P.14-15 | DESFAZENDO MITOS REVOLUCIONÁRIOS |

Duas crises opostas

Luís Menezes de Carvalho

AGRAVA-SE A CRISE na produção de alimentos dos principais países capitalistas desenvolvidos. Mas não pense o leitor que se trata de unia versão internacional de nossa crise do "boi gordo". Afinal, não é qualquer nação que consegue "produzir" falta de carne, possuindo o maior rebanho de gado de corte do mundo. Não, a crise deles é o contrário da nossa e soa como algo surrealista a ouvidos de brasileiros: a crise deles é de superprodução. Ninguém sabe o que fazer com tanto alimento, já não há local para guardar tanta produção excedente. E como resultado, os preços internacionais caíram vertiginosamente.

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Curiosamente, nossa imprensa pouco tem abordado esse tema que abala o mito esquerdista e "progressista católico" da fome que estaria a ameaçar o Brasil e o mundo, e em nome da qual seria necessária uma "urgente" Reforma Agrária socialista. A realidade é bem diferente: não há mercado para consumir tanto alimento e daí a crise. Antigos grandes importadores, ou cessaram de importar, ou passaram a exportadores, por terem seguido o mesmo caminho dos países capitalistas: até a socializada índia — que não socializou sua agricultura —com seu 750 milhões de habitantes, passou a exportar alimentos. A desértica Arábia Saudita parece ter feito florescer seus desertos, e, no ano passado, teve excedentes de cereais. E ainda o país mais povoado do planeta, a minúscula ilha de Taiwan, com 520 habitantes por km2 (1983) tomou-se exportadora de alimentos. Um dos casos mais incríveis é o Japão com mais de 120 milhões de habitantes apertados em suas estreitas ilhas: a terra do sol-nascente tomou-se autossuficiente em arroz, seu alimento básico. Apesar dos nipônicos consumirem mais de 11 milhões de toneladas de arroz, há tanto excedente desse produto que o governo está pagando muitos agricultores para não produzirem arroz (1).

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Nos Estados Unidos a crise é maior, como tudo naquela nação. A produtividade agrícola que já era alta, tem aumentado. E vários antigos importadores de alimentos norte-americanos tornaram-se autossuficientes, ou exportadores. Tomemos um produto qualquer como exemplo: o milho. A gigantesca safra de milho de 1986 foi de 288 bilhões e 886 milhões de litros. Não só não há condições de tanto milho ser consumido, como não há silos e armazéns suficientes para estocá-lo. É que eles ainda estão cheios com os excedentes da safra anterior. Os Estados Unidos já tinham estocada a cifra fantástica de 12 bilhões e 200 milhões de bushels de milho. Cerca de 2.000 barcaças da navegação fluvial foram alugadas para estocar a nova safra, enquanto não se descobre o que fazer com ela. O governo planeja gastar no ano em curso cerca de 2 bilhões de dólares em pagamentos a fazendeiros de milho para não plantarem nada, deixando suas terras vazias. Para se ter uma ideia do volume do milho excedente, basta dizer que ele forma ria uma montanha quadrada de um quilômetro de comprimento em cada face, por cerca de 166 metros de altura! (2)

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Mas a Europa Ocidental não fica atrás: só em 1986, os países do Mercado Comum ficaram com excedentes de 16 milhões de toneladas de cereais, 375 milhões de galões de vinho, 645 mil toneladas de carne, além de montanhas de manteiga e ovos, lagos de leite, pirâmides de queijos etc. Só a estocagem desses alimentos excedentes custa 5 milhões de dólares por dia. Em alguns lugares, para economizar na estocagem, está-se jogando manteiga para os porcos! Mas o pior ainda está por vir: como se preveem safras ainda maiores em 87, calcula-se que sobrarão cerca de 80 milhões de toneladas, que se somarão aos já enormes excedentes atuais. Isso tudo irá custar mais de 3 milhões de dólares por ano só para guardar. E isso ocorre numa região superpovoada, com relativamente poucas terras usadas para a agropecuária. (Na Alemanha Ocidental, por exemplo, só 33% das terras são aráveis) (3).

A CRISE DA AGRICULTURA COMUNISTA

Esses excedentes estão aumentando apesar do esforço de exportação e do envio de alimentos como ajuda internacional. Só para a Etiópia marxista e faminta, a Europa Ocidental enviou mais de 2 milhões de toneladas de cereais. Os Estados Unidos possuem há anos um grande programa nesse campo. O "Alimento para a Paz"

O único grande escoamento para a agricultura capitalista apoplética é a perpetuamente falida agricultura comunista. O bloco comunista é o grande importador de alimentos que resta no mundo e nessa bancarrota agrícola, como em tudo mais, é liderado pela Rússia.

Esta teve de importar nada menos que 50 bilhões de grãos em 1984, e isso para garantir um abastecimento precário, como agora reconhece a própria imprensa vermelha (4).

Mas para avaliar todo o alcance do fracasso comunista convém lembrar que a Rússia foi, na época czarista, o "celeiro da Europa", pois era o maior exportador de cereais. Por exemplo, em 1894 ela exportou 617.242.000 de poods (mais de 10 milhões de toneladas). Além disso, possui as fertilíssimas terras negras da Ucrânia e contém mais terras aráveis do que os Estados Unidos (5).

Só mesmo o comunismo consegue realizar a "proeza" de manter uma produtividade baixa com todos esses fatores positivos. Tal "proeza" aliás, repete-se nos demais países marxistas, na seguinte proporção: quanto mais radical for a aplicação da doutrina comunista, tanto pior será a produção. China e Hungria que admitiram certos elementos da economia de mercado, foram beneficiadas com um aumento da produção.

Nas mais radicais nações do mundo comunista como, por exemplo, Cuba — paraíso de Frei Betto e do Lula — anunciou-se há pouco que o racionamento de alimentos será ainda mais rigoroso do que já é. O 'Vietnã reconheceu, afinal, a situação de desastre de sua agricultura. E mesmo o nosso Portugal, até hoje não conseguiu refazer da desastrosa Reforma Agrária que lhe foi imposta pouco depois da "revolução dos cravos". Portugal tem de importar entre 50 a 70% de suas necessidades alimentares (6).

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Mas a crise do excesso de alimentos produzidos pelos países capitalistas continua, pois o bloco comunista não pode importar mais porque tem problemas de divisas. Assim sendo, não se vê solução a curto prazo para o problema.

Nossa burocracia estatal certamente poderia obter alguns dólares a mais para o País exportando seu know-how para as nações capitalistas. Num abrir e fechar de olhos ela criaria tal confusão na economia de países desenvolvidos que qualquer crise de excesso de produção transformar-se-ia em crise de escassez...

(1) "The Economist", Londres, 18-10-86, p. 78. (2) "U.S. News and World Report", 24-11-86, p. 47. (3) "Newsweek", N.Y., 8-12-86, p. 40 (4) "Folha de S. Paulo", 27-12-86. (5) "Russia and its crisis", Paul Milikow, Collicr, N.Y., 1962, p. 333. (6) "The Economist", Londres. 18-10-86, p. 50.


| PERU |

No Peru: artificialismo do jogo político favorece esquerda

Carlos Bueno

LIMA — Ainda hoje, o fundo de quadro da situação política peruana continua sendo a obra de destruição da sociedade e da economia do país andino, levada a cabo nos anos 68 a 75, pela ditadura pró comunista do general Velasco Alvarado. Obra que foi mantida intacta, ou agravada em vários aspectos, pelos governos que lhe sucederam.

Naqueles anos realizou-se a reforma agrária socialista que deixou como sequela a subprodução de alimentos, produção que está reduzida hoje a 50% per cápita do que era até 1%. Entre os insondáveis efeitos negativos dessa reforma contam-se o abandono de terras produtivas, a migração torrencial do campo à cidade, o desemprego, subemprego e delinquência crescentes, como também a queda em mais da metade dos índices de nutrição.

Paralelamente a essa e outras reformas, criou-se um clima demagógico de luta de classes e favoreceu-se as organizações políticas e sindicais marxista-leninistas, as quais continuam fermentando a população. Até o ano de 1968, a esquerda marxista tinha no máximo 5% do eleitorado, e desde 1978 — nas eleições para a Constituinte — oscila por volta de 30% na capital e 20% no resto do país.

Por outro lado, a autogestão era oficialmente apresentada como destinada a ser hegemônica na economia peruana. O notável fracasso das primeiras destas empresas — chamadas de "propriedade social" — as desqualificou imediatamente. Outras reformas socialistas — na indústria, na mineração, na pesca, e o confisco da imprensa diária - foram implantadas com mão de ferro sobre a população, tendo-se em vista organizá-la revolucionariamente em grandes organismos de "mobilização social".

O descontentamento tornou-se muito grande. Em várias ocasiões o povo incendiou as repartições públicas. Durante o posterior governo de transição do general Morales Bermúdez (1975-1980), elaborou-se uma Constituição sob forte pressão, com vários traços socialistas. As eleições gerais diretas de 1980 concederam uma cômoda vitória, com 47% dos votos, ao arquiteto Belaunde Terry, o presidente que havia sido deposto pelo golpe de Velasco, em 1968.

Sem embargo, Belaunde deixou intacta, de modo geral, toda a obra agro reformista e socialista de seus imediatos antecessores. A situação econômica agravou-se dramaticamente, e ele pagou a conta da destruição levada a cabo por Velasco, pois seu partido, nas eleições gerais de 1985, obteve apenas 5% dos votos, reduzindo-se, portanto, a um décimo de seu eleitorado de 80.

A ocasião foi aproveitada cuidadosamente pelo Apra, antigo partido social-democrata com grande variedade de matizes internos, o qual, em todo caso, continua sendo considerado como tendo consumado as reformas socialistas. Colocou essa agremiação política muitos velasquistas em importantes postos do governo. Sua política exterior tende a um apoio incondicional ao marxismo sandinista, na América Central e, em geral, a uma atitude anti-norte-americana de inspiração não abertamente marxista.

Neste contexto, o terrorismo do Sendero Luminoso e outros grupos faz aparecer como moderados os esquerdistas radicais que participam do jogo eleitoral.

A crise econômica, entretanto, ameaça agigantar a médio prazo, com a qual seria muito possível a futura vitória eleitoral da aliança 'Izquerda Unida" (IU), composta por partidos comunistas de várias tendências, elementos vinculados à Teologia da Libertação, e outros grupos esquerdistas. A menos que o setor de centro direita do país comece a exercer uma oposição inteligente, descendo em suas críticas ao fundo dos assuntos e esclarecendo amplamente a população. Apesar de todo o esforço das forças revolucionárias, esta, em linhas muito gerais, continua sendo católica e moderada.

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