P.12-13 | MATÉRIA DE CAPA |(continuação)

alguém de aderir à Igreja é um ato de perseguição a Cristo. Arrancar uma alma à Igreja é fazer a Nosso Senhor, em certo sentido, o mesmo que a nós fariam se nos arrancassem um membro.

Se, pois, nesta Semana Santa de 1992, queremos condoer-nos pela Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, não nos esqueçamos de quanto se faz atualmente para ferir-lhe o Divino Coração. Rezemos pelos perseguidos, para que perseverem na Fé. E peçamos a Nossa Senhora que mude as disposições de alma dos católicos neste Ocidente dito cristão. Pois só uma atitude enérgica deles poderá fazer cessar as perseguições.

A Igreja, sofredora, perseguida, vilipendiada, aí está a nossos olhos quiçá indiferentes ou cruéis. Ela está diante de nós como Cristo diante da Verônica. Condoamo-nos pelos seus padecimentos. Coloquemos a seus pés nossa indignação reparadora pelo que ocorre. Com carinho, consolemos a Santa Igreja sofredora. Podemos estar certos de que, com isto, estaremos dando ao próprio Cristo consolação semelhante à que lhe proporcionou a Verônica.

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Notas: 1. O fundamentalismo islâmico é a versão mais radical e exacerbada do maometanismo, fazendo reviver as cruéis perseguições religiosas que os islamitas promoveram em séculos passados contra os católicos, nos territórios onde dominaram. Hoje ele se encontra em expansão, gozando ademais de simpatia e apoio em largos contingentes de muçulmanos não-fundamentalistas. Esses fundamentalistas propugnam a aplicação, ao pé da letra, do Corão, excluindo qualquer interpretação, ensinamento, prática ou costume que não se ajuste a ele. Pretendem retornar à “pureza” e ao “fervor” –– entenda-se cega obsessão –– dos séculos de expansão muçulmana (secs. VII e VIII). Geralmente recusam tudo o que difere dos hábitos islâmicos ancestrais, com ódio especial aos vestígios da influência civilizadora e evangelizadora europeia e cristã. 2. Charia é o direito islâmico baseado no Corão. Nele os cristãos, chamados dhimmi (gente do acordo), padecem um estatuto jurídico especial. Todo dhimmi adulto e livre deve pagar um imposto pessoal. Suas terras, ou são waaf –– isto é, propriedade de todos os muçulmanos, conservando ele o usufruto –– ou ele as possui como suas, devendo então pagar um imposto territorial (charadj). Este imposto cairá se ele se tornar islamita. Dado que o dhimmi não pode prestar serviço militar, ele é obrigado a pagar um imposto suplementar para manter o exército muçulmano. Deve, ademais, diferenciar-se do islamita pelo vestuário; não pode portar armas nem andar a cavalo. Os dhimmi não têm direitos civis em nenhum Estado islâmico. A introdução da charia torna automaticamente proibida, sob pena de morte, toda pregação do Evangelho. 3. O Concílio Vaticano II, em sua Declaração sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs, diz: “Quanto aos muçulmanos, a Igreja igualmente os vê com carinho, porque adoram a um único Deus, vivo e subsistente, misericordioso e onipotente, Criador do céu e da terra, que falou aos homens” (nº 3). SIGLAS DAS FONTES: DF - Revista “Der Fels”, de Regensburg. IGVK - Die Situation der Christen in islamis chen Staaten –– “Informationshefte zum Gebetstag für die Verfolgte Kirche 1991”. Livreto editado pela Kirche in Not, Munique, 1991. IGFM - Mitteilungen an Freunde und Forderer Fir Die Menschen Rechte –– Internationale Gesellschaft für Menschenrechte –– Deustche Sektion, Frankfurt - (Sociedade Internacional pelos Direitos Humanos, Seção alemã). SCEA - Instrumento de trabalho editado pelo Secretariado da Conferência Episcopal Alemã, Bonn, 1991. IM - Revista “Iglesia Mundo”, de Madri. MN - Revista “Mundo Negro”, dos missionários combonianos da Espanha. M – “EI Mundo”, de Madri. KM – “Die Katholischen Missionem”. NCR – “National Catholic Register”, dos Estados Unidos. OR – “L’Osservatore Romano”. I- L’Impact”. Paris. VN – “Vida Nueva”, de Madri.
| HISTÓRIA |

O rei leproso

Gregório Lopes

No tempo das Cruzadas o valor humano decidia a vitória, como sucedeu no reinado de Balduíno IV

Balduíno IV, coroado rei de Jerusalém, em 1174. Poucas pessoas sabem –– pois os cursos e livros didáticos de História quase não falam disso –– que os católicos mantiveram, durante cerca de duzentos anos, um importante reino na Palestina, chamado Reino de Jerusalém.

Nascido daquela ousadia que só a verdadeira fé comunica, da santa inconformidade com o fato de os Lugares Santos estarem sob domínio dos infiéis, cercado de muçulmanos agressivos, a existência desse Reino foi uma proeza contínua. Tornou ele exuberante realidade o sonho da Europa cristã de reconquistar o Sepulcro de Nosso Senhor.

Hoje em dia deploramos que a decadência do espírito de fé nos povos europeus tenha arrastado o Ocidente à triste situação moral e religiosa em que presentemente ele se encontra. Mas esse não foi o único fruto deteriorado que daí decorreu. No Oriente, o Reino Franco ou Latino de Jerusalém –– como também foi conhecido –– era uma cabeça-de-ponte para a conversão daqueles povos à cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se a fé não se tivesse entibiado nos corações, dali o cristianismo poderia ter-se propagado em condições favoráveis para toda a África e Ásia, e chegado, quiçá, aos extremos da China e do Japão, convertendo a Índia pagã e revertendo o cisma em que se precipitara o Império Romano do Oriente ou Bizantino ao romper com a Sé de Pedro.

Tal entibiamento, porém, foi a causa de que o Reino Católico de Jerusalém desaparecesse. Apagado nos corações o ardor da autêntica fé, cessou de existir a união no mesmo ideal. E supresso o elo divino de união, começaram a preponderar os fatores humanos de divisão: rivalidades pessoais, ambições, etc. O resto, os maometanos o fizeram. Mas essa já não é mais a história dos “cristãos atrevimentos” de que fala Camães, o célebre poeta luso, e sim a da decadência que começava então, e rola precipício abaixo até nossos dias.

Guerreiro providencial

Se, porém, pouco se fala da existência estável de um extenso reino católico na Palestina, menos ainda se realça os gloriosos fatos que lá se passaram. E quase não se menciona a figura de um homem excepcional, intrépido guerreiro até o holocausto por amor à Religião católica, Balduíno IV (1160 - 1185), o rei leproso de Jerusalém, que subiu ao trono aos 14 anos de idade. Só hoje em dia historiadores imparciais vão lhe fazendo justiça, como a outros vultos da Idade Média.

No momento em que as maiores adversidades se acumulavam naquele Reino, a Providência divina parece ter querido suscitar um homem –– melhor diríamos, uma chama de fé e coragem –– para mostrar que tudo ainda poderia ser salvo se o quisessem seguir e imitar. E caso não houvesse essa fidelidade –– como historicamente não houve –– ao menos ficasse ele como símbolo para os séculos futuros daquilo que a graça de Deus pode produzir nas circunstâncias mais terrivelmente contrárias.

Balduíno IV lutou contra a lepra, doença então incurável, que nele se manifestou desde criança e o foi pragressivamente transformando num morto-vivo, quase um fantasma chagado, até levá-lo ao túmulo aos 25

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