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VIRGEM DO ROSÁRIO

Lúcio Mende

SENDO O MÊS de outubro consagrado ao Santo Rosário, "Catolicismo" traz à consideração dos leitores alguns dados sobre as origens, a história e os incontáveis favores concedidos pela Mãe de Deus através dessa devoção simples e sublime.

Simples a tal ponto, que uma criança pode recitá-lo facilmente. Sublime, pois Papas, Santos, Doutores da Igreja e teólogos nele encontraram força, coragem e santa audácia para as obras árduas que tiveram de empreender.

O grande Papa Pio IX, cujo processo de canonização está em Curso, dizia em seu leito de morte: "É o Rosário um Evangelho compendiado, e dará aos que o rezam os rios de paz de que nos fala a Escritura; é a devoção mais bela, mais rica em graças e gratíssima ao Coração de Maria. Seja este, meus filhos, meu testamento para que vos lembreis de mim na terra" (1).

Origem e expansão do Santo Rosário

Por volta do ano 1206, São Domingos pregava contra os hereges albigenses que assolavam o sul da França. Sua palavra de fogo ecoava nas igrejas, praças e ruas; seus argumentos eram irrespondíveis, e pela força da lógica nascida da Fé, confundia os hereges, reduzia-os ao mutismo e levava-os à derrota. Até grandes milagres o Santo operou. Apesar disso, os hereges continuavam a perverter almas católicas e a heresia ganhava terreno.

Nessa situação, São Domingos implorou à Virgem Santíssima que interviesse. Nossa Senhora apareceu-lhe e revelou que a única maneira de fazer recuar a heresia era a recitação do Rosário. A partir de então essa prática estendeu-se pelo mundo inteiro. Seria também este o grande recurso de que se valeriam as almas fiéis, ao longo de toda a história futura da Igreja, para obter graças em suas necessidades.

Essa devoção reúne em si os méritos da oração vocal e da meditação. Ao praticá-la, como filhos que muito amam a Mãe Celeste, repetimos a própria saudação que o Arcanjo dirigiu a Nossa Senhora — a Ave Maria — e também a oração que Nosso Senhor nos ensinou — o Pai Nosso. Pela repetição do Credo, renovamos nossa profissão de Fé, e louvamos em seguida os três títulos de maior glória da Santíssima Virgem: Filha escolhida de Deus Pai, digna Mãe de Deus Filho e Esposa fidelíssima do Espírito Santo. Sucedem-se então ante o fiel os quinze mistérios, nos quais se meditam os principais acontecimentos da vida de Nosso Senhor e de Nossa Senhora.

Em suma, são os fundamentos da doutrina católica apresentados à nossa consideração nesses fatos augustos ou mistérios. Por esta razão Pio XI dizia que "o Rosário é um pequeno Evangelho" (2).

A partir da revelação do Santo Rosário e de sua propagação por São Domingos, a heresia albigense começou a perder terreno e foi finalmente aniquilada. Os hereges, em desespero de causa, tentaram apelar para as armas, e também nesse plano foram derrotados. Baluarte do exército católico na ocasião foi o destemido Simão de Montfort.

O Rosário teve então rápida difusão por toda a Cristandade, e pouco depois, em 1261, o Papa Urbano IV já se referia às inúmeras graças recebidas pelos fiéis através desta devoção. É incontável o número de Papas que, posteriormente, incentivaram a prática do Rosário, dedicando-lhe por vezes encíclicas inteiras e concedendo-lhe • indulgências. O Papa Júlio III afirmava que "o Rosário é o ornato da Igreja Romana" (3).

Rosário, arma para a luta

Na Áustria, os combatentes católicos que, sob o comando de Andréas Hoffer, lutaram contra as hordas revolucionárias de Napoleão, tinham o hábito de rezar o Rosário com seu indômito chefe.

Ao longo dos séculos, a Igreja não cessou de encontrar inimigos claros ou velados. Por fidelidade a seu Divino Fundador, com eles entrou em luta, ou por eles foi atacada.

No século XVI, dois grandes males assolaram a Europa católica: internamente, arrebentou a revolução protestante, negando, entre outras coisas, à Santíssima Virgem o papel que Deus lhe assinalara no Universo sobrenatural; externamente, os muçulmanos em expansão ameaçavam a soberania das nações católicas. Em ambos os campos de batalha o Rosário esteve presente, mantendo na Fé católica incontáveis almas e trazendo de volta ao aprisco da Igreja ovelhas que os erros do protestantismo haviam desviado.

Na derrota do poder muçulmano, é célebre a batalha de Lepanto: a esquadra católica, sensivelmente inferior à dos infiéis, mas encorajada pela palavra de um Papa santo — São Pio V — enfrentou e venceu a poderosa frota muçulmana, invertendo definitivamente o domínio dos mares. Tal vitória ocorreu a 7 de outubro de 1571. São Pio V atribuiu-a expressamente à recitação do Rosário, e instituiu nesta data a festa de Nossa Senhora das Vitórias. Seu sucessor, Gregório XIII, para tornar mais clara a relação entre a vitória e o Rosário, intitulou-a Festa de Nossa Senhora do Rosário.

Era também a época da evangelização de novas terras, tendo os missionários levado por toda parte a devoção do Rosário. No Brasil, esta devoção encontrou filial acolhida, atraindo a proteção de Nossa Senhora logo comprovada em fatos como a expulsão dos calvinistas franceses do Rio de Janeiro, no século XVI, e de seus congêneres, os protestantes holandeses, no Nordeste, no século XVII. Nessas lutas, muitos soldados traziam o Rosário ao pescoço, e o recitavam devotamente antes das batalhas ou em agradecimento pelas vitórias nelas obtidas.

No século XVIII a Revolução Francesa tentou extirpar a fé de uma das regiões mais católicas da França: a Vandeia. Os pacíficos camponeses, pais de família modelares, transformaram-se em indômitos Guerreiros e derrotaram sucessivamente várias levas dos exércitos revolucionários. Ao peito, junto com a imagem do Sagrado Coração de Jesus, esses heroicos combatentes levavam o Rosário.

Pouco depois, as hordas revolucionárias de Napoleão encontraram tenaz resistência em vários lugares: a Espanha católica, tão afeita ao Rosário, as expulsou galhardamente; na Áustria, o grande herói católico Andreas Hoffer, articulador da resistência, recitava o Rosário com suas tropas. Tinha este hábito quotidiano desde os tempos de paz, quando dizia aos soldados que comiam com ele, poderem eles igualmente acompanharem-no na oração. O Conde Badetzky, marechal austríaco, rezava o Rosário antes das batalhas, e sempre que o fazia, saía vencedor.

Poderíamos estudar a História até os nossos dias, e veríamos sempre o Rosário nas mãos daqueles que defenderam a Fé verdadeira, encontrando nele as graças e forças necessárias.

Uma devoção dos santos

Não só para a vitória das armas cristãs o Rosário foi de uma ajuda marcante. Os Santos — heróis da virtude — que travaram batalhas mais árduas que as das armas materiais, são disso um exemplo. É comprovado terem todos os santos, que viveram depois da instituição do Rosário, recitarem-no fielmente. E é seguro que essa prática religiosa contribuiu poderosamente para os santificarem.

Santos eminentes também pela sua ciência, como São Francisco de Sales e Santo Afonso de Ligório, obrigaram-se por voto à sua recitação quotidiana. São Clemente Hoffbauer, empenhado na conversão dos pecadores, afirmava: "Cada vez que rezei o Rosário pela conversão de um pecador, foi-me concedida".

Não caberiam nos limites do presente artigo enumerar as incontáveis aprovações e estímulos da Santa Sé a esta devoção. Basta lembrar que praticamente não houve Papa que, após a instituição do Rosário, não o recomendasse. As referências de Pio IX a esse respeito são comovedoras, e Leão XIII afirma que a devoção do Rosário aumenta a virtude dos justos. Gregório XIV diz que é o melhor meio para destruir o pecado e readquirir a graça.

Uma contraprova disto constitui a atitude dos hereges de todos os tempos: atacam ou desprezam o Rosário sob os mais variados pretextos.

Nas aparições de Nossa Senhora: "Rezai o Rosário"

Em diversas aparições, Nossa Senhora encareceu maternalmente a reza do Rosário e ligou a obtenção de graças à sua recitação. Em Fátima, por exemplo, a Santíssima Virgem afirmou: "Sou a Senhora do Rosário" (aparição de 13 de outubro). Já na primeira aparição, a 13 de maio, afirmara: "Rezem o terço todos os dias, a fim de obterem a paz para o mundo"; idêntica recomendação deu aos três pastorinhos em aparições seguintes; às pessoas que, por meio dos videntes, lhe pediam graças ou curas, recomendava a recitação do Rosário como meio de as obterem.

Engolfados nos absorventes afazeres quotidianos, assaltados a cada passo por solicitações que pretendem desviar-nos dos caminhos da virtude e da adesão à Santa Igreja, reservemos ao menos uma parcela do dia à prática desta devoção tão recomendada por nossa Mãe Santíssima e pela Igreja. Tal prática nos é especialmente necessária na época atual em que o "progressismo" efetua verdadeiras devastações nas almas, cujo efeito é diminuir nelas e mesmo extinguir a devoção mariana.

(1) Doctrina Pontificia, tomo IV, Documentos marianos, edición preparada por el Padre Hitario Mavin, BAC, Madrid, 1954, p. 202. (2) Encíclica "In2ravescentibus malis", de 29-9-1937, sobre o Santo Rosário. (3) Doctrina Pontificia, tomo IV, Documentos marianos, mesmo autor, BAC, Madrid, 1954, p. 83.

A Virgem do Rosário — Pintura de Sassoferrato (1643), Basílica de Santa Sabina, Roma.

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