Varão de Deus passou a gozar também do espírito de profecia.
Assim, narra ele, que o Rei dos Godos, Tolila, ouvira dizer que São Bento gozava do espírito de profecia. Dirigindo-se então ao mosteiro, fez-se anunciar, tendo recebido aviso de que podia aproximar-se.
Pérfido de espírito como era, quis certificar-se, na realidade, o Varão de Deus tinha espírito profético. Pegou então um escudeiro, chamado Rigo, emprestou-lhe o seu calçado, vestiu-o com a indumentária real, e lhe ordenou que comparecesse diante do Varão de Deus como se fosse o Rei.
Quando Rigo chegou ao mosteiro, ostentando as vestes reais e rodeado de numeroso séquito, estava o Varão de Deus sentado a considerável distância. Vendo-o chegar, gritou-lhe dizendo: "Filho, tira isso que levas; não é teu". Rigo caiu imediatamente em terra e ficou tomado de temor, por haver tido audácia de burlar-se de tão grande Santo; e todos os que com ele tinha ido ver o homem de Deus, caíram consternados em terra. Ao levantar-se não se atreveram a aproximar-se de São Bento, e voltando ao seu Rei lhe contaram, tremendo, a rapidez com que tinham sido descobertos.
Então Tolda foi pessoalmente ver o Santo. Não se atreveu, entretanto, a aproximar-se dele e se prostrou em terra. O Varão de Deus disse-lhe três vezes que se levantasse, mas como o Rei não ousava fazê-lo, Bento, Servo de Jesus Cristo, dignou-se acercar-se daquele que permanecia prostrado; levantou-o do solo, repreendeu-o por seus desaforos, e em poucas palavras lhe anunciou, de antemão, todas as coisas que lhe sucederiam, dizendo: "Fazes muito mal e muito já fizestes; já é hora de pordes fim a tua iniquidade. Entrarás por certo em Roma, atravessarás o mar; reinarás durante nove anos e ao décimo morrerás".
O Rei, visivelmente aterrado, ao ouvir tais palavras, pedindo-lhe orações, retirou-se da sua presença; e desde então se mostrou menos cruel. Não muito tempo depois entrou em Roma, foi à Sicília, e no décimo ano do seu reinado, por um juízo de Deus, perdeu o reino com a vida.
São Bento não só fez milagres de todos os tipos, não só profetizou, mas também ressuscitou.
Certa feita, saíra São Bento com os irmãos para os trabalhos do campo, quando chegou ao mosteiro um homem levando nos seus braços o corpo de seu defunto filho.
Naquele preciso momento, regressava o Varão de Deus juntamente com outros monges. O camponês pôs-se então a bradar: "Devolve-me meu filho! Devolve-me meu filho!" Ao ouvir tais palavras o Varão de Deus se deteve e lhe disse: "Porventura, tirei-te o teu filho?" Ao que aquele respondeu: "Morreu, vem ressuscitá-lo".
São Bento fincou então os joelhos em terra, prosternou-se sobre o corpo do menino, e levantando-se logo ergueu as mãos ao Céu, dizendo: "Senhor, não olheis os meus pecados, mas a fé deste homem que pede que se ressuscite seu filho, e fazei retornar a este corpo a alma que dele tiraste".
Mal terminou as palavras desta oração, a alma do menino voltou ao corpo. Tornou-o então São Bento pela mão e o devolveu vivo e incólume a seu pai.
São Bento que brilhava assim pelos seus milagres resplandeceu, de maneira não menos admirável, pela sua doutrina, pois escreveu uma regra para monges, notável pela sua discrição e clara na sua linguagem, que atravessou os séculos e inspirou inúmeras outras regras de Ordens monásticas.
Se alguém quiser conhecer mais profundamente sua vida e seus costumes, poderá encontrar no próprio ensinamento extraído da regra o fundamento das ações que praticava, porque o Santo Varão de modo algum pôde ensinar outra coisa senão o que ele mesmo viveu.
No ano em que haveria de sair desta vida, anunciou o dia de sua santíssima morte a alguns discípulos que viviam com ele e a outros que moravam longe.
Seis dias antes de morrer mandou abrir a sua sepultura. Em breve foi atacado por umas febres. Ao sexto dia da doença se fez levar pelos seus discípulos ao oratório e ali se fortaleceu para a saída deste mundo com a recepção do corpo e sangue do Senhor; e apoiando os seus débeis membros nas mãos dos discípulos, permaneceu de pé com as mãos levantadas ao Céu, e exalou assim o último suspiro em meio às palavras da oração.
No mesmo dia, dois de seus discípulos, um que se encontrava no mosteiro e outro longe dele, tiveram idêntica revelação. Viram, com efeito, um caminho adornado de tapetes e resplandecente de inúmeras lâmpadas que se dirigia desde o mosteiro diretamente ao Céu, pelo lado do Oriente. No cume, um personagem com aspecto venerável e resplandecente lhes perguntou se sabiam o que era aquele caminho que estavam contemplando. Eles responderam que ignoravam. Então lhes disse: "Este é o caminho pelo qual Bento, o amado do Senhor, subiu ao Céu".
No lugar em que havia sido demolido o altar de Apolo, no oratório de São João Batista que ele mesmo tinha edificado, foi sepultado São Bento. Aqui, como na gruta de Subiaco, onde havia habitado, resplandece pelos seus milagres até os dias de hoje.
De fato, impera ainda em Subiaco aquela atmosfera de paz beneditina, que contém dentro de si uma dupla noção: a de eternidade que existe extrinsecamente a nós e que, no fundo, vem do próprio Deus Nosso Senhor; e a noção daquilo que é como que perene dentro da criação, porque destinado a atravessar a História do mundo de ponta a ponta, até que esta termine e desague na eternidade como um rio desagua no mar.
Essa paz — essa serenidade beneditina — é extra temporal. Ainda mesmo quando cuida de coisas temporais, ela é uma atitude que se torna possível em vista de um horizonte muito maior do que o simples horizonte terreno, mas que não é o puro horizonte celeste.
Faz parte da paz beneditina o cercar-se das coisas terrenas boas e até ótimas, adequadas a seu fim, e considerá-las em função de altas perspectivas. Estabelece-se assim algo por onde se simboliza com seres criados, aquilo que se está vendo na ordem do incriado; produz-se então um ambiente visível que é o espelho do ambiente invisível de eternidade estável, incomovível, inabalável, superior, séria, contemplativa, que se tem diante dos olhos.
Essa serenidade é como que um aquário interior no qual vive o beneditino, e que nada toca: nem a pior invasão dos bárbaros, nem as heresias mas abjetas, nem as revoluções mais celeradas, nem o consumismo mais diabólico.
De maneira que na dor, na alegria, como em tudo o mais, há uma zona interna da alma que não se engaja; participa, se interessa a fundo, mas não se deixa afetar.
Não é uma quebra de personalidade, é uma amplitude da personalidade.
Assim é a amplitude do varão — beneditino ou não — que tenha compreendido isso. Ele é cheio de tendências para algo de eterno, de solene, de bondoso, que o fascina sem o cansar, absorvem-no sem o roubar, em que ele se sente tanto mais ele mesmo quanto mais se engolfa nesse espírito de serenidade e de paz beneditinas.
Essa graça beneditina irradiou-se pela formação de um estado de espírito contra o qual todo o resto de paganismo romano e de recém-chegadas selvagerias bárbaras não puderam resistir. Era uma graça, uma espécie de aroma espiritual, que impregnava toda a Idade Média. Assim, por exemplo pode-se dizer que até a casa do trabalhador manual-daqueles tempos, construída toda com madeira, refletia essa graça de São Bento; graça de estabilidade, de seriedade, de lógica, de delectação da boa ordem das coisas simples e elementares, funcionando na sua limpeza e na sua dignidade.
Naqueles primórdios da Idade Média, em que o sol da Cristandade vinha nascendo, é impressionante constatar como já se vislumbrava que adversários medonhos os bárbaros, as ofensivas dos mouros etc. — ela teria que arrostar. Mas havia uma luz que iria vencer aquelas trevas. Percebia-se, no fundo, que Deus então se comprazia com o comum da humanidade e que Ele dava novas graças, rutilantes, profundas e abundantes. As misericórdias d'Ele como que não conheciam nenhum tipo de retração. Pelo contrário, sua ação dadivosa e a doçura d'Ele iam tomando um colorido e uma luz cada vez mais intensos. Por exemplo, mesmo em pessoas que não conheceram São Bento e que lhe eram até pouco anteriores, embora contemporâneas, como Clóvis, Rei dos Francos, parece vislumbrar-se tal graça. Tem-se a impressão que Santa Clotilde, esposa do monarca, e que o converteu, participava dessa mesma graça. E que Clóvis, quando falava do "Deus de Clotilde", era uma graça desse gênero que recebia.
Embora, historicamente, essa clave da civilização cristão europeia possa não ter vindo sempre de São Bento, é certo que a tintura-mãe dessa graça — característica de tal civilização — ele a representou melhor do que ninguém.
Com a recusa do mencionado espírito, no fim da Idade Média, começou o processo revolucionário de fundo gnóstico e igualitário, que se vem desdobrando ao longo dos séculos, num processo de destruição da civilização cristã.
Esta reluziu com esplendores especiais no auge da referida era histórica, tempo em que, como descreveu Leão XIII na Encíclica "Immortale Dei", "a filosofia do Evangelho governava os Estados". E acrescenta o Pontífice: "Nessa época, a influência da sabedoria cristã e sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas ar relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artificio algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer".
Depois de um longo processo revolucionário chegamos a 1987. Estamos a menos de 13 anos, não da passagem de um século, mas da mudança de um milênio. Depois que o Sol de Justiça, o Príncipe das Nações, Nosso Senhor Jesus Cristo se encarnou e habitou entre nós, nascidos de uma Virgem, a História se dividiu. Os acontecimentos passaram a ter como marco Aquele que é o Rei do Céu e da Terra. "Antes de Cristo" e "depois de Cristo", assim se dividem eles. É por assim dizer, a dois passos do início do terceiro milênio depois de Cristo que nos encontramos.
A humanidade caminha para a realização dos acontecimentos profetizados por Nossa Senhora de Fátima, acontecimentos estes que serão coroados com o Reino de seu Sapiencial e Imaculado Coração, anunciado também por Ela com estas palavras cheias de luz para os homens de Fé: "Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!"
E, com certeza, neste Reino do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria, São Bento, o Patriarca da Europa, através do espírito com que marcou sua ordem, não poderá deixar de ter um grande papel.
J. Clã Dias
O jovem Bento, tendo se retirado para as solidões de Subiaco, encontrou-se com São Romano que lhe impôs o hábito de monge.
Por ordem de São Bento, seu discípulo Mauro caminhou sobre as águas do rio e salvou o jovem Plácido, que era arrastado pela correnteza.
Rigo, escudeiro do Rei godo Toda, tentou enganar o Varão de Deus. Desmascarado por este, caiu em terra aterrorizado.
São Bento pediu a Deus que ressuscitasse o menino, cuja alma, após a fervorosa oração do Santo, voltou ao corpo.
Vitimado por doença mortal, São Bento recebeu a Santa Comunhão, e permanecendo de pé, exalou o último suspiro em meio às palavras da oração.