Carlos A. Soares Correa
OS RESULTADOS do pleito eleitoral de 25 de janeiro, apresentaram aspectos dignos de uma análise mais detida.
As eleições germânicas, antes de tudo, consistiram num brado de alerta para os grandes partidos. Não só para o SPD,Partido Social Democrata, esquerdista, que perdeu terreno — é bom ressaltar —pela segunda vez consecutivamente. Mas também para a coligação de centro-direita formada pelos partidos Democrata Cristão (CDU), Social Cristão (CSU) (a Democracia Cristã da Baviera) e que com o apoio do Partido Liberal, está no poder há 4 anos. tal coligação vem exercendo uma política objetável. Sobretudo no plano agrícola, desestimulando os produtores rurais devido a posição débil que tem assumido em relação ao Mercado Comum Europeu.
Essa coligação (CDU/CSU), liderada pelo Chanceler Helmut Kohl, que já era apontada como vencedora nas pesquisas de opinião, — até com a possível obtenção da maioria absoluta, que dispensaria então o apoio dos liberais — perdeu na verdade 2 milhões e 200 mil votos. Segundo a revista londrina "The Economist", em sua edição de 31-01-87, tal perda foi causada pela transferência de 800.000 votos para o Partido Liberal, pela abstenção de 800.000 eleitores, observando ainda a referida publicação que "400.000 sufragaram os social democratas, atraídas pelo centrismo do candidato Johannes Rau".
Não indica a revista qual o destino que tiveram os 200 mil votos restantes, da perda total sofrida pela coligação CDU/CSU. Teriam sido transferidos à extrema-direita, representada pelo Partido Nacional Democrático? É bem possível. Sobretudo — como ressalta o "Jornal do Brasil" de 25-01-87 —se se considerar que "Kohl tratou de assegurar num dos últimos comícios... que as constantes da Ostpolitik permanecerão inalteradas e que Bonn continua aberta à colaboração com o Leste". Esta linha de conduta, de si, poderia ter causado desagrados a uma parte do eleitorado e explicaria o significativo crescimento do Partido Nacional Democrático, de extrema-direita, que triplicou a porcentagem dos votos, embora permaneça apenas com 0,6% dos sufrágios.
Que peso teve a atitude assumida pelos bispos das 22 dioceses católicas da República Federal, nos resultados do pleito eleitoral? A pergunta tem todo propósito. O episcopado germânico lançou uma Carta Pastoral aos mais de 26 milhões de fiéis sobre as eleições. A esse respeito, informa o boletim "Impressões da Alemanha", de 21-01-87, que "pela primeira vez essa pastoral não será lida em voz alta durante o santo ofício dominical". A leitura desse documento deveria ser facultativa. E acrescenta a publicação: "Na sua mensagem, os bispos não favorecem este ou aquele partido, como já foi hábito nas décadas de cinquenta e sessenta, época que frequentemente eles se apresentavam como advogados da democracia cristã." Aconselham eles apenas que os "fiéis tomem sua decisão dentro do espírito da responsabilidade cristã. Destaca-se na pastoral o bem supremo da livre escolha". Talvez, levando em consideração a chaga que representa para os alemães ocidentais a vizinhança com o regime comunista da Alemanha Oriental, acrescenta a pastoral: "Infelizmente não é todo o nosso povo que pode partilhar essa liberdade".
Em seu documento os bispos ainda repudiam a eleição de representantes de partidos extremistas. Porém, o referido boletim esclarece que esses partidos desempenham papel insignificante na vida política do país. Assim, a mudança de atitude do episcopado, assumindo uma posição de neutralidade em face dos partidos com maior expressão eleitoral, na melhor das hipóteses, favoreceu os liberais, senão diretamente o SPD, de esquerda.
O Partido Verde — a extrema-esquerda ecológica, que pleiteou entre outras coisas, a desatomização do país e sua saída da NATO — alcançou aproximadamente 1 milhão de votos a mais do que nas eleições de 1983, principalmente às custas dos social-democratas. Esse aumento foi certamente favorecido pelos desastres ecológicos ocorridos ao longo de 1986: a contaminação química do Reno e o acidente na usina nuclear soviética de Chemobyl. A esse propósito, a referida edição do "The Economist" ressalta que a vitória do Partido Verde fortalece "o argumento da esquerda dos socialdemocratas que insiste na radicalização maior do partido e na adoção, em sua plataforma, de temas ecológicos e desarmamentistas".
Por sua vez, a revista norte americana "Newsweek", em sua edição de 9-2-87, cita o comentário do dentista político da Universidade de Bonn, Carl Chistoph Schweitzer "que adverte para um futuro instável como resultado de um enfraquecimento gradual da posição de Kohl e com o flirt da oposição com medidas cada vez mais esquerdista".
Salta aos olhos a complexidade da conjuntura atual da política germânica. A coalizão CDU/CSU continua necessitando, para governar, do apoio do Partido Liberal. Uma radicalização esquerdista dos social-democratas, restituiria de imediato à CDU/CSU os 400.000 votos que eles haviam conquistado a essa coligação. Análogo retorno poderia ocorrer em relação aos 800.000 sufrágios que passaram para o Partido Liberal, provenientes da coligação CDU/CSU.
Para reverter em favor dessa coligação a atual tendência do espectro político alemão, seria necessário no mínimo de firmeza e decisão por parte do chanceler Kohl. Em primeiro lugar, precisaria ele abandonar as ambiguidades da Ostpolitik. Além disso, o chanceler poderia explorar o fato de que o SPD vem se radicalizando. Como exemplo disso, é oportuno lembrar que o candidato derrotado, Johannes Rau, tido como moderado, renunciou a concorrer à presidente do SPD, a qual será possivelmente preenchida pelo mais esquerdista Oskar Lafontaine. Por fim, competiria a Kohl aplicar uma política interna anti-socializante.
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Decisão e firmeza — qualidades muitos apreciadas pelos alemães —tornam-se assim mais do que necessárias ao chanceler germânico, pois como bem lembra "The Econnomist", "quatro eleições devem ocorrer este ano: no Reno e Palatinado, Schleswig-Holstein, Bremen e Hesse. Os conservadores correm o risco de perder sua maioria no Bundesrat, a segunda casa do Parlamento federal " —a qual possui certas analogias com o Senado brasileiro — "que congrega representantes estaduais detentores de amplos poderes, incluindo o direito de veto em matérias de =ações". — Convém esclarecer que os representantes de cada estado da Federação no Bundesrat são nomeados pelos respectivos governos estaduais.
Assim, para acompanharmos com acuidade o desenrolar do processo eleitoral deste ano, na Alemanha, convém ter presente algumas indagações: terá a extrema esquerda do Partido Social Democrata força para radicalizar sua agremiação partidária, tentando recuperar o que perdeu para o Partido Verde? Mas desejará, dessa forma, correr o risco de perder o pouco que conquistou à coligação governamental?
A coligação centro-direitista, que governa o país, tomará atitudes sadias e corajosas no que diz respeito à política de privatização? Quanto à Ostpolitik, demostrará firmeza em relação aos países comunistas do Leste?
A respeito desses temas de tanta importância para a Alemanha Ocidental, as urnas falarão novamente em 1987.
Nas últimas eleições germânicas, perderam mais votos os dois maiores agrupamentos políticos: a coligação governamental CDU/CSU, iderada pelo chanceler Helmut Kohl.
...e o SPD, presidido por Johannes Rau, candidato a chanceler no pleito eleitoral.
A.C.
NON SERVIAM" (Jer. 2, 20) (não servirei) bradou Lúcifer. O grito de revolta ribombou pelas abóbadas celestes. Esta é a primeira manifestação de uma criatura inteligente posta à prova, que a Sagrada Escritura registra. A história da liberdade começa com um brado de revolta. A desobediência de um anjo é o marco inicial da caminhada que leva ao inferno.
A seu modo, por esta mesma trilha de perdição entraram nossos primeiros pais cometendo o pecado original. A partir daí, todo ser humano é concebido com uma tendência marcada para toda forma de desobediência. Exceção gloriosa foi a humilíssima e obedientíssima escrava do Senhor, Maria Santíssima.
E especialmente com a vinda do Redentor ao mundo graças abundantes foram concedidas aos homens para estabelecer bem o equilíbrio entre o saber mandar e o saber obedecer. A partir de então, sob a benéfica influência da Santa Igreja, foi possível aos homens construir toda uma civilização baseada nos ensinamentos evangélicos. De fato, tal foi a civilização cristã.
Um dos pilares dessa civilização foi indubitavelmente o relacionamento social calcado sobre o estilo pai-filho, de mandar e obedecer. Mas a serpente revolucionária voltou à carga. O humanismo renascentista colocou de certo modo o homem como valor supremo, guiado apenas por sua razão. Lutero repetiu em relação ao Papado o mesmo rugido sinistro que o demônio fizera ouvir em relação a Deus: "Non serviam". A Revolução Francesa foi o "non serviam" contra o rei, ao mesmo tempo que erigia em divindade a razão, colocando-a no altar do Deus todo poderoso a quem devemos servir. E o comunismo é o "non serviam" contra tudo e contra todos (cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, "Revolução e Contra-Revolução", Parte I, cap. XI).
Chegamos assim a um estado de coisas calamitoso e anticristão, em que igualmente se tem vergonha de obedecer e de mandar. Cada um está disposto apenas a seguir sua razão — quando não os instintos, de modo claro — a qual frequentemente serve de rótulo para o capricho debandado ou mais simplesmente para a estupidez.
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À página 132 de seu livro "La Aventura de la Teologia Progresista" (Eunsa, Pamplona, 1976), o famoso filósofo tomista Pe. Comélio Fabro recolhe um texto do filósofo dinamarquês Kierkegaard — apesar de ser este considerado um precursor do existencialismo —, tão expressivo no que se refere ao assunto que nos ocupa, que aqui o transcrevemos:
"Por desgraça, todo homem tem uma paixão natural e inata para a desobediência. Assim, foram avançando as "razões", e as pessoas creem por razões em vez de crerem por obediência, porque nos envergonhamos de obedecer. "Deste modo, a suavidade tomou o lugar do rigor, já que não havia coragem para mandar e repugnava deixar-se mandar: os que deveriam mandar converteram-se em velhacos (ao substituírem o mando pela esperteza), e em insolentes os que deveriam obedecer. Assim, com a suavidade o cristianismo foi abolido na cristandade. Sem autoridade, com panos remendados e despedaçados, ele atuava na cristandade como que escondido...
"Não há para nós senão uma salvação: o cristianismo. E também para o cristianismo só uma salvação: a severidade".