Interior da Catedral de Santigo de Compostela: veem-se a nave central, o presbitério e o altar-mor. Neste último há uma imagem do Apóstolo com o bordão de peregrino. Seu corpo aí está sepultado, coberto de diamantes.
MADRI — A festa do Apóstolo São Tiago (1) comemora-se a 25 de julho. Tal data tem um significado especial na Espanha, uma vez que São Tiago, ou Santiago, é seu padroeiro e, além disso, seu corpo repousa em uma fabulosa urna de prata, na catedral de Compostela.
Situada a noroeste da Península Ibérica, Santiago de Compostela é uma pequena cidade da região chamada Galícia cujas origens remontam ao começo da Idade Média. Apesar da modernização atual, conserva sem embargo todo seu sabor ancestral.
A cidade de Santiago tornou-se universalmente conhecida desde o século VIII, quando se iniciaram as peregrinações e se fundou a Ordem de seus cavaleiros. Naqueles séculos de luta para reconquistar o terreno peninsular aos mouros invasores, as milagrosas aparições do Apóstolo a cavalo e à frente das hostes cristãs estenderam ainda mais a devoção que já se tributava ao Santo pelo fato de ter evangelizado aqueles reinos.
E em parte por isso, mais de 1300 igrejas foram construídas em seu nome na Espanha. A maioria delas sob a invocação de "mata moros" No resto da Europa existem outras tantas, mas com o nome de "peregrino". E devemos nos lembrar também que cerca de cem cidades levam seu nome na América espanhola. E isto se compreende facilmente, já que sua imagem era infalível sinal de triunfo, nas batalhas a que deu ensejo a colonização hispânica no continente americano — chegando o santo a aparecer à frente das tropas espanholas, como o assinalam as crônicas do inca Garcilaso de la Vega.
O Apóstolo Santiago, depois de pregar uns dez ou doze anos na Espanha, regressou com seus discípulos Teodoro e Atanásio a Jerusalém. Ali foi martirizado por ordem de Herodes Agripa, e suas preciosas relíquias foram trasladadas por estes discípulos às costas galegas. Durante mais de oito séculos permaneceram quase no olvido os restos do Apóstolo, assim como os de seus discípulos também ali enterrados. As contínuas guerras e a invasão dos bárbaros obrigaram os cristãos a ocultar suas relíquias. No século IX ocorreu um fato que teria grande importância na história da Espanha e da Europa: a descoberta do Sepulcro Apostólico.
Caminhar... caminhar é o destino do peregrino. Na foto, atravessando os campos de Castela, apoiado em seu bordão.
As circunstâncias da maravilhosa descoberta encontram-se descritas na "Concordia de Antealtares" de 1077. No ano de 814, um eremita que vivia perto da igreja de São Fiz de Solovio, na atual Compostela, observou durante várias noites uns resplendores misteriosos que se assemelhavam a chuvas de estrelas sobre um pequeno monte próximo. Ali encontraram o corpo do Apóstolo e os de seus discípulos.
A notícia correu por toda a Cristandade como rastro de pólvora: o corpo do Apóstolo! Alfonso II, rei de Leão, comunicou a descoberta ao Papa Leão III e ao imperador Carlos Magno.
Desde então, as peregrinações sucederam-se constantemente ao longo dos séculos, vencendo todo tipo de dificuldades e marcando com traço firme e indelével o livro da História.
Muitos foram os peregrinos ilustres que deixaram seus passos marcados no caminho de Santiago. Um dos primeiros peregrinos estrangeiros de que se tem notícia é o Bispo francês Gotescalco, no ano de 950. Nomes legendários como os de El Cid Campeador, Fernán González (primeiro Conde de Castela), São Luís Rei de França, Eduardo I da Inglaterra, Santa Isabel de Portugal, São Domingos de Gusmão, constam nas crônicas peregrinas, em meio a um sem fim de outros renomadíssimos personagens. Ali estiveram também o famoso pintor Van Eyck, os Reis Católicos, Felipe II e D. João d'Áustria. Em pouco tempo, quase diríamos instantaneamente, Compostela converteu-se em foco polarizador do cristianismo.
Nas encruzilhadas do caminho, nas pousadas, na própria cidade de Santiago, dar-se-ia o encontro dos mais diversos personagens. Uns iriam como incógnitos, outros luzindo seus brasões para dar bom exemplo, os demais como penitentes arrependidos ou devotos agradecidos. Imagine o leitor quão emocionantes seriam as histórias contadas por peregrinos tão díspares!
Situado nas proximidades do itinerário das peregrinações a Santiago, o mosteiro de São Domingos de Silos, reconstruído por esse Santo, em 1041, recebeu, ao longo da História, um enorme afluxo de caminhantes. Nele se conserva uma original escultura do "Cristo de Emaús", vestido de peregrino.
Se em outras épocas o Caminho de Santiago apresentava numerosos perigos, como por exemplo os bandidos, ou os mouros, atualmente não deixa de ter outros, e quem sabe de maior envergadura. É que o verdadeiro peregrino deve enfrentar o neopaganismo do mundo moderno e lançar-se com ufania pelos caminhos, sem respeito humano do que possam comentar os observadores atônitos. É verdade que há um reflorescimento da peregrinação, mas infelizmente — como comentava um sacerdote de um dos povoados do caminho — os peregrinos raramente vão com o espírito de piedade de outros tempos. Eu mesmo comprovei isto ao deslocar-me até Santiago de Compostela.
Mas não é esta a tônica que desejo fazer notar, senão a contrária, porque, apesar de tudo, ainda subsiste.
Entre emocionado e surpreendido, alcancei, através de caminhos empoeirados, a uns pitorescos peregrinos. Iam vestidos segundo o traje tradicional da peregrinação: chapéu de aba larga, para se protegerem do sol e da chuva; hábito marron, com pequena capa na qual viam-se costuradas umas conchas (símbolo dos peregrinos); calçado rústico e um bordão que servia de apoio e defesa contra os cães e lobos.
Rompendo o mistério que os envolvia, estabeleci com eles uma animada conversa. Eram dois jovens universitários de Madri que aproveitando as férias se dirigiam a Santiago para cumprir uma promessa. "Na verdade, foi ele quem fez o voto — disse o mais velho, referindo-se a seu amigo — eu venho para o acompanhar, se bem que sempre se encontrem motivos para oferecer as dificuldades e sofrimentos do caminho".
Como os recebem as pessoas?
O pitoresco povoado de "El Acebo", próximo a Ponferrada, pode constituir uma gota de alívio para o caminhante exausto.
Por vezes o descanso é necessário. E esta antiquíssima e venerável capela, na Galícia, pode bem ser um ponto adequado para isso. Notar o chapéu de aba larga e as conchas pregadas na pequena capa que cobre o hábito.
Quando nos veem, alguns se emocionam e dizem: "Esses sim são peregrinos de verdade". Todo mundo nos cumprimenta nos caminhos, e quando cruzamos alguma estrada, muitos carros param e não há nenhum que não se alegre em ver-nos. Nos povoados, sempre há alguém que nos convida para tomar algo, e de modo geral, sempre que nos encontramos