| EUTANÁSIA |(continuação)

mais frequente para o recurso à eutanásia, é a questão do sofrimento e em especial da dor física. Ora, esses são elementos indispensáveis da vida humana, na atual condição, fruto do pecado original. Mas, pergunta-se, será sempre necessário suportá-los, mesmo quando houver recurso capaz de atenuá-los ou suprimi-los?

Para o católico verdadeiramente fiel, o sofrimento e inclusive a dor física "não constituem um fato puramente negativo, mas estão associados a valores religiosos e morais elevados". O fiel é obrigado a mortificar sua carne e a trabalhar no sentido de sua purificação interior, porque, negando-se a este esforço, não lhe é possível evitar por muito tempo o pecado e cumprir com fidelidade todos os deveres. O domínio de si mesmo e das tendências desregradas é impossível de conquistar, sem o auxílio da dor física. Sua aceitação não é senão uma maneira, entre muitas outras, de manifestar o que é essencial: a vontade de amar a Deus e de O servir em todas as coisas. Isto nos ensinou Pio XII.

Será preciso sempre suportar tudo o que for necessário para permanecer fiel a Deus e à própria consciência; mas para isso a aceitação da dor não é senão um meio, nunca um fim em si mesmo. Há ocasiões em que "a continuação da dor impede que se obtenham bens e interesse superiores", afirma Pio XII

Não é sempre necessário ir até o martírio. Pode-se então recorrer aos meios de que a medicina dispõe, cujo arsenal terapêutico moderno possibilita quase sempre um alívio para todos os doentes.

Respeitados os direitos primordiais e a apetência espiritual de cada um, que podem levar a aceitar e até a procurar "a dor física, para melhor participar da Paixão de Cristo, renunciar ao mundo e reparar seus próprios pecados", é inteiramente legítimo utilizar-se dos meios necessários à cessação da dor.

Infelizmente, imperando em nossos dias a impiedade — e como, segundo a Sagrada Escritura, "não há paz para os ímpios" (Is. 57, 21) — cresce o número daqueles que, tendo desprezado as altas razões que há para sofrer, postos em face da dor, entregam-se ao desespero. Daí o aumento de número dos que praticam a eutanásia voluntária e outros tipos de suicídio, especialmente em alguns países. Quanto maior a incredulidade, maior o número de suicídios, praticados por aqueles que mais odeiam a dor do que a morte!

Os que propugnam a eutanásia julgam que o homem tem um direito absoluto sobre sua própria vida ou morte. Um pretenso direito ao suicídio parece-lhe tão respeitável quanto o legítimo direito à vida. E criticam o que eles chamam o `feroz desejo de imortalidade", agora inalcançável, dos que recusam a eutanásia. Acusam os anti-eutanasistas de escolher para os doentes o mal real (o sofrimento) para lhes evitar um mal que — dizem eles — só se efetivaria numa situação imaginária (a imortalidade da alma e a vida eterna).

Como se vê, o fundamento filosófico dos que defendem a eutanásia é o materialismo. Eles pressupõem a absurda autonomia absoluta do homem e rejeitam qualquer norma moral objetiva.

Do outro lado, quantas vezes a verdadeira razão da eutanásia não será o peso que o cuidado do enfermo acarreta? Ou as despesas tidas como excessivas? Razões egoístas, portanto.

A função do médico não é matar

Infelizmente, a medicina tem se tornado cada vez mais tecnicista e impessoal. E a sociedade vem deteriorando-se progressivamente devido ao espírito revolucionário, que vai extinguindo nela todo o censo religioso. São esses fatores, dos mais importantes, que preparam os espíritos para a eutanásia.

Há uma intenção manifesta de, sob pretexto de "destruir todos os tabus", impor nova moral e novos costumes.

Na corrida vertiginosa a que aludimos no início, quando o aborto foi legalizado — várias nações oficialmente passaram a autorizar o homicídio de milhões de vítimas inocentes, e muitos pais e mães se transformaram em outros tantos Herodes não era já previsível que, em breve, também os incuráveis, os portadores de taras hereditárias, os velhos veriam chegar a hora de seu holocausto?

Em alguns Estados da Federação norte-americana a pena de morte é aplicada mediante injeções letais, como método mais suave para executar os condenados. A aplicação da eutanásia é exatamente a mesma coisa. Caberia então ao médico o papel de carrasco?

Isso importaria em admitir que, na esfera própria à medicina, a moral não entra. Entretanto, a norma moral concernente à eutanásia — "Não matarás" — não é só preceito de Lei Divina e de Lei Natural, como está ligada ao próprio conceito de Medicina. Isto é, a eutanásia, além de ofender a Deus e violar a natureza, também contraria a noção fundamental das funções do médico, que consistem em salvar e curar, e não em matar.

1) "Declaração sobre a eutanásia", da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, em 5 de maio de 1980 — "L'Osservatore Romano", de 3 de agosto de 1980. 2) Pio XII, discurso aos médicos, sobre a Reanimação, em 24-11-57, in "Mensagem de Pio XII aos médicos", Edições Paulinas, sem data. 3) Pio XII, discurso aos anestesistas, em 24-2-56, ibidem. 4) "La critique du Liberalisme", revista dirigida pelo Abbé E. Barbier, artigo de Dr. Ricaud, 15-4-1914, n? 133, Ano VI, Tomo XII. 5) Andrew C. Varga, "Problemas de Bioética", Gráfica Unisinos, São Leopoldo - RS, 1982. 6) Dr. Francisco Peiró SJ. "Deontologia Médica", Livraria Cruz, Braga, 1951. 7) H. L. Lippmann, "A eutanásia e o Ethos da Medicina", in "Verbum", tomo VII, fase. 2, junho de 1950, Universidade Católica do Rio de Janeiro. 8) "Questões éticas relativas aos gravemente enfermos e aos moribundos", do Pontifício Conselho "Cor Unum", "Il RegnoDocumenti", n? 450, de 1-11-81, Bolonha. 9) "Eutanásia", "Iglesia-Mundo", março-abril de 1986, n? 316 317, Madri


| EUTANÁSIA NOS ESTADOS UNIDOS |

Nos Estados Unidos, eutanásia propaga-se como epidemia

Miguel Beccar Varela

Há três anos, quando uma decisão da Suprema Corte norte-americana legalizou o aborto, o tema da eutanásia tinha um interesse mais acadêmico que prático. Hoje, o assunto eutanásia começa a eclipsar o aborto enquanto questão que preocupa o público, os médicos e o governo. É o que afirmou o Dr. C. Everett Koop, cirurgião geral na Faculdade de Direito de Notre Dame, Indiana, nos Estados Unidos.

"Ainda assim — afirmou — a eutanásia no panorama americano certamente não chegou ao ponto em que está na Holanda, onde a sexta parte das mortes é atribuída à eutanásia. Esta tornou-se rotina na medicina holandesa e está inteiramente sancionada pelo equivalente holandês da AMA (Associação Médica Americana)" ("Our Sunday Visitor", 16-2-86).

Negar água e alimentos

Os Estados Unidos entraram abertamente nessa rampa escorregadia desde que, em março do ano passado, a AMA, máxima entidade representativa da classe médica americana, por meio de seu Conselho para assuntos éticos e legais, emitiu umas "guidelines" (linhas de conduta) alterando o código ético da entidade. Passou-se a afirmar que é de acordo com a ética fazer cessar ou omitir tratamento médico, para que morram os pacientes em estado terminal iminente. E continua: ainda que a morte não seja iminente, mas o paciente se encontre em estado de coma sem nenhuma dúvida irreversível, não é antiético suspender todos os meios de prolongar a vida através de tratamento médico, inclusive nutrição (por sonda) e hidratação (soro endovenoso) ("The Wanderer" , Saint Paul, USA, 15-5-86).

Rapidamente, diversas seções locais da AMA aderiram às novas linhas éticas, regulamentando-as no sentido mais abarcativo. A AMA de Los Angeles, Califórnia, por exemplo, no que diz respeito à suspensão de água e alimentos a estendeu aos "pacientes que estão confusos" além dos que estão em estado de coma permanente.

A extensão e a rapidez com que é adotada a eutanásia têm alarmado os movimentos de defesa da vida. Estes começam a movimentar-se em favor de uma legislação que exija ti continuação da alimentação para aqueles que estão incapacitados.

"As decisões suspendendo a nutrição artificial visam diretamente a difusão da eutanásia", declarou John Wilke, Chefe do Comitê Nacional de Direito da Vida ("Wall Street Journal", New York, 9-6-86).

O Padre Robert Barry OP, teólogo dominicano em Washington, refere-se ao caso de C.H., 55 anos, a quem foi retirada a sonda de alimentação após o diagnóstico de "coma permanente", feito com base em apenas dois dias de observações. "Ordinariamente — esclareceu — um neurologista necessita de pelo menos duas semanas para determinar se um estado de estupor é comatoso e pelo menos um mês para determinar se se trata de um estado interativo persistente. Vejo aparecer no horizonte a injeção letal", concluiu ("The Wanderer", 15-5-86).

Vários Estados da União estão propondo projetos de lei que autorizam a suspensão de comida e água para certos pacientes (anciãos, paralíticos ou dementes, por exemplo), inclusive quando a água e a comida podem ser administradas com colher. Tal é o caso de um projeto de lei para o Estado de Washington.

Autorizações judiciais para matar

A nível de propaganda, uma série de casos promovendo a aceitação da eutanásia levados a juízo são sensacionalissimamente difundidos pela imprensa em todo o país. O caso de Elizabeth Bouvia, por exemplo, uma quadriplégica de 28 anos (paralítica do pescoço para baixo desde o nascimento) que, contrariamente aos princípios cristãos, solicitou, em 1983, autorização do juiz para que os médicos do hospital onde estava internada lhe suspendessem todo alimento, até à morte. O juiz recusou o pedido e Bouvia passou a ser alimentada por sonda nasogástrica contra sua vontade. Em 1986, havendo ela entrado novamente em juízo, a Corte Suprema da Califórnia confirmou a decisão de uma corte de primeira instância permitindo-lhe acabar com sua vida pela ausência de alimentação ("Washington Post", 6-6-86).

Bouvia se transformou em um símbolo do estranho "movimento pelo direito de morrer".

Mais ou menos simultaneamente, deram entrada em juízo uma série de pedidos de autorização para praticar eutanásia em pacientes inconscientes, em coma irreversível, feitos por parentes próximos.

Nesse sentido, pode-se aduzir o "caso Jobes", em que o marido e os pais de Mrs. Nancy E. Jobes solicitaram e obtiveram do juiz Arnold M. Stein, do condado de Morris (N.J.), a autorização para matar de fome a paciente, que se encontrava em "estado vegetativo" há vários anos, depois de um acidente operatório. O juiz Stein recusou o laudo dos médicos que atestaram que Mrs. Jobes "se bem que com graves lesões cerebrais, não estava em um estado vegetativo permanente e respondia a certas ordens" ("The Wanderer", 8-5-86).

Numerosos casos semelhantes foram difundidos amplamente pela imprensa e meios de comunicação. Entre eles o de "Baby Doe", um menino nascido com sinais de mongolismo e que os médicos deixaram morrer de fome e sede a pedido de seus pais.

Rumo ao infanticídio e ao suicídio

O Dr. Joseph Fletcher é presidente emérito da tétrica "Sociedade pelo direito de morrer", conhecido promotor da eutanásia passiva e ativa (com ou sem pedido e conhecimento do paciente) e do grupo do "Q1" (quociente de inteligência) para determinar quem é humano (com o fim de matar os meninos nascidos mongólicos), também membro ativo do "Planned Parenthood" (movimento que promove o planejamento familiar), e ainda professor protestante de teologia.

Afirma ele: "Não há dúvida de que a tendência geral no pensamento ético atual é de acabar com a vida dos recém-nascidos defeituosos, não há dúvida de que a consciência do problema do crescimento populacional e dos limites dos recursos levaram as pessoas a aceitar a necessidade do direito a morrer (eutanásia). O mesmo vale para o infanticídio. É uma prática comum em áreas onde existe excesso de população e é a forma mais antiga de planejamento familiar. O infanticídio é na realidade algo muito humano quando se trata de meninos bastardos. Deveríamos estimulá-lo (o infanticídio) em certas circunstâncias de excesso de população, especialmente quando se trata de meninos defeituosos" ("EIR", 1-5-86). Segundo Fletcher, esses seres desgraçados que ele mandaria matar são "vegetais humanos incorrigíveis" e "estão constantemente consumindo recursos financeiros públicos e privados, violando assim a justiça distributiva que se deve aos outros" (idem).

O Dr. Karsten Vilmar, presidente da Associação Médica da Alemanha Ocidental, ardoroso inimigo da eutanásia, declarou em entrevista à imprensa que os argumentos em defesa da eutanásia hoje produzidos estão na mesma linha dos que se usavam quando se estava impondo o aborto: argumentos "sociais", "perspectivas de uma vida razoável" etc.

Primeiro foi o controle da natalidade e o aborto, agora é a eutanásia que começa a impor-se por via dos fatos. E ao mesmo tempo começa a preocupar o aumento significativo de suicídios, sobretudo na juventude. Uma sociedade desfibrada pela perda da fé, pelo desregramento da sensualidade e pela covardia perante o sofrimento, de onde tirará a força de alma suficiente para deter-se no meio desta vertente espantosa que talvez nos conduza à institucionalização do suicídio e até do suicídio coletivo?

"Clínicas que facilitam, em vez de impedir, o suicídio, serão estabelecidas neste país", declarou J. A. Motto, um psiquiatra de São Francisco, nos Estados Unidos, em debate entre psiquiatras sobre o tema: "O suicídio é sempre um acontecimento psicopatológico?" O mencionado psiquiatra afirmou que se está formando uma "onda social nesta nação, que torna tal desenvolvimento inevitável" ("American Medical News", 8-6-86).

"A anciã pedia repetidas vezes: água... água"

"Instituições hospitalares em toda a nação estão atualmente matando de fome e sede, mesmo quando tais procedimentos são legais".

Mary Sennander, da "Aliança para a Vida Humana" em Minneapolis, reproduziu a narração de uma mulher, a quem ela chama. "S", cuja avó estava em um hospital daquela cidade norte-americana: "A companheira de quarto de minha avó, que tinha quase noventa anos, havia caído e quebrado a bacia; sua filha viera do litoral para vê-la". Essa filha constatou nessa ocasião que sua mãe nunca poderia andar novamente e iria passar o resto de sua vida numa cadeira de rodas. Dizendo-se então preocupada com a capacidade de sua mãe para viver sozinha, achava que a ideia de uma cadeira de rodas era por demais deprimente. Ansiosa também para voltar à sua casa, essa filha não encontrou melhor solução do que requisitar que toda comida e líquidos fossem suspensos para que sua mãe morresse.

"S 'me disse — prossegue a Sra. Mary — que a mulher pedia em voz alta e repetidas vezes: Água... Água... Água. Sua voz era bastante forte para chegar até a cama da minha avó, do outro lado do quarto". A anciã estava em um estado de causar compaixão.

As enfermeiras entravam e molhavam os lábios da 'telha, mas ela ainda implorava por água... Após seis dias a mulher morreu ("The Oregonian", 13-86).

A continuar a onda de eutanásias, iniciada nos Estados Unidos a partir de março do ano passado, mulheres idosas como a da foto, desde que o estado de sua saúde se agrave, estão ameaçadas de morrerem de fome e de sede, naquele país...

Segundo a concepção católica, os velhos devem ser tratados com respeito e receber todo o auxílio necessário em suas doenças e debilidades. Ao invés disso, a mentalidade neopagã que vai dominando cada vez mais o homem contemporâneo inclina-o a justificar a eutanásia e a estender o âmbito de sua aplicação.

Segundo Pio XII, quando "a continuação da dor impede que se obtenham bens e interesses superiores", pode-se recorrer aos meios lícitos de que a medicina dispõe. O arsenal terapêutico moderno aplicado nos hospitais possibilita quase sempre um alívio para todos os doentes.

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