| VIDAS DE SANTOS |(continuação)

o bem. Nossa Mãe (Me. Inês) é uma santa, por isso Deus não lhe evita isso'. Dizia-me também que era um dever rezar pela conversão de Me. Maria de Gonzaga, e que tinha mais pena por ver a Deus ofendido do que por ver sofrer sua Mãezinha" (p. 297, n. 53).

Conquistando a santidade num ambiente relaxado

Em seus Manuscritos Autobiográficos, diz Santa Teresinha: "Deus permitiu que Me. Maria de Gonzaga, sem se dar conta, se mostrasse muito severa comigo" (p. 129, n. 4). E sublinha três vezes a palavra "severa", o que já é muito eloquente. Madre Maria dos Anjos, sua Mestra de Noviças, conta que Teresa, "quando encontrava Me. Maria de Gonzaga, não recebia senão reprimendas, que suportava em silêncio" (p. 130, n. 6). São muitos os depoimentos nesse sentido.

Como essas repreensões eram feitas em público, sem a mínima discrição, um dia Me. Inês de Jesus, conhecedora da sensibilidade de alma de sua irmã, foi abrir-se com a Priora a esse respeito. Esta lhe respondeu com calor: "Aqui está o inconveniente de ter irmãs! Desejais, sem dúvida, que Sor Teresa seja exaltada; eu devo fazer o contrário. Ela é muito mais orgulhosa do que pensais e necessita ser constantemente humilhada. E se vindes interceder por sua saúde, deixai-me agir, porque isso não toca a Vós" (p. 132, n. 12 — negritos nossos).

Eleita Priora, Me. Inês de Jesus, para apaziguar as ânsias de poder da ex-Priora, nomeou-a Mestra de Noviças. Mas deu-lhe como auxiliar Santa Teresinha, para sanar as deformações que a primeira poderia provocar em suas dirigidas. Como Sór Teresa tinha apenas 20 anos, isso provocou o ressentimento de algumas oposicionistas, chegando uma a lhe atirar no rosto que ela "tinha mais necessidade de saber-se dirigir a si mesma do que de dirigir as demais" (pp. 134-135, n. 19).

A situação de "auxiliar" lhe era muito penosa, pois tinha que cumprir seu dever sem ofender Me. Maria de Gonzaga. Esta, "quando notava que a influência da Serva de Deus era demasiado efetiva ou quando seu humor a perturbava, entrava em suspeitas e a tratava duramente" (p. 137, n. 27).

Mais tarde, após difícil eleição, Me. Gonzaga retomou o cargo de Priora, e conservou para si também o cargo de Mestra de Noviças, mantendo Santa Teresinha como auxiliar. Isso mostra que, em alguns momentos, reconhecia ela paradoxalmente o valor de Teresinha. Aliás, chegou mesmo a afirmar que "se tivesse que escolher Priora entre a Comunidade, escolheria sem hesitar a Sor Teresa do Menino Jesus não obstante sua pouca idade" (p. 158, n. 23). O que não a impedia, nas horas de ciúmes, de agir de outra forma: "Por causa da volubilidade de Me. Maria de Gonzaga, não teve Sor Teresa um instante seguro no sobredito cargo, que lhe era tirado e dado a cada quinze dias. Era necessário sempre recomeçar..." afirma Celina (p. 138, n. 34).

Para concluir, é oportuno ponderar que, quando uma alma é determinada, no mais fundo e sua alma, a ser fiel à voz da graça, esta a ajudará em sua fidelidade, por mais adversas que sejam as circunstâncias em que viva. Será para ela um doloroso martírio, como foi para Santa Teresinha que — ressalta uma de suas noviças — "não tendo outro estímulo que sua Fé e amor a Deus, vivendo num ambiente mais bem relaxado, mereceu em verdade o louvor dirigido ao justo no Eclesiástico: pôde violar a lei e não a violou, fazer o mal e não o fez" (p. 359, n. 35).

E este louvor ela o mereceu porque teve sempre presente que "é necessário conquistar a santidade à ponta da espada, é necessário sofrer, é necessário agonizar" (p. 372, n. 66), mas com os olhos sempre postos na Eternidade, fim último de todas as coisas.

(*) Citaremos esses depoimentos tal como vêm apresentados no excelente e bem documentado livro do Pe. Alberto Barrios CMF, "Santa Teresita, modelo y mártir de la vida religiosa", Editorial y Libre-ria COCULSA, Madrid, 1964, 5? edición. De cada citação mencionaremos o número da página em que se encontra na referida obra, bem como o número da nota a que se refere.

Foto da comunidade do Carmelo de Lisieux (fevereiro de 1895) em recreio, na alameda dos castanheiros. Santa Teresinha está de pé, à esquerda, tendo a sua frente uma imagem do Menino Jesus.


Página 12-13 | DISCERNINDO, DISTINGUINDO, CLASSIFICANDO |

Tudo bem, senhora Marquesa

C.A.

"...inimiga não há tão dura e fera, Como a virtude falsa, da sincera" (Lusíadas, X, 113)

EM CERTO SENTIDO se poderia afirmar que a caricatura de uma virtude é a pior inimiga dessa virtude. Em tal perspectiva, ante os males desta vida, o que mais contraria a resignação cristã, cheia de fé, confiança e fortaleza, não é o desespero, mas um otimismo estúpido e imprevidente, frequentíssimo em nossos dias, que faz as vezes de caricatura da resignação confiante.

Para o homem virtuoso, a confiança na bondade divina de. nenhum modo impede que ele veja e combata os males que o circundam. O otimista de hoje, pelo contrário, se caracteriza por fechar os olhos à realidade quando ela não lhe agrada. É um avestruz que enterra a cabeça na areia, na ilusão de assim evitar o perigo que o assalta!

Quantos e quantos, levados por essa deformação mental, não querem ver os riscos para si e para os seus — sem falar para a Pátria e para a Igreja — provenientes da guerra psicológica revolucionária, da reforma agrária (ou urbana e empresarial) socialista, da imoralidade galopante, das drogas, e de não sei mais quantos males sinistramente engendrados pela atual revolução dos costumes.

Símbolo desse estado de espírito otimista encontramo-lo, por exemplo, na expressão "tudo bem", que ultimamente se generalizou.

Há uma colisão de automóveis? Os ocupantes descem e dizem: "Tudo bem". Comunica-se a alguém que sua casa foi assaltada, ou que seu pai está doente, ele poderá responder: "Tudo bem". Expressão aparentemente inócua, mas que somada a mil outros fatores, representa um indício do falseamento moral e psicológico de toda uma época.

Esse otimismo inveterado, aviltante das almas, encontrou uma expressão graciosa na canção francesa "Tudo vai muito bem, senhora Marquesa", cuja tradução, em parte, abaixo reproduzimos. Nela fica patente a insensatez que há no otimismo a todo preço. Serve até de teste: se, ao lê-la, o leitor a considerar simplesmente engraçada, e não se sentir propenso a analisar a alta lição que ela contém, é sinal de que pelo menos a ponta da asa do otimismo contemporâneo o roçou.

* * *

Ausente há quinze dias de seu castelo, a Marquesa telefona para seu mordomo pedindo notícias, e dele recebe a seguinte resposta:

"Tudo vai muito bem. senhora Marquesa,

Tudo vai muito bem, tudo vai muito bem!

Entretanto é preciso, é preciso que eu vos diga,

Há um nadinha a deplorar,

Um incidente, uma bobagem,

A morte de vossa égua cinza.

Mas, fora isso, senhora Marquesa,

Tudo vai muito bem, tudo vai muito bem. (...)"

E nesse tom otimista prossegue a poética conversa telefônica, no decorrer da qual a Marquesa vai sendo informada, por etapas, dos "nadinhas" que ocorreram em sua ausência: a égua "morreu no incêndio que destruiu todos os estábulos", e "os estábulos se incendiaram porque o castelo estava em chamas". Até que, quase a desmaiar, ela implora um relato completo do sucedido. E assim termina a poesia:

"Pois bem, eis aqui, senhora Marquesa:

Ao saber que ficara arruinado,

Logo que voltou de sua surpresa,

O senhor Marquês se suicidou.

E foi ao cair

Que ele derrubou todas as velas,

Pondo fogo a todo o castelo,

Que se consumiu de alto a baixo.

O vento soprando sobre o incêndio,

Propagou-o para o estábulo,

E foi assim que, num momento,

Viu-se morrer vossa égua.

Mas, fora isso, senhora Marquesa,

Tudo vai muito bem, tudo vai muito bem!"


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