HOUVE UM VARÃO de vida venerável, bendito pela graça e pelo nome, dotado desde a sua mais tenra infância de uma cordura de ancião. Com efeito, antecipando-se, pelos seus costumes, à sua idade, jamais entregou o espírito a nenhum prazer, e pelo contrário, estando ainda nesta terra, podendo gozar livremente dos bens temporais, desprezou o mundo".
Assim começa o grande Papa São Gregório Magno a historiar a vida de São Bento, o Patriarca dos monges do Ocidente, hoje considerado o Patriarca da Europa, em seu célebre "Líber Dialogorum", no qual narra a vida e milagres dos santos italianos do século VI (*).
Quem atualmente visita Subiaco (Itália), tem a impressão de que naqueles montes, naquelas vastidões, São Bento acaba de falar, sua palavra como que ainda ecoa com uma sonoridade que não desaparece — como as coisas de Deus que se repetem —não fatiga.
São Bento nasceu na região de Núrcia, por volta do ano 480, numa família abastada da antiga nobreza de Roma. Desprezando os estudos literários — vendo que no caminho das letras e das ciências muitos se deixavam rolar pela rampa dos vícios — abandonou a casa e os bens paternos, e desejando somente agradar a Deus decidiu tomar-se monge.
Quando concebeu a ideia de retirar-se para a contemplação, apenas sua ama o seguiu. Chegando à cidadezinha de Affile ficou sua ama desolada pois, havendo obtido emprestada uma joeira (peneira grande) para limpar o trigo, esta se quebrara por sua imprudência. São Bento, compadecido com a dor da ama, pegou os dois pedaços do objeto e retirou-se para rezar. Ao levantar-se da oração encontrou a joeira inteira, e sem nenhum sinal de que se tivesse partido. Era o primeiro milagre do Santo.
A notícia se difundiu como um relâmpago, causando grande admiração e turbando aquele começo de contemplação. Bento preferiu, então, as solidões de Subiaco, onde manavam águas frescas e límpidos.
Ali, encontrou São Romano — ancião até mesmo na virtude — que lhe impôs o hábito de monge e o serviu no que pôde. Assim se retirou o Varão de Deus a uma pequena gruta onde permaneceu durante três anos ignorado pelos homens, exceto pelo monge Romano, que do alto de uma rocha costumava fazer baixar por uma cesta, atada a uma corda, o pão para Bento.
Um dia apresentou-se lhe o tentador!
Uma pequena ave negra começou a esvoaçar à volta do seu rosto. Traçando o Santo o sinal da cruz a ave se afastou.
Seguiu-se então uma violenta tentação da carne, como o Santo Varão jamais havia sentido.
Iluminado subitamente pela graça, arrojou-se sobre um espesso matagal de silvas e urtigas que crescia perto, tendo-se revolvido durante muito tempo sobre as pontas dos espinhos e os ardores das urtigas, saindo dali com o corpo todo chagado. Assim pelas feridas do corpo curou a ferida da alma, pois trocou o deleite pela dor.
Desde aí, segundo ele mesmo costumava contar a seus discípulos, de tal modo ficou enfraquecida a tentação da voluptuosidade, que jamais voltou a sentir nada semelhante.
Por duas vezes tentaram envenená-lo
Já então a fama de sua exímia santidade tornara o seu nome célebre. Não longe dali havia um mosteiro, cujo Abade falecera, o que levou todos os monges a se dirigirem ao venerável Bento pedindo-lhe, com insistência, que os governasse. Este, durante muito tempo, negou-se dizendo que os seus costumes não seriam compatíveis com os costumes transviados deles.
Entretanto, após muitas instâncias, deu o seu assentimento e impôs naquele mosteiro a observância do caminho da perfeição.
Dando-se então conta os monges de que sob o governo de São Bento não lhes seriam permitidas, como outrora, coisas ilícitas, e como a vida dos bons se torna intolerável aos homens de costumes depravados, tramaram sua morte. Depois de decidi-lo em conselho, em seu cálice, ao vinho acrescentaram veneno.
Quando, segundo os costume do mosteiro, o copo de cristal, que continha a bebida envenenada, foi apresentado a São Bento para que o abençoasse, o mesmo se quebrou ao fazer o Santo o sinal da Cruz.
Compreendeu, pois, o Varão de Deus que devia conter uma bebida de morte o que não tinha podido suportar o sinal da vida. E reunindo todos os monges lhes disse: "Por que quisestes fazer isto comigo? Não vos disse com antecedência que eram incompatíveis os meus costumes com os vossos? Ide e buscai um pai de acordo com os vossos caprichos, porque daqui por diante não podereis mais contar comigo".
Voltou, pois, ao lugar de sua amada solidão, e habitou só, na presença do Altíssimo.
Como o Santo ia crescendo em virtudes e milagres, muitos naquela solidão se congregaram para o serviço de Deus onipotente. Foi nessa época que Evício e Tértulo, varões do patriarcado romano, encomendaram os seus filhos Mauro e Plácido aos cuidados do Santo.
Certo dia, enquanto o venerável Bento estava em sua própria cela, Plácido saiu para buscar água num rio, e ao submergir na água a vasilha que levava consigo, caiu sendo arrastado pela corrente.
O Varão de Deus, dando-se conta do que ocorria, chamou imediatamente Mauro e lhe disse:
"Corra irmão Mauro, pois aquele menino que foi buscar água caiu no rio e a corrente o arrasta".
E, coisa admirável e insólita desde o Apóstolo São Pedro, Mauro, julgando que caminhava sobre a terra firme, correu sobre as águas até ao lugar onde a corrente tinha arrastado o menino; e pegando-o pelos cabelos, voltou rapidamente.
De regresso ao convento, narrou tudo ao venerável Bento que atribuiu o fato não aos seus próprios méritos, mas à obediência do discípulo. Mauro, pelo contrário, sustentava que aquilo era apenas efeito da ordem de Bento.
Foi Plácido, então, o árbitro desta contenda de humildade mútua, dizendo: "Eu ao ser tirado das águas, via sobre a minha cabeça a melota do Abade e via que era ele quem me tirava das águas".
Como é peculiar aos maus invejarem nos outros a virtude que eles mesmos não desejam, um Presbítero, chamado Florêncio, incitado pela malícia do demônio, começou a invejar as ações levadas a cabo pelo Santo, a difamar sua vida e a afastar de Bento quantos podia.
Obcecado pelas trevas desta inveja, chegou a ponto de enviar ao Servo de Deus um pão envenenado, como presente. O Varão Santo o aceitou com ações de graças, mas percebeu o mal escondido no pão.
À hora da refeição, costumava vir um corvo que tomava alimento da mão do Santo. Tendo vindo como de costume, o Varão de Deus deitou ao corvo o pão que o Presbítero lhe tinha mandado, e lhe ordenou: "Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, toma este pão e joga-o num lugar em que não possa ser achado por nenhum homem". Então o corvo, abrindo o bico e estendendo as asas, começou a esvoaçar e a grasnar em torno do pão como se quisesse dizer que queria obedecer, mas não podia cumprir o que lhe tinha sido mandado. Entretanto São Bento lhe ordenava de novo, dizendo: "Toma, toma-o tranquilamente e atira-o a um lugar onde não possa ser achado".
Por fim o corvo tomou o pão com o bico e levantando voo se foi. Três horas depois voltou e recebeu das mãos do Varão de Deus o sustento costumeiro.
Foi por essa época que São Bento se dirigiu a um lugar chamado Monte Cassino. Existira ali um templo antiquíssimo no qual os gentios cultuavam Apolo. Em redor tinham crescido bosques para o culto dos demônios, no qual se ofereciam vítimas sacrílegas.
Ao chegar, o Varão de Deus destroçou o ídolo, deitou por terra o altar onde se faziam os sacrifícios e cortou pela raiz os bosques, construindo no próprio templo de Apolo um oratório em honra de São Martinho, e no lugar onde estava o altar pagão erigiu outro oratório a São João.
Com sua pregação atraía para a fé a população que habitava aquelas regiões. Por isso o demônio lhe aparecia, e com grandes gritos se queixava da violência que tinha que padecer por sua causa; e de tal maneira gritava que até os monges, que não o viam, ouviam os seus berros.
São Gregório Magno continua a historiar a vida de São Bento, contando que o
Sobre o "Sacro Speen" foi construído, a partir do século XI ao XIV, um complexo de capelas enxertadas no rochedo como um "ninho de andorinhas", segundo a expressão do Papa Pio II.
O "Sacro Speco", a "Caverna sagrada" onde São Bento permaneceu durante três anos como eremita; vê se, na foto, a imagem do Varão de Deus e a reprodução da cesta titilada por São Romano para fazer-lhe chegar o pão.