P.20-21 | HAGIOGRAFIA | (continuação) "o Apóstolo de Roma" –– a casa e a igreja de Santa Maria de Vallicella.

Perseguição

No final do pontificado de Paulo IV, por volta de 1558, São Felipe é perseguido. Acusam-no de fomentar uma seita, de criar conventículos que ele expunha à heresia. Taxam-no de ambicioso, de fautor de novidades, e submetem-no a uma investigação de várias horas, no mês de agosto daquele ano. Tem de comparecer depois perante o tribunal da Inquisição, no qual havia sido aberto um inquérito sobre seus procedimentos. Em 1570, o grande Papa São Pio V também recebe queixas relativas às conferências de nosso santo. O Pontífice envia então separadamente, à revelia um do outro, dois argutos doutores, para bem examinar e ouvir tudo que desejassem do próprio São Felipe. Ambos retornam ao Santo Padre maravilhados com a ciência e sobretudo com a santidade do fundador dos oratorianos.

Contra o protestantismo

São Felipe deu um contributo notável à luta contra o protestantismo, completando de algum modo a obra do Concílio de Trento, o qual opusera à heresia de Lutero a doutrina da Igreja, fielmente deduzida das Sagradas Escrituras e da Tradição. Porém, os pseudo-reformadores protestantes haviam distorcido também a História da Igreja, a fim de caluniá-la. À vista disso, Felipe ordenou a um de seus filhos espirituais, César de Baron –– futuro Cardeal, mais conhecido sob o nome de Baronius –– que escrevesse uma História da Igreja, desde Jesus Cristo até aqueles dias, resumindo as antigas histórias, os atos dos mártires, as vidas dos santos, os escritos dos Santos Padres, as ordenações dos Concílios, ano por ano, a fim de desfazer as falácias protestantes. Em meio àquela faina, no ano de 1572, Baronius esteve à beira da morte. Felipe rezou por ele: "Senhor, dai Baronius, restituí-mo: eu o quero". Como Nosso Senhor recusasse, voltou-se ele para Nossa Senhora, que lhe deu a saber que sua oração fora atendida. Com efeito, Baronius restabeleceu-se no dia seguinte. O valente Baronius pôs mãos à obra, e de 1588 a 1607 (ano de sua morte) publicou os anais dos doze primeiros séculos da Igreja, em doze volumes, coadjuvado por dois irmãos oratorianos, Odorico Reinaldo e Jacó Laderchi. Sua trilha foi continuada pelo dominicano polonês, Abraham Bzovius, pelo Bispo de Pamiers, Henrique de Sponde (1640) e pelos dois franciscanos franceses Antonio e Francisco Pagi. De modo que, de 1738 a 1756, o Arcebispo de Luca, Mansi, publicou em trinta e oito volumes in folio esses anais portentosos, iniciados por Baronius.

Amigo de Papas e Santos

São Felipe foi amigo de vários Papas: Clemente VIII, a quem curou milagrosamente de uma gota com um forte aperto de mão, Paulo IV, São Pio V e Gregório XIV. Manteve amizade também com vários outros santos: o Cardeal São Carlos Borromeu, que, ajoelhado diante dele, pediu-lhe várias vezes que o deixasse beijar suas mãos; Santo Inácio de Loyola, que gostava de estar junto dele, em silêncio, para admirá-lo; o Beato Alexandre Sauli, apóstolo da Córsega; São Camilo de Lélis, que sob sua orientação fundou a Congregação dos Clérigos Regulares para serviço dos enfermos. Felipe Neri morreu em 26 de maio de 1595, foi beatificado por Paulo V em 1615 e canonizado por Gregório XV em 1622. Depois de morto, os médicos puderam verificar que o seu coração era insolitamente volumoso, e que duas costelas se tinham curvado e fraturado para deixar livres as pulsações cardíacas, cheias de amor para com Deus e para com os homens.
Obras consultadas: 1. José Leite, SJ., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, Portugal, 1987, vol. II. 2. Ernest Hello, Physionomies des Saints, Perrin et Cie., Libraires-Éditeurs, Paris, 1900. 3. Narcel Jouhanceau, Saint Philippe Neri, Plon, Paris, 1957. 4. Pe. Rohrbacher, Vida dos Santos, Editora das Américas, São Paulo, volume IX.
| HISTÓRIA |

Um escravo de Maria na Índia do século XVIII

Augusto de Carvalho O sacerdote indiano José Vaz, que se consagrou a Nossa Senhora como escravo, foi o grande apóstolo de Sri Lanka, o antigo Ceilão. Para entrar nesse país, onde a Igreja vivia perseguida, o zeloso missionário disfarçou-se também como escravo. Em meio às graças que, com as grandes navegações do século XVI, fizeram expandir consideravelmente a Fé para novos continentes, também na Índia a Santa Igreja tomou novo impulso. Com efeito, ao aportar na costa do Malabar, em 1498, Vasco da Gama ali encontrou uma numerosa comunidade de católicos, cujos antepassados haviam sido convertidos em remotos tempos pelo Apóstolo São Tomé. Com o passar dos séculos, parecia em vias de extinção a Fé desses indianos que viviam tão isolados do Ocidente cristão. Porém, ao contato com os portugueses, ela tomou novo vigor e a sua antiquíssima liturgia foi oficialmente reconhecida pela Igreja, sob o nome de rito malabar. Nas caravelas que cruzavam os oceanos ostentando em suas velas a Cruz de Cristo –– emblema da Ordem que em Portugal substitui a Ordem de Cavalaria dos Templários –– viajavam também abnegados sacerdotes, alguns dos quais vieram a ser mais tarde elevados à honra dos altares. À frente dos primeiros missionários que se estabeleceram na Índia encontrava-se Frei Henrique de Coimbra, conhecido personagem de nossa História, por haver sido capelão da esquadra de Pedro Álvares Cabral, e ter celebrado a primeira Missa no Brasil. Desse modo, ao lado do rito malabar revitalizado, o rito latino ali deitou profundas raízes naquela região, com o batismo de milhares de pagãos, daí resultando a constituição das primeiras dioceses e a construção de numerosas igrejas. A província de Goa, situada na costa oeste da Índia, foi uma das primeiras regiões onde frutificou extraordinariamente a semente do Evangelho. Algumas décadas mais tarde, lá chegava o grande missionário São Francisco Xavier, cujo corpo repousa ainda hoje no relicário do altar da Basílica do Bom Jesus, em Old Goa. Faleceu este Santo jesuíta em 1552, quando se encontrava próximo à China, que pretendia visitar, após haver pregado em Málaca, nas Ilhas Molucas e no Japão. Goa viria a receber o honroso título de Roma do Oriente. Nela não havia um quarteirão no qual não brilhasse a lamparina junto ao sacrário do Santíssimo Sacramento, tão numerosas eram suas igrejas e capelas. Nessa atmosfera, em Sancoale, uma singela vila situada a 15 quilômetros de Pandjin, a atual capital de Goa, nascia, em 1661, numa família de alta casta, um menino que se tornou depois um ardente devoto da Santíssima Virgem e admirável homem de Deus. Seu nome era José Vaz, e hoje seu processo de beatificação encontra-se em andamento.

Escravo de Maria

A formação católica recebida desde tenra infância por José Vaz em seu lar, foi aperfeiçoada mais tarde nos estudos realizados com os padres jesuítas e também dominicanos, que lhe transmitiram sólida formação doutrinária e pleno domínio das línguas latina e portuguesa. A 5 de agosto de 1677, pouco tempo antes de se ordenar sacerdote, José Vaz teve um gesto de profundo significado: ajoelhado ante o altar da Virgem Santíssima, na igreja de Sancoale, proferiu ele a sua solene consagração à Santíssima Virgem, na condição de escravo. Para externá-la o quanto lhe era possível, assinou um documento especialmente preparado (ver quadro abaixo). Escravo... palavra que designa a situação terrível de privação da liberdade humana, podendo causar por isso uma natural repulsa. Não obstante, pode também ela ter um sentido sublime e elogioso quando se refere a um auge de dedicação e Página seguinte