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| MATÉRIA DE CAPA |
Capa
Romaria ou incitamento à luta de classes?
Bráulio Aragão
Luta de classes, exaltação delirante do ecologismo e da vida tribal, profissão de fé marxista: eis a estranha mistura que caracterizou a 15ª Romaria da Terra, de Hulha Negra (RS)
Ao término da Missa dominical, na bela igreja dedicada a Nossa Senhora Auxiliadora, em Bagé (RS), a voz aveludada de uma freira convidava os fiéis a participar de uma Romaria a um distrito próximo, Hulha Negra, na terça-feira, dia 3 de março.
Pronunciada com doçura e certa nota de piedade, a palavra Romaria parecia evocar, do fundo dos séculos, a legião de peregrinos que nos primórdios do Cristianismo caminhava, por vezes, milhares de quilômetros para visitar Roma, a Cidade Eterna, onde se encontra o sucessor de São Pedro.
Romaria fazia lembrar ainda as multidões que anualmente afluem para santuários famosos, como Aparecida, no Brasil, Compostela, na Espanha ou Fátima em Portugal.
Mas a Romaria ali anunciada apresentava características um tanto diversas das tradicionais peregrinações católicas. Diziam seus promotores que era "um novo jeito de ser cristão", isto é, "comprometido com as lutas sociais". E esse "novo jeito" parece excluir a antiga religiosidade, pois, como explicam, "colocar-se contra esse compromisso é uma opção de fé falsa. E uma idolatria"1.
Não se tratava, assim, de estimular alguma forma de devoção à excelsa Mãe de Deus ou de cultuar algum santo padroeiro, mas de "celebrar a Mãe-Terra", Gaia, a deusa adorada na Antiguidade pelos gregos pagãos. Daí seu nome, Romaria da Terra, que há quinze anos vem se realizando no Rio Grande do Sul, promovida pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e contando com o apoio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), do Movimento dos "Sem-Terra" (MST), da CUT, do PT e da maior parte das dioceses gaúchas.
Nova espiritualidade
A Romaria da Terra possui uma nova forma de "espiritualidade", que é "baseada na mística da terra, no Deus – Terra de Irmãos", como ensina um livreto da CPT distribuído na ocasião2. E como a "terra é sagrada", os peregrinos foram convidados, no início da Romaria, a se descalçarem, não como forma de penitência, mas porque iriam pisar na Mãe-Gaia. Além disso, após tocarem no chão, todos se benzeram: a água benta, sacramental da Igreja, foi substituída, então, pela terra benta que não necessita ser abençoada pelo sacerdote.
Deste modo, o fiel que esperasse encontrar na 15ª Romaria da Terra algum motivo para afervorar sua vida cristã, como aprendera no Catecismo, saiu desiludido, se não escandalizado. Em vez de objetos religiosos, encontrou bandeiras do PT, cartazes políticos incentivando a luta de classes, e "peregrinos" trajando camisetas do PC do B com a esfinge do falecido guerrilheiro comunista "Che" Guevara.
Num ambiente de folia carnavalesca e de prosaísmo "ecológico", aproximadamente seis mil pessoas, a grossa maioria pertencente às CEBs, misturavam-se a Bispos à paisana e com chapéus de palha, a freiras trajando roupas masculinas e a agentes pastorais de short.
Nessa massa humana –– e de propósito falamos em massa e não povo –– encontrava-se de tudo, até representantes de movimentos ecologistas europeus. Difícil era encontrar trabalhador rural. Muitos dos andarilhos aparentavam cansaço e alheamento ao que se passava em torno do caminhão central, no qual se instalara a liderança da Romaria.
Do alto dessa espécie de tribuna móvel, um magote de agitadores monopolizava o microfone do poderoso sistema de som, bombardeando continuamente os "romeiros" com slogans, discursos e palavras de ordem, numa tentativa frenética de evitar qualquer esmorecimento do "fervor popular".
"Abaixo as cercas!"
Cânticos subversivos acompanhados por violões e discursos políticos animaram a Missa campal concelebrada por sete Bispos gaúchos ao término da 15 Romaria da Terra.
Os cantos e as "orações" eram inspirados na nova "teologia-ecológica" e temperados com uma forte nota de marxismo e luta de classes. Investiam sobretudo contra o direito de propriedade, fazendo assim total descaso dos 7º e 10º Mandamentos da Lei de Deus.
"Eu vou cantar!/ Quando as cercas caírem no chão... Eu vou cantar!/ Quando os muros que cercam os jardins/ Destruídos, então os jasmins/ Vão perfumar!... Entrando de vez na nossa terra prometida/ as cercas cortei porque pra nós esta terra é vida" (cantos nºs 7 e 16).
Apresentada como símbolo de todos os males que afligem a Mãe-Terra, a cerca virou objeto de execração geral. "Malditas sejam todas as cercas", dizia um cartaz portado por militantes do MST.
À esquerda: Cruz processional dos "sem-terra" ao lado de bandeiras do PT. Mescla explosiva de política e religião.
Nesse clima de animosidade e ódio contra o direito de propriedade, não espanta que os líderes aboletados no carro de comando chegassem ao cúmulo de incentivar, in loco, a destruição das cercas por onde a Romaria passava. E não importava que fossem cercas de pequenos agricultores. A mística comuno-ecológica da Mãe-Terra é implacável: qualquer proprietário é execrável e toda cerca é diabólica. Só o trabalho coletivo e o socialismo realizam "o Reino de Deus".
E não é outro o significado do lema aparentemente anódino da 15ª Romaria, "Terra cultivada, caminho para a vida". Assim se exprime o folheto explicativo do evento: "Queremos a terra... Ela é nossa Mãe, a que nos gera e nos alimenta... E a Mãe só pode gerar vida feliz quando está livre e é amada. É urgente pois libertar a terra do latifúndio, das cercas, das marcas"...
Coerentes com essa lógica incendiária e comunista, outros cânticos apresentavam o fazendeiro ao lado do jagunço: "Fazendeiros e jagunços/ Matando o trabalhador/... E a terra que era nossa/ Hoje é toda do patrão/ Precisamos resistir/ E nós vamos conseguir/ Pôr a terra em nossas mãos" (canto nº 8).
À esquerda: Agricultores em procissão? Não, Bispos de chapéu de palha e boné misturados aos ativistas das CEBs;
A direita: Cartaz de propaganda da 15ª Romaria da Terra: destruição das cercas, repúdio à evangelização da América e exaltação do tribalismo indígena.
V Centenário
Assim como não cessaram de promover a luta de classes entre trabalhadores e proprietários rurais, os idealizadores da 15ª Romaria da Ter-
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