Leo Daniele
“Estão degrenindo nosso País”, exclamava exaltado um simpático fazendeiro, meu conhecido. Ele estava errado, porque “degrenindo” não existe em português. Entretanto, certíssimo, pois realmente, não se sabe bem por qual razão, há pessoas que forçam as cores cinzentas do panorama não muito risonho em torno de nós, para torná-las acachapantes e desesperadoras.
Ora, isso é, muito precisamente, denegrir.
Negar a existência de uma crise é o mesmo que desejar tapar o sol com uma peneira. Muito antes dos atuais denegridores, esta revista já timbrava em apontar seus contornos, diagnosticá-la e indicar para ela soluções de fundo. Naquele tempo, esses senhores bocejavam, às vezes nos olhavam com um sorrizinho, e logo procuravam puxar um surrado “tudo bem”, entrouxado pelo menos umas dez vezes em cada vinte frases...
Agora os mesmos estão aí, ativos, impiedosos. O “tudo bem” murchou. O denegrir tornou-se para eles quase uma profissão.
* * *
Para certos jornalistas, aliás, essa forma por vezes sutil, geralmente boçal, de difamação faz parte da profissão. Nosso País, em seus artigos, transforma-se numa espécie de monstro Frankestein, ou então numa Biafra a morrer de fome...
Por certo, eles não negam, por exemplo, que nossas siderúrgicas produziram 10.959.600 de toneladas de aço no primeiro semestre deste ano, ou seja, mais da metade da produção total da América Latina. Que exportamos 20,9 milhões de toneladas de café em 1991, um recorde histórico de venda externa do produto. Mas não dão o devido realce a esses e outros fatos promissores.
Se se recordar que a taxa de mortalidade está caindo: no início do século era 25, hoje apenas 7,2; que a devastação de nossas florestas diminuiu 26% nos últimos quatro anos; que mais de 70% dos domicí1ios brasileiros têm televisão e geladeira, segundo pesquisa recente do IBGE; que, dando provas de maturidade, 61 % de nossos operários são favoráveis à privatização de algumas ou de todas as estatais; que aparecem exemplos como o de Sertãozinho (SP), cidade em que, tendo entrado em crise a principal indústria, o prefeito suspendeu o pagamento de impostos e tarifas por parte dos desempregados e os supermercados baixaram os preços... Se se lembrar todos esses fatos e alguns mais, vão dizer que se trata de casos isolados.
Mas se fatos isolados não têm valor como argumentação, por que fraudar uns, arranjar outros, como a todo momento se vê?
Posso dar exemplos de fraudes ou arranjos “degrenidores”. Segundo artigo de página inteira da “Folha de S. Paulo” (27.10.91), “dois terços da população” caminham a pé em São Paulo, “por falta de dinheiro”.
É chocante. Mas, descuidadamente, o próprio jornal deixa escapar que ... “o paulistano gasta em média 19 minutos em suas viagens feitas a pé”. Apenas saudáveis 19 minutos! Ele faz em média 1,8 viagens a pé por dia, o que dá um total diário de 34 minutos, divisíveis em várias parcelas. Será tão trágico assim? Ficam abaladas com isto as colunas do Universo, ou da saúde?
Outro exemplo é o mito de que “os pobres ficam cada vez mais pobres, e os ricos cada vez mais ricos", já eficientemente desmontado pelo economista Carlos Patrício del Campo no livro Is Brazil Sliding Toward the Extreme Left? (ver Catolicismo, nº 429).
Finalmente, foram divulgadas estatísticas do IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicí1ios), segundo as quais os ricos estão ficando menos ricos, e os pobres, menos pobres. Estes tiveram um aumento real de renda de quase5% em apenas um ano, enquanto os mais ricos perderam entre 30,8% e 23% de sua renda no mesmo período. Entretanto, a “Folha de S. Paulo” (22.11.91) conseguiu arranjar para essa matéria um título enorme alardeando exatamente o contrário: “Aumenta a concentração de renda no país”! A cabeça do artigo diz uma coisa, seu corpo, o contrário. Isto sim é um monstro Frankenstein!
Um preconceito anti-Brasil encharca certa mídia, que não perde ocasião para inculcar que estamos mal, péssimos, “na rabeira do quarto mundo”, perdendo tempo ao residir no País, que não tem mais jeito...
A crise, sem dúvida, existe. Mas se não acabou com o Brasil é porque este é muito maior do que ela.
Este é o fato geral, importante, transcendente. Por que não pensar mais nele, e “degrenir” menos?
Paulo Correa de Brito Filho
Quatro jovens fazem rápida encenação de um fuzilamento, como se estivessem diante do paredón cubano. A moça, representando o papel de condenada como “traidora”, cai ao chão, enquanto catchup escorre por sua blusa à maneira de sangue.
Nesse momento, inusitadamente um grupo de rapazes avança sobre os atores aos brados de: “Brasil, Cuba! Um só coração! Ê!, Ê! Viva Cuba, viva Chê!” A jovem “fuzilada", ainda no solo, quase foi pisoteada pelos neobárbaros. Escapou, como seus companheiros encurralados, devido à enérgica interferência de alguns circunstantes.
Briga de estudantes castristas e anticastristas na década de 60? Não. Trata-se de cena ocorrida no embarque dos 112 participantes do chamado “Voo da Solidariedade” a Cuba, na noite de 7 de fevereiro último, no aeroporto de Cumbica; em São Paulo.
Os atores: integrantes do grupo teatral hebreu denominado Nafesh. Atriz quase pisoteada: Betsabah Aguilla.
Agressores: na maioria, militantes do MR-8, que assistiam à partida do tal “Voo da Solidariedade”.
Esse voo –– marcado já no início por tal incidente –– começou a ser idealizado em agosto do ano passado, quando um grupo “intelectuais” da esquerda festiva, liderados pelo cantor Chico Buarque de Holanda, reuniu-se no Rio para prestar algum tipo de apoio a Cuba. No fim do ano, o Secretário Estadual de Educação de São Paulo, Fernando de Morais, e o tristemente afamado religioso Frei Betto aderiram à infeliz iniciativa.
A partir de então, Chico Buarque e Frei Betto coordenaram o voo e enviaram convites a duas centenas de esquerdistas mais em evidência –– representantes da inteligentsia, que desfrutam da generosa cobertura do macrocapitalismo publicitário do País. Inscreveram-se no “Voo da Solidariedade” diversas personalidades como Frei Boff, os humoristas Ziraldo e Jaguar, o escritor Antonio Callado, o jornalista Eric Nepomuceno, o cantos Taiguara, o ex-senador carioca Saturnino Braga etc. etc. Cada viajante devia levar consigo 35 quilos de equipamentos médicos e medicamentos, além de manifestar sua oposição ao bloqueio comercial norte-americano em relação à Ilha-Prisão.
Segundo Frei Betto, os inscritos chegaram a 180, mas “com o jeitinho brasileiro” acabaram viajando somente 112.
Não é difícil discernir em que consistiu esse “jeitinho”: entre a aceitação do convite e a efetivação da viagem ocorreram fatos que esfriaram o ardor revolucionário de algumas dezenas de alegres “turistas da solidariedade”. Assim, a execução no paredón do exilado Eduardo Diaz Betancourt, em 20 de janeiro, representou uma ducha de água fria no incrível idílio da esquerda brasileira com o ditador que, há mais de três décadas, atormenta o povo cubano. A posterior condenação à morte de mais dois anticastristas –– Luiz Miguel Almeida Pérez e René Salmerón –– agravou o mal-estar entre os admiradores do “paraíso” fidelista.
Em face disso, os incondicionais (não seria mais apropriado qualificá-los de irracionais?) do castrismo, não deixaram passar a ocasião para expor ao público “pérolas” como esta, da lavra do arquiteto Oscar Niemeyer: “Se ele [Fidel Castro] fez [isto é, fuzilou], é porque era preciso. As coisas são feitas quando são necessárias, e às vezes é necessário dar um exemplo” (“O Globo”, 21-1-92). O chargista Jaguar também apoia as execuções em Cuba, mas tenta amenizar, na aparência, a brutalidade stalinista, com humor negro: “Vou [a Cuba] para ver os fuzila-