Em plena floresta amazônica, um grupo de famílias vive experiência de vida comunitária, sob efeito de droga e conduzidas por um guru
Cá e lá na imprensa pingam notícias a respeito do chamado “Santo Daime”. Ora se diz que é bruxaria, ora que é uma bebida curativa, que se trata de uma religião indígena, de uma seita ou de uma comunidade de tipo comunista. Só se sabe ao certo que o “Santo Daime” vai fazendo proselitismo na classe endinheirada do Rio de Janeiro e de outras cidades, e que provoca vômitos. E que, ademais, conta com altos apoios políticos e financeiros.
Afinal, o que é isso? O “Santo Daime” apresenta-se com várias facetas, ao gosto do freguês. Para o povo miúdo tem ares de religião, para os mais intelectualizados seria uma “expressão cultural dos povos da Amazônia”.
Como religião, é uma mixórdia onde se encontram práticas de pajelança indígena com baixo espiritismo, presença de Satanás e até –– pasmem! –– algumas palavras emprestadas da terminologia católica, talvez para melhor atrair os incautos. Como “expressão cultural”, seria um costume indígena consistente em extrair de plantas uma bebida alucinógena e, em torno da ingestão, dela elaborar um ritual.
Por fim, haveria ainda uma expressão sociológica que se traduz na formação de agrupamentos humanos de tipo comunista, com propriedade coletiva. Mas não do comunismo clássico, ditatorial, com planejamento rígido etc.; e sim de um neocomunismo indigenista –– muito mais radical que o anterior –– formando uma tribo na floresta, conduzida por um guru ou pajé, e afundando aos poucos na barbárie, à medida que os rudimentos de civilização vão sendo por eles esquecidos.
Aspectos religiosos, “culturais”, sociológicos são apresentados de cambulhada num livro que se pretende científico(1), mas com boa dose de propaganda para atrair as diversas vertentes de leitores, e ir tornando “natural” a existência de barbaridades como essa. Dele extraímos os dados para este artigo.
O “Santo Daime”, propriamente, é o nome dado a uma bebida extraída de um cipó e de uma folha, ambos da floresta amazônica. Em torno dela elaborou-se um ritual.
Como fundador da “doutrina do Santo Daime”, em 1930, é apresentado um “negro forte, com dois metros de altura”, conhecido como “mestre Raimundo Irineu Serra”, filiado ao Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, em São Paulo, e à Ordem Rosacruz. A “fundação” se teria dado “após um longo período de iniciação com a ayahuasca, bebida utilizada em rituais mágico-religiosos por grupos indígenas”, na selva fronteiriça Brasil-Peru. O atual guru, sucessor de Irineu e líder da comunidade, atende pelo nome de “padrinho Sebastião Mota”.
Quem toma o “Santo Daime” segundo as prescrições rituais, acaba por ter visões. Mas o livro deixa na penumbra até que ponto tais visões fazem aparecer seres com realidade externa, ou se se trata simplesmente de fruto da imaginação alucinada pela bebida. Esse ponto, que seria de capital importância esclarecer, para se entender bem o que pretendem os dirigentes desse movimento, fica na confusão.
“Mestre Irineu” tinha visões de uma mulher chamada, ao mesmo tempo, Clara, Rainha da Floresta e Nossa Senhora da Conceição, mas que também lhe perguntava: “Tu tens coragem de me chamar de Satanás?” A tal Clara –– ou Satanás prometeu ao negro: “Eu vou te entregar esse mundo para tu governar”, mediante certas condições. Não deixa de ser curiosa a analogia com a passagem do Evangelho em que o demônio, aparecendo a Nosso Senhor e descortinando diante d’Ele todos os Reinos do mundo, disse-Lhe: “Tudo isto te darei, se prostrado me adorares” (Mt. 4, 9-10). Acrescenta o livro que “a missão de mestre Irineu é a missão de Juramidam, entidade divina que representa Cristo”. Só que Nosso Senhor repeliu indignado o demônio, enquanto Irineu parece ter-se sentido promovido e encantado com a aparição...
O próprio livro informa que, ao tempo dessas visões de Irineu, os caboclos,