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Gregório Corrêa
EM MAIO de 1981, Mitterrand era eleito presidente socialista da França, por estreita margem de votos (2,6%), com o apoio dos comunistas, dos esquerdistas de todos os matizes... inclusive de matiz católico. Pouco depois, em junho, dissolveu ele a Assembleia Legislativa e, no novo Parlamento, o Partido Socialista obtinha apenas 37,4% dos votos, o suficiente para eleger 285 deputados, maioria absoluta e folgada. A abstenção chegou a 29,7% dos eleitores.
Na França e no mundo inteiro as esquerdas comemoraram a ascensão de Mitterrand e a celebraram como o início de uma nova era que se abria para a Revolução mundial. Era a vitória da "França que sonhava", da França herdeira das utopias de 1789, da Comuna de 1871 e da Sorbonne de 1968, sobre a burguesia "prosaica, banal e tediosa" de centro direita, simbolizada por Giscard D'Estaing.
A euforia auto gestionária dos socialo-comunistas, sintetizada na famosa expressão "les têtes vont tomber" (as cabeças vão rolar) do deputado e ministro socialista Paul Quilles, durou, entretanto, bem pouco tempo. E, para esse resultado, muito contribuiu a repercussão mundial que teve a Mensagem das 13 TFPs sobre o socialismo auto gestionário francês, de dezembro de 1981, escrita pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (1).
A autogestão foi arquivada. Os ministros comunistas foram afastados do governo e o PSF "rompeu" com o Partido Comunista Francês. Na economia cambaleante, os socialistas, sem inspiração e para evitar o caos, adotaram um plano de austeridade com medidas de cunho nitidamente liberal.
Desde 1983 todas as sondagens de opinião pública indicavam o declínio de prestígio do governo socialista, confirmado pelos resultados dos pleitos regionais parciais e das eleições para o Parlamento europeu de 1984, na qual o PSF obteve apenas 21% dos sufrágios.
Prevendo o pior, Mitterrand promoveu, em 1985, a reforma do sistema eleitoral: as eleições majoritárias com dois turnos deram lugar ao escrutínio proporcional de um só turno. Pelo antigo sistema, o PSF obteria no máximo 150 cadeiras na Assembleia Nacional — cujo plenário compõe-se de 576 deputados, segundo a nova legislação — e o PCF, com seu atual eleitorado, seria praticamente alijado do cenário político francês, conseguindo apenas nove representantes.
Todas essas medidas, entretanto, não puderam evitar a derrota das esquerdas.
Apesar de ter havido um aumento de 86 cadeiras na nova Assembleia, o PSF perdeu 70 deputados. O resultado obtido, de 31,9% dos votos, só foi possível graças ao voto útil dos comunistas. E, dos 22 conselhos regionais metropolitanos, 20 ficaram sob a presidência de representantes da atual maioria de Centro-Direita e apenas dois com o PSF!
Mitterrand nomeou como primeiro-ministro Jacques Chirac, líder do RPR, maior partido da coligação (RPR — UDF — Diversas direitas) que obteve a maioria absoluta de cadeiras.
Três temas principais emergiram das últimas eleições: o fenômeno Le Pen, o declínio crescente do Partido Comunista e a questão da coabitação de Mitterrand (cujo mandato se estende até 1988) com uma maioria parlamentar de centro direita.
As sondagens de opinião pública previam de 5 a 7% dos votos para a Frente Nacional. Mas, o partido de Jean-Marie Le Pen conseguiu empatar com o PCF: 35 cadeiras, 10% dos votos e 2,7 milhões de eleitores.
Chirac e a coligação de centro-direita, que obteve 291 cadeiras — apenas duas a mais que o necessário para a maioria absoluta — recusam-se a procurar o apoio da FN, alegando a presença de racistas e fascistas entre os representantes desse partido.
A Frente Nacional baseou sua campanha na defesa de uma política dura face à imigração clandestina — que constitui sério problema para o país — e à insegurança gerada pelo terrorismo e a criminalidade, que atingiu índices sem precedentes nos últimos anos na França.
Com mais de 30 deputados, a Frente Nacional constituirá um considerável grupo parlamentar, o que implicará, para ela, em muitas vantagens. "O presidente do grupo (Le Pen) pode semear a desordem no desenrolar dos debates... pode multiplicar os motivos de obstrução, através de pedidos de suspensão da sessão, de votação nominal, de verificação de quórum..." (2). O Partido Comunista agiu dessa forma no fim da legislatura anterior, atrapalhando enormemente os trabalhos. A Frente Nacional agirá desse modo? Ou procurará ser o fiel da balança, compensando a frágil maioria governamental nos momentos de dificuldades?
O fato é que Mitterrand já consentiu na realização de estudos para o restabelecimento do escrutínio majoritário de dois turnos, uma das metas prioritárias de Chirac. Se o Presidente dissolver o parlamento e convocar novas eleições legislativas (de tipo majoritário), o PCF e a FN seriam praticamente varridos do Parlamento, pois nessas condições só obteriam nove e sete deputados respectivamente, com seu eleitorado atual.
Com eleições majoritárias, o PCF correria sério risco de desaparecimento. A isso se somam as dissensões internas no partido.
Um manifesto de página inteira aparecido em "Le Monde" (2-4-86), assinado por mil comunistas, pede a convocação imediata de um congresso extraordinário — o Vaticano II do PCF, segundo a imprensa — a fim de ser discutido o destino do partido e a escolha de novas lideranças.
Com efeito, a hemorragia eleitoral vem sendo enorme no PCF: de quase seis milhões de eleitores nas legislativas de 1978 (20,61%) passou para 2,7 milhões (9,79%). Em Paris, o partido não conseguiu nenhuma cadeira parlamentar, enquanto a Frente Nacional elegia dois deputados.
O comunismo enquanto partido está em declínio em toda a Europa. Diz Alain Besançon no "L 'Express": "... Um partido leninista não é nem uma casta nem uma classe, mas uma espécie de seita presente em todas as camadas da sociedade, e contudo separada delas por seu estatuto e sua regra". E noutro artigo, sobre o futuro do PCF, afirma o mesmo autor: "O partido comunista não é concebido para ganhar eleições, mas para manipular uma crise" (3).
Realmente, o maior perigo representado pelo comunismo — e isto vale também para o Brasil — não está no contingente eleitoral que ele ostenta. Pois, em que país do mundo conquistou ele o poder através de eleições livres e honestas? O comunismo é temível, isto sim, enquanto está à espera da crise que lhe permita assenhorear-se do país por meio de embustes, da conivência dos inocentes úteis e da traição daqueles que se lhe deveriam opor.
As primeiras fricções entre Mitterrand e a atual maioria de direita começam a aparecer. Muitos comentaristas as veem como meras escaramuças nas quais os contendores buscarão apenas a delimitação das respectivas áreas de atuação.
A Constituição francesa, de De Gaulle — da atual V República — não previu a situação em que pudessem conviver o Executivo e uma maioria de oposição. Estudos foram feitos sobre a questão. Seus autores e os comentaristas mostram que na área da Defesa e das Relações Exteriores a Constituição é dúbia quanto às atribuições do Presidente e as do Primeiro-Ministro.
Entretanto, nesses primeiros dias a coabitação "funciona até o presente de maneira geralmente satisfatória", afirmou ao "Washington Post" o ministro todo poderoso das finanças, Éduard Balladur (4).
Cautela da parte dos dois oponentes à espera da primeira derrapagem do adversário? Ou haveria algum acordo?
O fato é que há, entre ministros e deputados da coligação de centro-direita, muitos que prefeririam antes um acordo com os socialistas do que com a Frente Liberal, de Le Pen.
Assim, o Deputado Bernard Stasi, do Centro Democrático Social (CDS), criticou Chirac classificando de "estúpidas" as medidas propostas pelo primeiro-ministro contra os terroristas, como a pena de 30 anos de prisão para os criminosos. Acrescentou o mesmo deputado que se o CDS está atualmente "aliado à direita liberal", ela deve fazê-lo de modo "que esta coalizão não derive muito para a direita" (5). Jacques Barrot, também deputado pelo CDS, pronunciou-se no mesmo sentido.
Rebocando uma maioria precária, Chirac prepara-se para governar através de ordonnances (Decretos-leis), poderes que já lhe foram conferidos pela Assembleia. As primeiras medidas na área econômica compreendem a privatização de várias redes bancárias e indústrias nacionalizadas por Mitterrand e pelos governos anteriores.
Curiosamente, o projeto de privatização concede aos diretores de empresas amplos poderes para "favorecer a participação dos assalariados no capital e no lucro das empresas", bem como a "a participação dos assalariados nos conselhos de administração e fiscal das sociedades anônimas", a qual é proposta, na base da "terça parte do número de membros do conselho" (6).
Assim, a realização do projeto que Mitterrand não ousou por em prática — o tão decantado socialismo auto gestionário - o governo de "coabitação", ao que parece, estaria começando a favorecer (7).
Não seria a primeira vez na História que isso se daria. Quando num país ocorre uma vitória sobre o comunismo e o socialismo, a opinião pública em geral se desarma psicologicamente, perde a vigilância contra os adversários da véspera, na falsa ilusão de os haver derrotado para sempre. É nesse período que às vezes são aprovadas leis de sabor igualitário e confiscatório. Foi o que se deu com a aprovação do Estatuto da Terra no Brasil, poucos meses após o golpe de 1964. A TFP, na época, combateu essa manobra, denunciando o "janguismo sem Jango" que se insinuava com a Reforma Agrária.
Chegaremos a ver na França, com o governo de coabitação, um Mitterrandismo sem Mitterrand?
Peçamos a Nossa Senhora de Lourdes e a São Luis Rei, padroeiros da França, que concedam aos verdadeiros católicos franceses a lucidez e a coragem para verem e denunciarem os ardis dos inimigos da civilização cristã.
Chirac, no regime de "coabitação", ao invés de eliminar a influência socialista na França...
...introduzirá princípios auto gestionários que Mitterrand não conseguiu implantar?