P.10-11 | MATÉRIA DE CAPA | (continuação) Ao entardecer, os últimos raios do sol poente parecem atear fogo nas nuvens, provocando no céu um grande incêndio. Aqui, os dias de verão são longos, o povo é saudável e o solo fértil. Estamos no extremo sul do Brasil, a poucos quilômetros da fronteira com o Uruguai. Esta parte meridional do Rio Grande do Sul é conhecida como região da Campanha. Embora represente apenas 1% de nosso território, a Campanha é responsável por 90% da produção nacional de lã e de carne ovina, possuindo, ademais, 10,6% de todo o rebanho bovino do País. A excelência do gado criado nesta região é comprovada anualmente em Esteio, onde se realiza a maior feira agro-pastoril da América Latina. A fertilidade do solo é surpreendente, sobretudo para as culturas irrigadas. A produtividade de arroz, por exemplo, é uma das mais elevadas do planeta: 5.074 kg/ha. Neste ano espera-se alcançar uma safra 80% superior à do ano passado Isso fará com que o Rio Grande do Sul se transforme no celeiro do Brasil, com uma produção de 14,8 milhões de toneladas de grãos, ou seja, 20% da produção global do País1. Esses dados revelam a competência e a capacidade do produtor gaúcho, que em meio à aguda crise por que passa a Nação, soube ainda enfrentar os riscos de um clima incerto e vencer os inúmeros desafios do campo, contribuindo assim, de modo ponderável, para alimentar nosso povo. Mas há um fator que ameaça desestabilizar um dos Estados com melhor organização fundiária do País e que, como uma espada de Dâmocles, paira sobre as cabeças dos produtores rurais: o Movimento dos "Sem-Terra" (MST), que só no Rio Grande do Sul já realizou mais de 30 invasões criminosas. * * *

Um exemplo flagrante

Na localidade de Tupi Silveira, a 27 quilômetros de Bagé, a fazenda São Pedro (586 ha.), mencionada no início deste artigo, encontrava-se em plena atividade agropecuária quando um dia seu dono, Antônio Carlos Caggiano Netto, mais conhecido por Carlinhos, soube que o INCRA resolvera instalar, em frente à sua propriedade, um assentamento dos "sem-terra". Eram 499 famílias deslocadas de Ronda Alta, no norte do Estado, para o Centro de Treinamento Agrícola (CTA). Ocorre que a área do Governo não era suficiente para abrigar tanta gente. Logo começou haver um clima de tensão na região, habilmente insuflado pela liderança do MST. O preço da terra caiu vertiginosamente. O roubo de gado tornou-se endêmico. Só da fazenda vizinha à São Pedro, pertencente a Silvio Paz Corrêa, foram roubadas 600 ovelhas. Espírito conciliador, Carlinhos, entretanto, não media esforços em colaborar com os assentados. Fornecia-lhes diariamente leite, oferecia-lhes carona em sua caminhonete e ajudava no suprimento de água para o acampamento. Não podia acreditar que aquela gente simples fosse massa de manobra de verdadeiros guerrilheiros rurais. Mas o tempo iria mostrar-lhe o outro lado da moeda, a face oculta dos "sem-terra". Certa vez, pediram-lhe emprestada uma lâmina aplainadeira de trator, com a aparente finalidade de fazer diques para um açude. Carlinhos jamais poderia imaginar que, na realidade, a lâmina seria utilizada para cavar trincheiras, erguer barricadas e cortar todo acesso à fazenda. Era a "corda", cedida inadvertidamente, com a qual seria ele mesmo "enforcado"... E o "enforcamento" não demorou muito. Do Centro de Treinamento Agrícola para a fazenda São Pedro era apenas um passo. Chegaram atirando e gritando. Em pouco tempo, mais de dois mil "sem-terra" tomaram conta do pátio central da fazenda, incendiaram os galpões, roubaram as máquinas, mataram o gado e destruíram o que podiam. Em vão um destacamento da Brigada Militar tentou evitar a invasão. Refugiados dentro da sede da propriedade, Carlinhos, nove policiais, duas empregadas e seis peões, foram obrigados a se entregar, já que os "sem terra" conhecem muito bem a utilidade das bombas incendiárias Molotov, embora muitas vezes sejam incapazes de abater adequadamente um boi. Todos foram então mantidos em cárcere privado, não sem antes passar pelo "corredor polonês": além das pancadas e murros, os invasores espicaçavam suas vítimas com espetos de churrasco, cujas pontas tinham sido infectadas nas latrinas. As lesões provocadas deixaram sinais por vários meses. À noite, os prisioneiros foram submetidos a toda sorte de terror psicológico e ameaças. Além das já descritas sessões de "roleta russa", colocaram em suas cabeças lixeiras sujas de papel higiênico. Carlinhos sentia agora, na própria pele, a dura realidade de uma invasão promovida pelos guerrilheiros do MST.

Impunidade

A fúria dos "sem-terra" aumentava sob a alegação de que um de seus "colonos" havia tombado morto, vítima de um disparo dos brigadianos. Mas a perícia comprovou posteriormente que o projétil que o atingira não era do tipo de arma utilizado pelos militares. Era arma de caça, disparada embaixo do queixo. Acidente? Não se sabe ao certo. Sabe-se apenas que o MST estava buscando uma "vítima" para anular o "efeito Valdecir", o soldado barbaramente degolado a golpes de foice por um "sem-terra" numa manifestação em Porto Alegre, promovida pelo MST. Crime esse que causou indignação na opinião pública. Além disso, por curiosa coincidência, o "sem-terra" vitimado era líder das famílias que queriam aceitar os assentamento do INCRA no Mato Grosso, e que foram repudiados pelo MST em nota oficial. Nos onze meses decorridos depois da invasão da fazenda São Pedro, onde os "sem-terra" permaneceram por 50 dias, ninguém jamais se preocupou em saber o que aconteceu ao dono e à sua família, bem como a seus leais empregados. Da São Pedro, hoje só restam ruínas. Aterrorizados, os proprietários da região não ousam soltar o gado no pasto, nem investir na lavoura. Diante desse quadro alarmante, qual a reação das autoridades? Repetidas vezes o Governo declarou que não toleraria invasões, nem negociaria com invasores. No entanto, no caso da São Pedro, os "sem – terra" foram brindados com a garantia governamental de que teriam prioridade no processo de assentamentos. Como bem ironizou um delegado do INCRA, no Rio Grande do Sul, "quem não invade, não ganha terra"... Por outro lado, na invasão da fazenda São Pedro, cometeram-se diversos crimes: formação de quadrilha, assalto à mão armada, sequestro, prisão de reféns em cárcere privado, torturas, roubo de gado, etc. Mas as vítimas não conseguem processar judicialmente o MST porque ele não existe legalmente. Embora possua bandeira e símbolos, o MST entretanto não tem personalidade jurídica. Jamais registrou em cartório os seus estatutos. Vive da proteção da CPT e do clero progressista. Por exemplo, em Porto Alegre, o QG do MST encontra-se num confortável prédio dos frades franciscanos, no bairro de Santana. Em São Paulo, funciona numa escola católica, o Instituto Sedes Sapientiae, onde se instalou a redação do jornal "SEM TERRA". Em Chapecó, diocese de D. José Gomes, ex-presidente da CPT, opera a partir do Seminário local. * * * A maior parte das revoluções comunistas começou pela agitação no campo. Depois que a estrutura de guerrilha rural está bem montada, então o movimento revolucionário parte para a agitação urbana. É precisamente a meta do MST para 1992: a união da luta no campo e na cidade2. Alcançará esse objetivo? Tudo dependerá da capacidade de articulação da classe produtora no sentido de denunciar à opinião pública a escandalosa manipulação do homem do campo para fins escusos e criminosos, isto é, as invasões e a cubanização de nosso País.
Notas: 1. Cfr. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Regional Sul 1, Levantamento Sistemático da Produção Agrícola, Janeiro de 1992. 2. Cfr. IXº Encontro Estadual do MST, 9 a 12 de janeiro de 1992, Palmeira das Missões (RS). N.B: Os dados que fundamentam essa matéria foram coletados pela Agência Boa Imprensa – ABIM, que possui documentos e fitas magnéticas comprobatórios dessa reportagem.
Na foto acima: aspecto do acampamento dos "sem-terra", instalado com auxílio do Governo no Centro de Treinamento Agrícola do Estado, em Hulha Negra (RS).
A partir dele, os agitadores rurais puderam invadira fazenda São Pedro (foto superior, à direita), roubar gado e espalhar o pânico na região.
À direita: lesões corporais provocadas pelos guerrilheiros do MST no capataz da fazenda São Pedro, com espetos de churrasco infectados nas latrinas.
Trincheira e bombas "Molotov" preparadas pelos "sem-terra" depois da invasão da fazenda Arvoredo, no Rio Grande do Sul.

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