Naquele tempo (como era a preparação da Páscoa), para que não ficassem os corpos na cruz no sábado, porque aquele dia de sábado era de grande solenidade, rogaram a Pilatos que lhes fossem quebradas as pernas ao primeiro e ao outro que com ele fora crucificado.
Mas, quando chegaram a Jesus, tendo visto que já estava morto, não lhe quebraram as pernas; mas um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água.
E aquele que viu, deu testemunho disto; e o seu testemunho é verdadeiro. E ele sabe que diz a verdade, para que também vós acrediteis. Porque estas coisas sucederam para que se cumprisse a Escritura: não quebrareis dele osso algum.
E também diz em outro lugar da Escritura: Lançarão o olhar para aquele a quem traspassaram (1).
Soldados, enviados por Pilatos, subiam silenciosamente o monte Calvário. Os romanos abandonavam aos pássaros de presa os cadáveres dos supliciados, mas a lei dos judeus proibia de os deixar suspensos à forca depois do pôr do sol. Como o sábado ia começar, tornava-se mais urgente ainda observar as prescrições legais. Os príncipes dos sacerdotes tinham, pois, pedido a Pilatos de mandar dar o golpe de graça aos três supliciados e de retirar a seguir seus restos. Era para essa última execução que os soldados, armados de enormes porretes, subiam o Gólgota.
Eles se aproximaram de um dos ladrões e lhe quebraram as pernas e o peito. O segundo ladrão teve a mesma sorte. Chegados a Jesus, eles perceberam imediatamente, pela palidez do rosto, pela inclinação da cabeça, pela rigidez dos membros, que ele havia cessado de viver há já muitas horas. Julgaram, pois, inútil quebrar-lhe as pernas. Entretanto, para maior segurança, um soldado lhe abriu o lado com uma lançada. O ferro atingiu o coração, e da ferida saiu água e sangue. Assim se cumpriu esta palavra da Escritura: Verão aquele a quem traspassaram; e esta outra referente ao Cordeiro Pascal: Não lhe quebrareis osso algum.
O apóstolo João, entre as santas mulheres, viu com seus próprios olhos todas as particularidades desta cena misteriosa. Viu o ferro entrar no coração de Jesus, viu jorrar sangue e água, as duas fontes de vida saídas do divino coração: a água batismal que regenera as almas, e o sangue eucarístico que as vivifica. E João prestou testemunho do que tinha visto, a fim de inspirar a todos a fé e o amor (2).
Com muita precaução o Evangelista se absteve de usar as palavras feriu seu lado, ou o rasgou, mas abriu, a fim de que de certo modo se franqueasse, a porta de onde brotaram os sacramentos da Igreja, sem os quais não se entra na verdadeira vida.
E prossegue: "E imediatamente saiu sangue e água". O sangue foi derramado pela remissão dos pecados, e a água para suave bebida e purificação.
Ó morte que aos mortos ressuscitas! O que é mais puro do que este sangue? O que mais salutar que esta ferida? (São João Crisóstomo)(3).
A Santíssima Virgem é o verdadeiro paraíso terrestre do novo Adão, de que o antigo paraíso terrestre é apenas a figura.
Há, portanto, neste paraíso terrestre, riquezas, belezas, raridades e doçuras inexplicáveis,
que o novo Adão, Jesus Cristo, aí deixou. Neste paraíso ele pôs suas complacências durante nove meses e, aí operou suas maravilhas aí acumulou riquezas com a magnificência de um Deus.
Este lugar santíssimo é formado duma terra virgem e imaculada, da qual se formou e nutriu o novo Adão, sem a menor mancha ou nódoa, por operação do Espírito Santo que aí habita. É neste paraíso terrestre que está em verdade a árvore da vida; a árvore da ciência do bem e do mal, que deu a luz ao mundo.
Há, neste lugar divino, árvores plantadas pela mão de Deus e orvalhadas por sua unção divina, árvores que produziram e produzem, todos os dias, frutos maravilhosos dum sabor divino; há canteiros esmaltados de belas e variegadas flores de virtudes, cujo perfume delicia os próprios anjos. Ostentam-se neste lugar prados verdes de esperança, torres inexpugnáveis e fortes, habitações cheias de encanto e segurança etc.
Ninguém, exceto o Espírito Santo, pode dar a conhecer a verdade oculta sob estas figuras de coisas materiais. Reina neste lugar um ar puro, sem infecção, um ar de pureza; um belo dia sem noite, da humanidade santa; um belo sol sem sombras, da Divindade; uma orou fornalha ardente e contínua de caridade, na qual todo o ferro que aí se lança fica abrasado e se transforma em ouro; há um rio de humildade que surge da terra, e que, dividindo-se em quatro braços, rega todo este lugar encantado: são as quatro virtudes cardeais (4).
Uma videira arrancaste do Egito, expulsaste as gentes e a plantaste.
Preparaste-lhe o terreno, e lançou raízes, e encheu a terra.
A sua sombra cobriu os montes, e os seus sarmentos os cedros de Deus.
Estendeu a sua ramagem até ao mar, e até ao rio os seus rebentos.
Para que destruíste sua cerca, de modo que a vindimem todos os que passam pelo caminho,
e a desvaste o javali da selva, e se apascentem nela as bestas do campo?
Ó Deus dos exércitos, volta-te, olha do alto do céu, e vê, e visita esta videira.
E protege aquela que a tua destra plantou, e o rebento que para ti fortaleceste.
Os que a incendiaram e talaram pereçam ante a ameaça do teu rosto.
Esteja tua mão sobre o homem de tua destra, e sobre o filho do homem que para ti fortaleceste.
Não nos afastaremos mais de ti; tu nos conservarás a vida, e proclamaremos o teu nome.
Senhor, Deus dos exércitos, restaura-nos, e mostra-nos sereno o teu rosto, para que sejamos salvos (l).
Assim que tua devoção se for tornando conhecida, maledicências e adulações te causarão sérias dificuldades de praticá-la. Os libertinos... dirão que alguma desilusão sofrida no mundo te levou por pirraça a recorrer a Deus.
Os teus amigos, por sua vez, se apressarão a te dar avisos que supõem ser caridosos e prudentes sobre a melancolia da devoção, a perda do teu bom nome no mundo, o estado da tua saúde, incômodo que causas aos outros, a necessidade de viver no mundo conformando-se aos outros e, sobretudo, sobre os meios que temos para salvar-nos sem tantos mistérios.
Quem não vê que o mundo é um juiz iníquo, favorável aos seus filhos, mas intransigente e severo para os filhos de Deus?(6)