Gregório Lopes
A obra de Frei Betto apresenta aos estudantes, no que se refere à disciplina Organização Social e Política Brasileira, uma visão da realidade nacional deformada por princípios e critérios marxistas.
PAULO E LUIS, estudantes num colégio católico, saíam juntos da aula de Organização Social e Política Brasileira (OSPB). Desciam a escadaria interna, quando Paulo interrompeu o silêncio que já se fazia um tanto pesado.
Não gostei desse livro de OSPB (1) que o nosso professor adotou.
— Nem eu — respondeu Luís. Aliás, o autor é o Frei Betto, conhecido por suas posições marxistas anticatólicas.
Conversando, chegaram ao andar térreo, onde, bem junto à escada, se localizava a portaria de entrada do colégio. Paulo deteve-se, tirou o livro de sua pasta e, colocando-o sobre o balcão da portaria, abriu-o:
Veja aqui a afirmação de que "uma pessoa se torna criminosa, em geral porque nasce na miséria". Isto poderá ser verdade em alguns casos, mas generalizar é pura demagogia. Há até mendigo que esconde que é rico porque tem preguiça de trabalhar!
Ambos falavam com calor, e não perceberam a aproximação do porteiro que, do lado de dentro do balcão, ouvia atentamente a conversa. E em determinado momento interveio.
— Olha, moços, vocês têm razão. Quando eu tinha a idade de vocês corria um slogan que dizia "abrir escolas é fechar prisões". Eu, na época, acreditei nisso. Depois que passei a trabalhar em escolas, vi que era falso, que muito menino bom entra na escola e fica corrompido por maus professores e maus livros e, a partir daí, cai na imoralidade e até no crime.
— Pois é, seu Severino interrompeu Luís — agora já não dizem mais que é falta de instrução que faz o ladrão, mas sim a miséria. Eles inventam conforme lhes convêm. Só não aceitam a verdade que ensina a Igreja de que todo homem tem pecado original e por isso, se não se esforça para praticar a virtude, acaba fazendo o pior.
Como o telefone tocasse, o porteiro se afastou, e os dois rapazes continuaram sua conversa. Paulo dizia:
— A mim chama muito a atenção a antipatia que Frei Betto tem pela propriedade privada. É a cada passo. Diz que ela nasceu entre os índios, quando os feiticeiros, os chefes e os guerreiros de uma tribo deixaram de trabalhar e apropriaram-se do excedente do trabalho dos outros. Aí teriam nascido também as classes sociais.
— E você notou — perguntou Luís — que ele não dá nenhuma prova disso? É afirmação gratuita. É o que se chama interpretação marxista da História, mas que se poderia chamar também invencionice marxista da História. E, de passagem, ele deixa a impressão de que a origem da humanidade está em tribos de tipo indígena. Nem fala que Deus criou um casal inicial, Adão e Eva.
— É verdade. Aliás, ele parece querer que nós todos vamos para a taba. Veja, por exemplo, no Caderno de Atividades a pergunta que ele põe, sem responder: "Na sociedade primitiva os homens trabalhavam apenas na caça, na coleta de frutos e na pesca. Por que não podemos continuar vivendo desse jeito?"
— Isso para mim não é novidade. Li um livro do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (2), em que ele mostra documentadamente que essa corrente "progressista" não quer o bem dos índios, nem os ajudar a sair da barbárie, mas sim arrastar-nos para uma situação como a deles na floresta. Inclusive teríamos que apostatar da Religião de Jesus Cristo e aceitar os erros deles.
— Essa história de exaltar religiões pagãs, eu não vou na onda. Veja aqui o livro, na página 77, elogia os bororos porque usam couro de onça para fazer reza dos mortos! E note ainda as palavras que, com simpatia, ele põe na boca de um negro: "Se a gente escutasse os Orixás, evitando rivalidades, nosso povo teria resistido com a força de Xangô e a coragem de Ogum e estaria unido pela sabedoria de Ifá. Mas não escutou Xangô Agodô!" Ele quer ainda a preservação do candomblé.
— Conheço muito negro católico que ficaria indignado com essa simpatia de Frei Betto pelo paganismo que eles em boa hora abandonaram.
— Veja Luís, este livro, além de marxista; parece feito para formar ignorantes. Diz aqui: "Sem comida e sem bebida o papa (com minúscula!) não dirige a Igreja". É claro que se o Papa estiver morrendo de fome e de sede não pode dirigir a Igreja. Mas não pode também se não tiver uma inteligência normal, se não for assistido pelo Espírito Santo etc. Mas isso não conta para o Frei Betto, ele só vê o lado material.
* * *
O professor de OSPB descia à escadaria nesse momento. Padre ainda jovem, camisa esporte vermelha, aberta até o peito, calça jeans, tênis branco. Ao notar seus dois alunos conversando junto ao balcão da portaria, com o livro aberto, aproximou-se contente e, com acento nórdico, foi dizendo:
— Muito bem! Vejo que estão aproveitando as aulas. Esse livro representa o desejo dos pobres.
Os rapazes, um tanto incomodados pela súbita intervenção, não sabiam o que dizer. Paulo, sempre mais afoito, arriscou:
— Olha padre, creio que o Frei Betto não pensa como o Sr. Ele diz aqui: "Há moradores da favela conformados, acreditando que haverá sempre ricos e pobres". E no Caderno de Atividades: "A maior parte da sociedade brasileira é composta de pessoas pobres (...) que estão acostumadas a pensar de acordo com a ideologia das classes dominantes". Logo este livro não representa nem o pensamento nem o desejo dos pobres, mas sim do Frei Betto e dos de sua corrente.
As várias cores do arco-íris se fizeram ver sucessivamente no rosto claro do sacerdote. Afinal ele se dominou e disse:
— Não gosto que me chamem de padre. Sou o Prof. Hans, ou simplesmente Hans.
— Prof. Hans — disse Luís —por que este livro afirma que a ideologia capitalista "planta na cabeça das pessoas que a desigualdade social é um fenômeno natural e irreversível"? Meu pai leu recentemente uma coleção de Encíclicas em que os Papas defendem como doutrina católica isso que o autor diz que é capitalismo. Será que esses Papas estavam influenciados pelo capitalismo? O capitalismo não tem coisas boas?
O sacerdote, pouco habituado à forma de inteligência brasileira, sentia-se enfurecer. Procurou rapidamente no arquivo de sua memória algo com que responder. Mas, nos meses do curso abreviado para receber a ordenação sacerdotal que fizera, praticamente não tivera tempo de estudar a doutrina católica... Só o marxismo o atraíra, e ele o tomara como "dogma de fé". A saída que encontrou foi o insulto:
— Olha Luís, seu pai deve ser um desses que o Frei Betto diz aqui que se apropriam da "mais valia" do trabalho do operário, e a coloca na sua conta bancária.
Vários alunos haviam se retardado na escola, e agora, ao sair, fizeram roda para ouvir. Um deles interveio:
— Professor, eu acho que ficou mal para o Sr. adotar esse livro. Depois de tanto falar contra a exploração, o Frei Betto vem dizer aqui que no socialismo "ninguém pode explorar o trabalho de outra pessoa", que "o excedente produzido pelo trabalho do povo é recolhido pelo Estado e devolvido à população na forma de benefícios sociais". Isto é um absurdo, professor. A situação de carência na Rússia mostra exatamente o contrário; a miséria em Cuba e na China, também.
— Não, não — respondeu mal-à-vontade o Pe. Hans — o Frei Betto está falando aí das vantagens do modo de produção socialista em tese. Ele não está falando dos países comunistas como eles são hoje.
— Essa não, professor! — era uma voz feminina que se levantava da roda de alunos. — Nessa mesma página está escrito que "o modo de produção socialista predomina nos chamados países comunistas". A gargalhada ecoou pela escola inteira. O Pe. Hans, atrapalhado, balbuciou uma desculpa e foi saindo, não sem antes dizer:
— Pelo menos o Frei Betto é coerente!
Quando ele já se retirava, a mesma voz feminina gritou:
— Nem isso, professor. Veja aqui, ele ataca os colonizadores portugueses porque se apoderavam das terras dos índios. Então, no caso dos índios, vale a propriedade privada? Só não vale para os brancos?
A segunda gargalhada ecoou, semi-abafada pelo som ensurdecedor da motocicleta do Pe. Hans, que se preparava para partir.
Até então ninguém notara que, atraído pela algazarra, o padre diretor observava silenciosamente do alto da escada. Vestindo um clergyman preto, cabelo e barba grisalhos, era o tipo do homem que procurava dar de si uma imagem de moderado. Fora ele quem introduzira no colégio o Pe. Hans e outros professores, como a freira que lecionava educação sexual, responsáveis pela nova orientação "progressista" da escola. Mas, quando os pais vinham protestar, ele procurava por "panos quentes", fazia promessas de moderação que acalmavam os ânimos, dava a entender que não era solidário com os excessos; mas, no total, acabava protegendo os "progressistas". Era um hábil político. Ao ser notado, fez-se silêncio entre os alunos. Do alto da escada que lhe servia de pedestal; ele sentenciou:
— Vocês podem discordar do Pe. Hans e do Frei Betto, não há problema nenhum. Mas vocês precisam também deixar a eles a liberdade de ter suas opiniões políticas. Isso é democracia.
— Mas o Frei Betto defende ideias ditatoriais — disse Paulo, ousadamente. — Ele fala em democracia só para disfarçar.
— Como assim? — perguntou o diretor, já descendo os primeiros degraus.
Paulo, que tomara o livro em mãos, subiu a escada de dois em dois degraus, encontrando-se com o padre no patamar. Abriu na página 69 e leu em voz alta: "A diferença de opiniões políticas não é bem democracia. É, sim, o resultado de uma sociedade desigual, dividida em diferentes classes sociais, em que nós vivemos. O fato de os candidatos e os políticos pensarem de modo diferente uns dos outros não deve ser entendido como sinal de esplendor democrático (...) cada grupo de políticos representa um interesse de classe diferente".
— Portanto — concluiu Paulo — como Frei Betto quer acabar com a diferença de classes, ele quer acabar com a diferença de opiniões políticas. E impor apenas a opinião dele, procurando fazê-la passar, é claro, por opinião do povo. A palavra democracia, na boca dele, vale tanto quanto na de Gorbachev ou Fidel Castro, ou seja, significa ditadura de esquerda. Aqui a gente entende por que ele gosta tanto de Cuba e da Nicarágua. Lá ninguém pode "abrir o bico".
O diretor tomou bruscamente o livro das mãos de Paulo e leu em silêncio durante alguns minutos. Ouvia-se até o zumbir de um mosquito. Por fim:
—É, você tem razão. Eu vou dizer ao Frei Betto para amenizar isto na próxima edição. Nem todos são capazes de compreender o que aqui está.
Alguns alunos da roda, ao pé da escada, que tendiam para a esquerda e tinham mesmo alguma simpatia pelo Pe. Hans, desta vez ficaram escandalizados até com o padre diretor. Cochichavam entre si:
— Ele está "alaranjando" as coisas. Ditadura de esquerda também é demais. Não basta amenizar.
Numa tentativa de controlar a situação, o diretor acabou de descer a escada. Ao chegar ao centro da roda, já um aluno lhe dizia:
— O Frei Betto não dá para a gente engolir, padre. Veja só na página 79, ele ataca Pedro Álvares Cabral como invasor das terras dos índios, diz que a Religião católica é "a religião dos brancos", elogia os que respeitam "a religião da aldeia". Ele, um religioso, dizer isso... Mas então a
Religião católica não é universal? Não mandou Nosso Senhor que o Evangelho fosse pregado a todos os povos? Não é caridade para com os índios ensiná-los a sair do paganismo e da idolatria? E o Bem-aventurado Anchieta agiu mal quando não respeitou "a religião da aldeia" e converteu grande número de índios?
— É, — gaguejou o sacerdote — eu não concordo em tudo com o Frei Betto, mas vocês precisam compreender a posição dele. Ele é um defensor dos direitos humanos.
— Direitos humanos, nada —replicou Paulo, um tanto impaciente com a escandalosa proteção que, sob capa de moderação, o diretor dava a Frei Betto. — O Sr. veja aqui, no final do livro, ele transcreve a tal declaração da ONU sobre os direitos humanos e a vai comentando. Essa declaração, o Sr. sabe, é usada como bandeira por muito esquerdista. E o Frei Betto vai ainda muito além. O comentário dele é sempre na linha de justificar os países comunistas quando eles transgridem os chamados direitos