NA CÉLEBRE "estrada romântica" que parte da Baviera, no sul da Alemanha, em direção à Würzburg, encontram-se inúmeras cidades notáveis por seu passado e por suas tradições. Entre elas situa-se, cercada de altas muralhas e imponentes torres, a pequena Dinkelbühl.
A cidade — que primitivamente era uma praça forte — remonta à Idade Média. Nessa época, da "doce primavera da Fé", o aroma de virtudes espalhadas por conventos piedosos atraía peregrinos de todas as partes da Europa. Muitos deles, desejosos de viver sob o influxo espiritual da vida contemplativa, estabeleceram residência nas cercanias destes focos de oração. Dinkelsbühl. Desenvolveu-se a partir da construção de um mosteiro, em terras cedidas por um generoso camponês.
No século XIV, ela foi elevada à condição de "cidade livre", passando então a ser governada por um burgomestre e por um Conselho Municipal composto de doze membros do patriciado local, doze representantes das diversas corporações de ofício e trinta e seis deputados eleitos pelo povo.
Em consequência da Guerra dos Trinta Anos, no século XVII, Dinkelsbühl atravessou um período turbulento, tendo sido por diversas vezes disputada pelos exércitos católicos e protestantes em luta. Em março de 1632, o coronel luterano Klaus Dietrich von Sperreuth foi designado pelo rei Gustavo Adolfo II, da Suécia, para tomar de assalto a estratégica localidade, que só tinha como proteção suas muralhas e alguns soldados.
Embora contando apenas com uma guarnição, a bem dizer simbólica, o Burgomestre resolveu fechar as portas ao adversário e ganhar tempo através de habilidosas negociações que duraram todo um mês. Por fim, Dinkelsbühl teve de capitular para não ser bombardeada. A respeito da preservação da cidade, formou-se, não se sabe bem com base em que acontecimentos históricos, uma encantadora legenda.
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A população observa silenciosa os invasores: o passo cadenciado dos infantes e o trote da cavalaria. À testa de um regimento, Sperreuth penetra na cidade através do portão Wõrnitz (Wõrnitztor). Coberto por vistoso chapéu de couro, com plumas e de abas largas, revestido de imponente capa creme ornamentada com fino rendado branco, o coronel enverga um típico uniforme militar de oficial do século XVII. A faixa que lhe cruza o peito, com as cores da Suécia, simboliza sua autoridade.
De súbito, o cortejo triunfal dos novos senhores de Dinkelsbühl para. Alguém impede a passagem do poderoso comandante sueco. Quem ousou fazê-lo? Um grupo de crianças, conduzidas por uma jovem, a "Kinderlore" (pequena Leonor)... O que pretendem elas? Clemência! Poupem nossa cidade, respeitem nossos pais!
A força bruta, que esperava esmagar qualquer reação armada, depara com a fragilidade de algumas crianças escudadas na candura de suas almas inocentes.
Por vezes, até espíritos endurecidos conservam restos de nobreza de caráter. Tocado numa fibra sensível de seu coração empedernido, pela candura primaveril daquelas meninas, o protestante Sperreuth concedeu anistia à cidade e poupou Dinkelsbühl da destruição.
Esse ilustrativo episódio histórico-legendário é representado anualmente em exuberante festa popular: a "Kinderzeche" (comida das crianças).
Em julho, a cidade recua até o século XVII. Homens, mulheres e crianças vestem-se com trajes daquela época. Canta-se, come-se e bebe-se. A alegria é contagiante.
Além do encontro de Sperreuth com a "Kinderlore", que figura na primeira foto, realizam-se também disputas típicas da era dos mosqueteiros. Nossa segunda foto apresenta dois espadachins, representando grupos rivais, a lutar de pé sobre panóplias de espadas sustentadas pelos braços possantes de seus companheiros.
Emergindo do mundo da legenda, voltemos à realidade, conservando, porém, no espírito, o encanto pela inocência infantil, outrora tão florescente, cujo fulgor pode mover por instantes — ou quiçá mesmo duradouramente — até corações dos mais endurecidos...