Atilio Faoro
SANTIAGO DO CHILE — Um brasileiro que chega ao Chile — como aconteceu no meu caso — com ideias da realidade chilena concebidas a partir de informações apresentadas pelos jornais no Brasil, prepare seu espírito para surpresas.
Tendo ocasião de analisar atentamente e in loco a realidade institucional do Chile, em pouco tempo constatei a pobreza, insuficiência e parcialidade que caracterizam certos órgãos de imprensa, tanto brasileiros quanto de outras partes do mundo, ao noticiarem aspectos importantes de fatos ocorridos neste país.
E daí a formação de um "clichê" falseado, que pouco tem a ver com o que se observa objetivamente, quando se tem a alegria de estar neste simpático país irmão.
Assim, foi para mim motivo de surpresa e perplexidade comprovar a existência dessas distorções e omissões em artigos e notícias que se publicam sobre o Chile, afetando gravemente o direito dos brasileiros de serem bem informados.
Estando presente nesta nação antes e durante a visita que acaba de fazer a ela S. S. João Paulo II, tive ocasião de "pegar com a mão" algumas lacunas do mencionado noticiário. Delas tratarei em particular neste artigo. E estou certo de que os fatos relevantes que aqui vou narrar, os prezados leitores de "Catolicismo" não leram nos quotidianos brasileiros.
Antes da visita papal, a esquerda chilena e, em particular, o esquerdismo católico, blasonaram de diversos modos e em graus distintos a existência de precedentes na vida e obra de João Paulo II, que permitiriam esperar uma intervenção do augusto visitante na situação' interna dó Chile. Interferência que, segundo a esquerda, favoreceria, quando não imporia, uma gradual socialização do país. João Paulo II, de acordo com tais especulações, adotaria no Chile gestos e proferiria palavras de estímulo à esquerda, e de censura à direita.
Vários dos mais importantes órgãos da imprensa internacional — entre os quais os brasileiros não foram exceção — fizeram eco em prosa e verso às expectativas da esquerda chilena. E, exagerando certas limitações à liberdade individual aqui existentes, evitam ressaltar que gradualmente o país caminha para a normalidade institucional.
Tais órgãos sobretudo sonegam o fato clamoroso de que o Chile sofre uma agressão constante da guerrilha comuno-progressista. Assim, os diários brasileiros, pelo que pude observar, não procuram relembrar que o maior e mais sofisticado arsenal para a subversão comunista encontrado na América Latina foi precisamente descoberto em vários esconderijos da costa chilena, há pouco mais ou menos um ano. A existência deste arsenal, de mais de 80 toneladas de armas e munições, levou o governo norte-americano a fazer uma advertência à Rússia, bem como alertar os principais governos sul-americanos.
Os mesmos vícios de informação quanto aos aspectos políticos institucionais repetem-se em relação ao panorama socioeconômico. O que, mais adiante, terei ocasião de focalizar.
A "mass-media" destacou as manifestações de oposição ao regime chileno por parte da "esquerda de barricada", e levadas a cabo por grupos de baderneiros, em vários momentos da visita de João Paulo II.
Curiosamente, porém, essa mesma imprensa "não viu" a rejeição que a maioria antiesquerdista do povo andino ofereceu aos desordeiros.
Certos episódios que presenciei aqui são provas eloquentes de que fibras importantes e sadias da alma chilena estão vivas.
Na Estação Central, o público santiaguino aglomera-se, esperando a passagem de João Paulo II. Uma jovem, inesperadamente, atravessa o cordão de isolamento e deita-se no meio da rua. Os carabineiros — força policial incumbida da manutenção da ordem pública, equivalente às Polícias Militares dos diversos Estados, no Brasil — hesitam em retirá-la. Motivo: a poucos metros de distância, fotógrafos e cinegrafistas estão já com suas máquinas em punho... O público se impacienta. E começa a exigir que seja retirada a agitadora, bradando: "comunista!", "tirem-na, tirem-na". Um policial, sem uso de violência, começa a retirá-la, pois faltam minutos para o "papamóvel" passar. Esta grita, esperneia, como se estivesse sendo agredida. Quando percebe que não está sendo filmada e que o público, indignado, dirige-lhe impropérios, levanta-se e some no meio da multidão...
Como a imprensa qualificou tal ocorrência? — Um protesto genericamente apresentado como "algumas manifestações de rua" que "a polícia reprimiu com violência" ("O Estado de S. Paulo", 2/4/87).
Cenas montadas de "revolta popular" foram registradas em outros momentos da visita.
Pouco antes de João Paulo II chegar à esplanada existente em frente ao bairro popular "La Bandera", onde teria lugar um encontro com trabalhadores e militares das CEBs, testemunhei este fato insólito. Bandos de fotógrafos e cinegrafistas percorrem o local, recolhendo "flagrantes". Um líder de um grupo revoltoso dá uma palavra de ordem. Ato contínuo, tal qual num teatro de marionetes, os manifestantes iniciam movimentos ritmados de corpo, erguem e agitam punhos cerrados, e monotonamente repetem brados cadenciados: "Ele vai cair, ele vai cair!" ou "João Paulo irmão, leva o tirano!" (referindo-se a Pinochet).
A montagem, por seu tom extravagante e totalmente insólito, desperta a curiosidade dos assistentes — inclusive de carabineiros — que acompanham a movimentação como quem presencia uma cena preparada em um estúdio de Hollywood! Luis, o jovem universitário que me acompanha, comenta: "Veja só o que vai ser transmitido para o mundo inteiro! ..."
Esta orquestração de nenhuma forma exprime os anseios do povo chileno. Como pretendê-lo?
Aliás, o público presente — discretamente apresentado pela imprensa como uma massa de esquerda — estava muito aquém do esperado. Não passava de 150 mil pessoas, mas um jornal brasileiro fala em "cerca de 300 mil" ("Folha de S. Paulo", 3/4/87), enquanto outro menciona "mais de 600 mil"
Poucos dias antes, conversando no local com um membro da CEBs, este me dizia que esperavam de 500 mil a 1 milhão de pessoas. Esperança que de nenhum modo realizou-se, como documentam as cenas aéreas captadas por helicóptero e transmitidas pela televisão.
O estrépito publicitário, que cercou a violência ocorrida no Parque O'Higgins, velou uma vez mais o comportamento ordeiro da compacta maioria do povo ali presente.
Por uma curiosa "coincidência", as ações de desordem e violência vão desenrolar-se muito próximas ao local reservado aos correspondentes estrangeiros.
Pouco depois de ter início a cerimônia —Missa e solenidade de beatificação de Soror Teresa de Los Andes, religiosa chilena que se santificou em um convento carmelita, no começo do século — pedras voam em direção dos carabineiros.
A violenta agressão dos desordeiros choca o povo, que começa a retirar-se do local. Os agitadores, adestrados em guerrilha urbana e identificáveis pelos lenços negros presos ao rosto — no estilo dos sandinistas —recolhem o madeirame que sustenta os cordões de isolamento. Em minutos, acendem um cinturão de fogueiras, atingindo algumas a altura de 5 metros. O que teve como efeito estratégico bloquear a saída do parque.
A violência dos agressores aumenta. Pedras e paus caem sobre os policiais, que se defendem com bombas de gás e jatos de água. Os baderneiros recuam. Mas, seguindo uma palavra de ordem, a toda pressa confundem-se com a multidão, aos gritos de — "corram, corram!" — com o evidente intuito de fazer crer estar o povo com eles. E, deste modo, induzir a polícia a uma repressão generalizada. Fato que, se se verificasse, deliciaria fotógrafos e cinegrafistas internacionais presentes. E daria às esquerdas, afinal, os tão esperados dividendos políticos!
Mas isso não ocorreu. O povo não aderiu à manobra. No meio da multidão, vozes sensatas fazem-se ouvir: "Não corram, não corram; porque vão pensar que estamos com os comunistas!"
Resta, entretanto, uma pergunta: quem estaria por trás de ocorrências tão dolorosas que deixaram, segundo fontes oficiais, o saldo de 28 policiais e mais de 220 civis feridos?
De acordo com jornais chilenos de diversas tendências — mas cujas informações
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"Papa descobriu que a situação chilena não era como lhe haviam pintado"
FALAM POR SI as declarações do Sr. Jacques Bonomo, conselheiro da direção e chefe de serviço de grandes reportagens do conhecido semanário parisiense "Le Figaro-Magazine", concedidas à revista chilena "Cosas" (edição de 3/4/87).
A pergunta "qual é seu balanço da visita papal", o jornalista francês, depois de salientar a importância do evento, declara: "O Papa aprendeu muitas coisas, ainda que pareça estranho dizer. Porque — isto lhe digo por informações confidenciais às quais tive acesso —, o Papa descobriu que a situação chilena não era como lhe haviam pintado antes de sua visita: que a miséria não era tão extrema como lhe disseram, como também a pobreza. Isto não quer dizer que não haja pobres e miseráveis, mas, junto ao Papa, exageraram o panorama negativo. Ele, com seu olhar de jornalista e observador, deu-se conta de que o Chile é um país como os outros".
Na esplanada existente em frente ao bairro popular "La Bandera", onde João Paulo II vai encontrar-se com trabalhadores e militantes de CEBs, passa-se um fato insólito: bandos de cinegrafistas e fotógrafos estrangeiros recolhem "flagrantes" de grupos oposicionistas. Um líder dá uma palavra de ordem. Ato contínuo, tal como num teatro de marionetes, os manifestantes iniciam movimentos ritmados de corpo, erguem e agitam punhos cerrados e faixas, repetindo cadenciadamente refrões políticos como "João Paulo irmão, leves o tirano!" (referindo-se a Pinochet).
Na foto superior, os fotógrafos preparam suas máquinas antes de "entrar em ação"; na foto abaixo, a filmagem já começou. Os dizeres das faixas dão a impressão de que se espera a visita de um líder político. Não expressões de respeito à figura papal. Dizem, por exemplo: "A CNI tortura" (CNI, sigla da Central Nacional de Informações do governo chileno); "Excomunhão para torturadores"; A vitória exige justiça" (exigindo o retorno de sacerdotes expulsos do país por atividades subversivas).
João Paulo II chega ao Chile. Antes da visita papal, a "mass media" nacional e estrangeira faz eco às especulações da esquerda católica de que se esperava uma interferência do augusto visitante nos assuntos internos chilenos. Essa intervenção, segundo se afirmava, implicaria em gestos e palavras de estímulo à esquerda, e de censura à direita.