R. Mansur Guérios
UMA DAS MAIORES chagas do mundo contemporâneo é, sem dúvida, o consumo de drogas, que se alastra avassaladoramente por toda a sociedade, atingindo até as crianças, corrompendo a juventude, desagregando os lares etc.
A ninguém de bom senso ocorreria imaginar que se trata de problema circunscrito a certos setores da sociedade e que ele constitui uma ameaça apenas remota para a juventude.
Na verdade, o consumo de drogas — problema realmente circunscrito há algumas décadas — emerge pouco a pouco como um Leviatã, ameaçando o que resta de ordem e de normalidade neste triste fim de século.
A título de ilustração, convém lembrar alguns dados recentes divulgados pela imprensa: em Brasília, por exemplo, cerca de 180 mil jovens estão viciados, ou seja, cerca de 30% de todos os jovens da capital da República. Nos Estados Unidos, há uma publicação com dois milhões de leitores dedicada a ensinar o cultivo da maconha e da papoula (de cuja semente se produz o ópio). A cocaína, calcula-se, já foi provada por vinte e dois milhões de pessoas e escraviza cerca de 4,3 milhões. Sem falar no "crack", cocaína fumada e não inalada, barata, e que vicia quase infalivelmente (cfr. "Time", 15-9-86).
Embora tais dados sejam, grosso modo, conhecidos, poucos são os que analisam as causas profundas que levam alguém a procurar drogas. Causas essas diretamente ligadas à decadência espiritual e moral do mundo contemporâneo.
Em artigo intitulado "Porque a loucura da droga é lógica", Mary Kenny, do "The Sunday Telegraph", considera a escalada atual das drogas como decorrência lógica do nosso modo de vida: "A dor e o sofrimento, que eram aceitos no passado como parte integrante da herança do homem —aprofundava e melhorava o caráter — hoje, devem ser removidos o quanto antes". Cremos que "há remédio para cada doença: cada vez que temos dores físicas ou emocionais, buscamos algum tipo de droga".
Aos poucos a aceitação pura e simples não só da dor, mas de qualquer deficiência, é encarada como anomalia, masoquismo, e possivelmente uma deformação do caráter. "E empregamos drogas para remediar e diminuir a dor tanto quanto possível e consequentemente ficamos com raiva e brigamos se a droga traz alguns riscos, algum efeito colateral".
Há, porém, uma diferença moral "entre o uso de algo como a morfina para aliviar a dor, e o ópio — sua fonte — para provocar prazer intenso. Mas não é tão difícil escorregar do alívio para o vício".
A articulista bem aponta na loucura da droga, uma sede de êxtase. De fato, indiretamente ela constata que o abandono da religião e o repúdio da graça de Deus acarretam para o homem contemporâneo um vazio de fundo de alma, que "em nosso mundo" se procura preencher "com drogas". Tal constatação é verdadeira, embora, como é evidente, o caos psicológico e moral a que se vêem reduzidos os viciados em drogas divirja per diametrum da ordem interna da alma, fruto esta de graças e dons recebidos pelos santos e pelos fiéis em geral.
"A religião tornou-se cada vez mais utilitária, concernida com matérias claramente sem mística, como o Terceiro Mundo e política na Nicarágua".
"O mundo moderno tornou tudo sensivelmente agradável, confortável e fácil —por comparação — às lutas de nossos antepassados pela sobrevivência. Pouca coisa é proibida aos mais jovens. E abandonamos o que é certo para dar-lhes uma educação em que nada é negado aos desejos de seus pequenos corações".
Por outro lado, continua a articulista, "há poucos mistérios que sobraram: sexo, casamento, no passado objetos de curiosidade intensa, têm sido reduzidos a informações clínicas banais, encontradas em toda parte".
"A inteira escala dos prazeres tem sido sujeita a um aumento experimental: no passado as pessoas encontravam enorme prazer em coisas extremamente simples —uma passeio à beira-mar, um casamento familiar, uma galinha para o jantar dominical, uma ida ao circo". O receber "um relógio significava um grande passo para a vida adulta. E na infância de minha mãe, uma boneca especial poderia traduzir-se em anos de alegrias e em recordações para toda a vida. Para a maior parte das crianças de hoje há muito poucas privações: galinhas e batatinhas nada representam e elas têm visto, de qualquer modo, tudo o que pode deslumbrá-las na TV. Assim o que resta? Naturalmente drogas".
Esta constatação da articulista é de grande importância. De fato, quando não se encontra mais alegria nos pequenos prazeres inocentes da vida, começa-se a rolar pelo despenhadeiro dos prazeres intensos que viciam e se requintam sempre mais, sem nunca satisfazerem plenamente. A droga é, na realidade, um patamar bem adiantado dessa verdadeira escravidão do demônio.
"Talvez seja um escândalo que sejamos flagelados pelas drogas, mas é também uma consequência lógica do modo pelo qual modelamos nossa civilização". Procuramos eliminar "todas as dificuldades, dores, e o folclore próprio da vida, tornando tudo agradável, fácil e confortável, nada deixando a mais do reino da dor, da alegria, da descoberta e do êxtase espiritual senão o desafio das sensações alucinatório.", conclui a articulista.
Certamente não será exagero afirmar que, a continuar como vai, o uso de drogas, mais depressa ou mais devagar, levará à ruína da humanidade, se alguma outra causa não sobrevier que altere profundamente o curso dos acontecimentos.
As barreiras até agora levantadas contra esse flagelo não ilude ninguém. O combate desenvolvido contra esse mal, baseado quase sempre na repressão — e que é necessária, digna de todo aplauso, — é, entretanto, de uma eficácia duvidosa quanto a seus resultados. Essas barreiras podem amortecer a onda e retardar seu progresso em alguma medida, salvando algumas vítimas. O que é louvável e até altamente louvável. Mas não basta.
Aflora assim uma questão: existe um modo de acabar com o consumo de drogas, além da repressão, evidentemente legítima e útil, mas que raras vezes resolve?
Para responder a essa pergunta é preciso ir ao âmago do problema e buscar a causa pela qual o homem, em nosso século, tanto procura as drogas. Aí então indagar: como eliminá-la? É curioso notar que esta importação fundamental, a única razoável ante o problema, praticamente está ausente. Por quê?
Desde os albores da razão até o fim da adolescência o homem vai formando suas ideias, mais ou menos definidas, instintivas, raciocinadas, influenciadas por esta ou aquela doutrina a respeito da vida. Sendo jovem e tendo diante de si uma vida provavelmente longa a percorrer, ele quer saber o que o aguarda nessa caminhada. Ele discerne desde logo que a vida apresenta,
ALGUNS DADOS SOBRE A REPRESSÃO DE DROGAS NO BRASIL
EM DECLARAÇÕES à reportagem de "Catolicismo", o delegado da Polícia Federal em São Paulo, Dr. José Augusto Bellini, titular do Setor de Repressão de Entorpecentes, informou que a droga mais consumida no Brasil atualmente é a cocaína (um alcaloide, estimulante, extraído das folhas da coca, planta originária da América do Sul).
Só no ano de 1986, no Estado de São Paulo, o mencionado setor apreendeu 561 kgs. de cocaína pura. Tal volume não deixa de ser bastante expressivo, pois essa droga é comumente misturada a outras substâncias, visando o aumento de volume e, como é consumida em pequenas quantidades, atinge grande número de viciados.
Além disso. pela Delegacia Estadual de Investigações Criminais (DEIC), foram apreendidos, no Estado de São Paulo, nos anos de 84, 85 e 86, respectivamente, 18,293 kgs., 12,908 kgs., e 42,121 kgs. de cocaína; 543,211 kgs., 2.307,587 kgs e 1.270,535 kgs. de maconha.
Segundo folheto distribuído pelo DEIC, do Estado de São Paulo, aquele alcaloide é de "tal maneira nocivo que, mesmo após a cura de desintoxicação, o cocainômano não se recupera das graves lesões causadas em seu sistema nervoso".
Agrava ainda mais o fato de que "os efeitos da cocaína transmitem-se aos descendentes, e consequentemente, podem afetar toda uma raça".
A respeito dos efeitos maléficos da maconha, "Catolicismo" publicou instrutivos artigos, nos números 372 e 373 respectivamente, dezembro de 1981 e janeiro - de 1982, desfazendo o mito de que, por ser droga "leve", a maconha (ou marijuana), poderia ser liberada.
Eis um exemplo das consequências produzidas pela assim chamada droga "leve". Percebe-se pela foto que o toxicômano está numa faixa de idade na qual, normalmente, cinco anos pouco representam. Entretanto, o envelhecimento precoce causado pelo uso da droga é patente.