indígena, vinda da taba...

As surpresas sucediam-se cada vez mais inopinadas.

No painel sobre a Intentona de 1935, sexagenários que dela participaram — numa cena constrangedora pelo artificialismo — faziam uma autoanálise de sua ação, a qual contribuiu para que o partido perdesse 50 anos de história.

Ali, um auditório vazio, ouvindo-se apenas um locutor insistir durante 15 minutos para que todos os metalúrgicos presentes comparecessem para o grande debate da classe. E, apesar dos possantes alto-falantes, não compareceram as massas operárias que o PCB se jacta de possuir.

Nem o ato político festivo conseguiu atrair gente, mesmo contando com a barulheira de um tal "Paulinho da Viola". Quando os políticos começaram a falar, o povo fez como as aves de arribação — "do mesmo modo que elas vêm, elas vão" — e se foi. Mas a paciência dos comunistas parecia inesgotável. O deputado federal Goldmann esperou que se insistisse durante um quarto de hora para conseguir juntar dezesseis pessoas, para o grande debate sobre o "pacote econômico", deixando no fim uma vaga ideia de que o tema só interessava lá fora, e não ao recinto da feira!

As feministas ficaram certamente susceptibilizadas, pois o orador oficial, após dirigir-lhes algumas palavras, retirou-se para bebericar. Elas, desapontadas, procuraram o todo poderoso secretário-geral do PCB, Giocondo Dias, que tentou consolá-las.

Nessa sucessão de episódios aparentemente festivos — em que não faltou sequer um conjunto folclórico russo — a nota predominante era a inautenticidade, o "bluff" e o indisfarçável ridículo. Aliás, isso não surpreende. Pois, quando o verdugo carrancudo se apresenta risonho numa feira, os cúmplices de sempre simularão alegria. E os ingênuos serão os únicos a acreditar.

No ato de solidariedade à Nicarágua foram homenageados os "brigadistas voluntários" brasileiros que foram ajudar o governo sandinista ha colheita de café. Será que é preciso viajar à Nicarágua só para colher café?

Depois de muita resistência, através dos alto-falantes o deputado federal pelo PCB, Alberto Goldmann, conseguiu reunir um auditório para debater o "pacote" econômico do Governo. Na foto pode-se notar qual era a animação dos debatedores...

No pavilhão Yuri Gagarin, da União Soviética, a grande atração era a entrevista de Fidel Castro para a TV Manchete

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