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| DISCERNINDO, DISTINGUINDO, CLASSIFICANDO |
Pichações
C. A.
A existência de gangues bem organizadas de pichadores levanta interrogações
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"Outra vez esses malditos me picharam o muro, pintei-o ontem!" –– desabafava o pequeno comerciante. E acrescentava: "Não pinto mais, vou deixar como está".
Esse sentimento de ódio, e ao mesmo tempo de impotência diante do fato consumado, seguido da firme resolução de ... não fazer nada, vai se generalizando entre as vítimas das pichações.
E com isso a sujeira visual esparrama-se por paredes e muros das cidades, sem que nada se lhe oponha. O Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, e a igreja Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo, não puderam escapar aos sprays dos novos vândalos. Quando a propriedade pichada é particular –– esmagadora maioria dos casos –– a polícia, para agir, precisa receber uma queixa do interessado, o que dificilmente ocorre, pois dá trabalho e pouco adianta. A consequência é que os pichadores têm livre trânsito.
Numa sociedade como a nossa, em que é rara a possibilidade de praticar verdadeiras formas de heroísmo, alguns jovens engajam-se nas pichações à procura da aventura e do risco. Para pichar, entregam-se por vezes a escaladas perigosas e expõem-se a fugas precipitadas, que lhes servem de caricatura do verdadeiro ideal não encontrado.
A epidemia de pichações, segundo alguns, seria devida à pobreza de muitos meninos. Tal justificativa, entretanto, parece pouco convincente e provém, em geral, de certa categoria de indivíduos de raciocínio curto, para os quais a pobreza é uma espécie de coringa que explica todos os males do mundo.
Pobreza sempre houve, mas a febre de pichações é relativamente recente.
E pichar não só não dá lucro, mas traz gastos. Em novembro último, um líder (de 17 anos) da Lixomania, principal gangue de pichadores de Santo André –– SP, declarou que seu grupo utiliza aproximadamente 15 latas de spray por mês, compradas, cada uma, a Cr$ 2.850,00 (cfr. "Diário do Grande ABC", 29-11-91). Portanto, desembolsava a quantia mensal de Cr$ 42.750,00, valor equivalente ao do salário-mínimo naquele mês. Gastar esse dinheiro à toa, é próprio de quem é pobre? Ademais, há também pichadores vindos de famílias ricas ou da classe média, que no jargão deles são chamados bafo.
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Talvez se encontre um esboço de lógica para explicar a mania de pichações, lembrando que ela é concomitante com vários fatos esquisitos: o crescimento do número de desocupados, verdadeiros índios urbanos, que passaram a "morar" nas ruas e praças das cidades, sem querer trabalhar e sem pedir esmolas, ali mantidos e alimentados não se sabe bem por que misteriosa mão (cfr. Catolicismo, agosto/91); a escalada da criminalidade e da violência em geral; a impressionante derrocada da moral social, nos hábitos, costumes, vestes, comandanda pela TV.
O mundo moderno vai se afastando da civilização e caminhando rumo a uma neobarbárie. Nesse conjunto, uma ação programada de pichadores encontra facilmente uma explicação. Pois, se se trata de abater todos os valores morais, artísticos e até de simples ordenação e limpeza, para chegar a uma situação semelhante à da taba indígena, então é claro que um enfeiamento do panorama urbano contribui largamente para isso.
Há ainda vários sintomas que falam a favor de uma ação programada. Os pichadores, em geral, não são isolados, mas estão constituídos em gangues bem organizadas, caracterizando-se por usar camisetas e bonés. Muitas delas adotam nomes em outras línguas, não parecendo, portanto, serem ignorantes as pessoas que as batizam. Assim a The Masters (Os Mestres) ou a Stork (Cegonha). Outras atuam em mais de uma cidade, como a Turma New Life (Nova Vida) em São Paulo, Santo André e São Bernardo. Cada grupo tem, ademais, seu logotipo próprio.
Tudo isso faz pensar em que a nossa pobre sociedade ex-cristã, caótica e sem rumo, está sendo empurrada, por fatores pouco claros, para um estado de coisas bem triste. E que os pichadores, muitas vezes sem o saberem eles mesmos, são um dos dedos –– talvez o mindinho –– da mão que empurra.
| ASSESTANDO O FOCO |
"Todos os índios e descendentes de índios aqui presentes fiquem de pé. Todas as outras raças devem se ajoelhar. Os índios e seus descendentes estendam as mãos sobre nós que estamos de joelhos. Vamos pedir perdão".
Essa insólita voz de comando foi dada através do potente sistema de som, do alto de um caminhão, onde se encontravam um pobre silvícola, duas crianças fantasiadas de índio, e os líderes da 152 Romaria da Terra, promovida pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em Hulha Negra (RS).
Por que pedir perdão?
Pasme, leitor: pelo Descobrimento e Evangelização da América, cujo V Centenário neste ano se comemora!
Ajoelhados promiscuamente em meio à massa humana, encontravam-se sete Bispos, dezenas de padres, freiras e agentes pastorais, todos pedindo perdão por terem "trazido aos índios uma outra religião".
Qual a "outra religião" trazida ao Novo Mundo por Nóbrega e Anchieta, e por tantos missionários? O Cristianismo!
A doce religião de Nosso Senhor Jesus Cristo é assim considerada uma intrusa, um fator de opressão: "Com a cruz veio também a espada dos colonizadores" , diziam.
Mas os promotores da 15ª romaria da Terra não se limitaram a pedir perdão: incitaram os "romeiros" à luta de classes, às invasões de propriedades rurais, à destruição das cercas e à implantação da Reforma Agrária "na marra".
Essa mistura explosiva de tribalismo e marxismo, temperada com fortes pitadas de ecologismo radical, vem analisada nesta edição por uma bem documentada reportagem. Nela figuram significativas declarações de produtores rurais e de lideranças do Movimento dos "Sem-Terra", no Rio Grande do Sul.
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