José Belmonte
Anchieta entrou sozinho em um grande bosque. Lá encontrou um índio velho, tão decrépito que não podia levantar-se. Este diz:
– Ansioso te espero há muito tempo, para me ensinares o caminho da vida perfeita. Em minha longa vida, iluminado por uma escura luz, sempre imaginei confusamente haver algum Altíssimo Criador e supremo Juiz, que diferencia os bons dos maus, com prêmios e castigos eternos.
Por meio de perguntas, Anchieta certifica-se de que o índio observava a lei natural inviolavelmente. O jesuíta lhe explica a doutrina católica e o batiza. O velho morre em seus braços.
Há grandeza nisto. E se trata de um fato histórico (1).
Anchieta encontrou este índio, que seguia a Lei Natural sem conhecer os Mandamentos, isolado numa floresta, e não numa taba. A razão não é difícil de entrever: sua conduta não devia ser apreciada pelos membros de sua tribo. Não é difícil imaginar que assim fosse, considerando-se o que diz de nossos índios por exemplo Paulo Prado, em seu livro Retrato do Brasil. O quadro que este autor pinta, baseado em muitos documentos, está bem longe de ser lisonjeiro: vagabundagem, corrupção, homossexualismo e outras taras sexuais, crueldade, assassinato, roubalheira generalizada, por vezes canibalismo. Assim eram não poucos nativos antes dos contatos com o homem civilizado.
Quais são os mais autênticos índios brasileiros de hoje? Aqueles dos quais o sublime ancião batizado por Anchieta foi uma espécie de Patriarca espiritual, ou os sucessores da borra descrita por Paulo Prado? Fala-se muito dos silvícolas, mas não se procura responder a esta pergunta.
A Capela de São Miguel, erigida pelos índios no bairro do mesmo nome, em São Paulo, é um belo exemplo dos predicados dos autênticos indígenas
Serão os representativos da raça vedetes da mídia como Juruna e Raoni, o primeiro, parlamentar fracassado, e o segundo, mestre em pajelanças sem eficácia curativa e em viagens milionárias? São os maiores latifundiários do País pois, tendo apenas o trabalho de nascer, já são aquinhoados com uma quota parte de l.225 hectares (por índio!), como por exemplo acontece na reserva dos yanomami, no Território de Roraima, a qual é do tamanho de Pernambuco. Ou então devem ser tidos por característicos aqueles que servem de massa de manobra para a agitação? Em suas cabeças é colocada a balela de que seriam eles os verdadeiros proprietários das terras brasileiras. Que teriam sido esbulhados delas pelos brancos. É curioso. Os mesmos que repetem este chavão são defensores do usucapião em curto prazo. Querem que a propriedade prescreva depois de apenas cinco anos sem posse efetiva, mas para os índios, depois de quase cinco séculos, não há prescrição.
Transcorrendo no dia 6 de junho a festa do Bem-Aventurado Anchieta, parece oportuno recordar a figura portentosa, mas ignota, do ancião por ele batizado. Este gigante na ordem moral, tendo seguido a Lei Natural sem conhecer os Mandamentos, sem dúvida merece participar do glorioso cortejo ao qual pertenceram homens do porte de Henoc e Noé. A que ele acrescentou a glória de ter sido batizado.
Estes são os índios mais autênticos. São também os mais esquecidos. Lembrá-los é um dever urgente.
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São Paulo não é como a maior parte do mundo, onde o tempo passa entre a claridade do dia e a escuridão da noite, separadas pelo crepúsculo multicolorido. Nos grandes centros tudo é cinza; é cinza-pálido o dia, em que o ar é manchado pela poluição; cinza-escuro a noite, cujo negrume é adulterado pelos clarões frios da Iluminação; e cinza o entardecer, mera mistura desse dia que não é bem dia, com essa noite que não é m noite.
Pois no anoitecer de um dia cinza, um rapaz voltava para sua casa, depois do trabalho estafante, quando viu acesas as luzes da igrejinha de seu bairro.
Não se imagine uma poética igreja com uma pracinha e seu campanário, como tantas há pelo Brasil. Era um galpão de blocos mal rebocados, com uma torre furada, onde tanto podia haver um sino, como uma bateria de alto falantes ou uma sirene.
O fato é que o rapaz viu luzes, e resolveu ir rezar um pouco.
Entra na igreja e que encontra? Em vez de uma reza, um meeting, e em vez de um padre na frente, um agitador. Este dizia:
- Agora coloquem neste formulário quais os terrenos que cada um acha que deve ser invadido. Ponham todos os dados concretos: localização exata e, se for possível, façam um croqui. - O narrado é inteiramente verídico. O rapaz, aliás, não se limitou a ouvir. Colheu um formulário que conserva de lembrança...
Isto tornou-se quase corriqueiro. á ainda de ontem o caso da "Vila Socialista", ocorrido em Diadema. Os invasores resistiram aos policiais, utilizando até bombas caseiras. E é de anteontem a degola de um miliciano com uma foice, em Porto Alegre.
O motivo alegado para as invasões é a carência. Mas neste vale de lágrimas, todo homem é carente. Para não falar dos bens sobrenaturais, basta pensar na tríade afeto—saúde—dinheiro.
Quem possui dois desses bens, geralmente não tem o terceiro, e muitos não têm nenhum, o que é bem pior que não ter terra ou teto.
Os velhos são sem-juventude, e os moços, sem-experiência.
Muitos ricos são sem-alegria ou sem-inteligência, e muitos dos inteligentes, "sem-graça". Nem falemos dos sem-Deus e dos sem-lei; pesemos apenas a desventura de ser sem-educação...
Como a todos nos falta muita coisa, a civilização cristã criou ao longo dos séculos um ambiente, pelo qual a inveja sempre foi proscrita com horror.
De todos os defeitos, talvez seja o que fica pior para seu detentor. Existe quem se gabe de sua luxúria, de sua avareza, de ser mentiroso, assassino, de ser ladrão. Não se encontra alguém que se glorie de ser invejoso.
Evitando a palavra, o que o socialismo faz é inflar a inveja. A esquerda chama de "conscientização" a filmagem, em câmara lenta, do que outros têm, e nós não temos. Para usar uma execrável expressão russa, ela ensina seus adeptos a "contar o dinheiro no bolso dos outros".
No outro extremo estão os Mandamentos, que proíbem até de cobiçar as coisas alheias.
A moral admite que se alguém passa fome a ponto de estar em perigo de vida, pode apossar-se de um pedaço de pão. Mas não de uma padaria...
A Igreja só admite o "furto famélico" em caso de necessidade.
Será que os sem-terra e sem-teto invasores estão em necessidade extrema (isto é, em perigo de vida)? Os guapos rapagões que enfrentam a polícia com suas mulheres não têm saúde para conseguir um emprego?
É tempo de concluir. Todos nós somos sem-alguma-coisa. Não podemos aceitar a equação: carência mais inconformidade = violência. Se nos falta algo, saibamos aceitar a realidade, embora sem fatalismo.
Solução é trabalhar e rezar, não invejar. O assunto puxa comentários. Então...
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