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| HAGIOGRAFIA |
Santa Margarida Maria Alacoque, a confidente do Sagrado Coração de Jesus
Ela fez da Pessoa divina de Nosso Senhor Jesus Cristo o centro de todas as suas cogitações e de suas vias.
Luís Carlos Azevedo
Capela e relicário de Santa Margarida Maria, no Mosteiro da Visitação.
Foto maior: Fachada da Basílica do Sagrado Coração de Jesus, Montmartre, Paris.
Certa vez, São Francisco de Assis encontrou um religioso que lhe perguntou:
–– Por que essa multidão, que acorre em direção a vós? Por que todo esse respeito e veneração?
Ao que São Francisco respondeu:
–– Deus percorreu todo o mundo com seu olhar à procura da mais miserável criatura, pela qual pudesse Ele manifestar o seu poder. Seu olhar santíssimo, debruçando-se sobre a Terra, não encontrou nada de mais vil, de tão baixo, pequeno e ignóbil quanto eu. Daí a sua escolha!
Não entramos no mérito dessa afirmação de São Francisco de Assis. Aqui nos importa apenas ressaltar que esse episódio contém uma grande lição.
Deus tanto pode agir através de um instrumento humano altamente qualificado –– é o caso, por exemplo, de Santo Inácio de Loyola, nobre, inteligente, vontade de ferro, fina sensibilidade –– como pode, pelo contrário, escolher um instrumento humanamente inepto, para dessa forma deixar bem patente que a eficácia da ação decorre unicamente d’Ele, que está no Céu.
Se considerarmos a vida de Santa Margarida Maria Alacoque (16471690), escolhida pela Providência para a missão de confidente do Sagrado Coração de Jesus –– a cuja devoção a Santa Igreja dedica o mês de junho ––, constatamos precisamente a aplicação deste último princípio.
O próprio Nosso Senhor, numa de suas aparições, diz por que a escolheu: "Eu te escolhi como um abismo de indignidade e de ignorância para o cumprimento desse grande desígnio, a fim de que tudo seja feito por Mim".
Alma privilegiada pela graça
Igreja do Mosteiro da Visitação em Paray-le-Monial, onde a Santa recebeu as grandes revelações referentes ao Sagrado Coração de Jesus.
Santa Margarida, entretanto, contava com duas coisas: seu amor a Deus e seu devotamento. Ela pode não saber nada, mas ela ama e obedece ao chamado divino, e nisto está sua glória, que resplandecerá até a consumação dos séculos.
Nasceu Margarida Maria em Verosvres (França), em 1647. Apenas adquirido o uso da razão, fez voto de castidade perpétua.
Contrariamente ao que sucede aos homens e mulheres comuns, desde cedo fez ela com que os seus interesses gravitassem não em torno de si mesma, mas da Pessoa divina de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Santa Margarida foi uma dessas almas privilegiadas, atraída insistente e eficazmente pela graça divina para fazer de Deus, de Nossa Senhora e da Igreja o centro de suas cogitações e de suas vias. E nessas disposições viveu os quarenta e três anos de sua vida.
Desde criança, brincando com outras de sua idade, sentia-se impelida, por um movimento interior, a isolar-se e a elevar sua mente a Deus. E a santa se voltou precisamente para a Santíssima Virgem, colocando-A no centro de sua piedade, para assim chegar mais facilmente a Nosso Senhor.
A Mãe de Deus também a repreendia, quando era o caso. Assim, sendo ela ainda pequena, contra o seu costume, deixou um dia de rezar o terço com os joelhos em terra para fazê-lo sentada. Nossa Senhora lhe apareceu então com o olhar severo, e lhe disse: "Estranho muito, minha filha, que me sirvas com tanto desleixo"...
Já mocinha, para comprazer a seus parentes, deixou-se algumas vezes enfeitar para comparecer a reuniões sociais, o que, dada a sua vocação, não estava bem. Narra Santa Margarida que certa noite, quando tirava aquelas malditas librés de Satanás, instrumentos da malícia dele, apareceu-me o meu soberano Senhor, como na Flagelação, completamente desfigurado, fazendo-me terríveis queixas: que minhas vaidades O tinham reduzido àquele estado, e que eu perdia um tempo tão precioso, de que Ele me havia de pedir rigorosa conta à hora da morte; que eu O atraiçoava e perseguia, depois de Ele me ter dado tantas provas de amor, e apesar do seu desejo de que eu me tornasse semelhante a Ele.
Desde a adolescência foi ela favorecida por extraordinárias visões de Nosso Senhor com a Cruz aos ombros a caminho do Calvário. Tais aparições passaram a ser constantes –– o que é raro na vida dos santos –– quando ela, aos vinte e quatro anos, ingressou no Mosteiro da Visitação (Congregação fundada por São Francisco de Sales e Santa Joana de Chantal) em Paray-Ie-Monial (França).
Tantas e tais eram as aparições, não só de Nosso Senhor, como ainda da Santíssima Trindade, de Nossa Senhora e de seu próprio Anjo da Guarda, que ela chegou a exclamar: "Suspendei, meu Deus, esta torrente de graças que me abisma, ou então dilatai minha capacidade para recebê-las".
Essas visões constantes duraram dois anos, de 1671 a 1673. Andava Santa Margarida Maria Alacoque tão absorta em Deus, que suas orações mais pareciam êxtases. Frequentemente passava doze horas ininterruptas rezando na capela do Mosteiro, em completa imobilidade.
Até então, entretanto, Nosso Senhor não lhe havia revelado os segredos de seu Sagrado Coração. Tal manifestação só teve início a 27 de dezembro de 1673, na festa de São João, quando a santa rezava diante do Santíssimo Sacramento.
Comunhão reparadora
Corpo incorrupto de Santa Margarida Maria Alacoque.
Seis meses depois, Nosso Senhor apareceu-lhe em todo o esplendor de sua glória, com as cinco chagas brilhando como sóis e o Sagrado Coração à semelhança de uma fornalha ardentíssima. Pediu nessa ocasião a comunhão reparadora das primeiras sextas-feiras de cada mês, e que todas as semanas, das onze às doze horas da noite de quinta-feira, ela estivesse prostrada com a face na terra, em expiação pelos pecados dos homens e para consolar o seu Coração do abandono universal a Que O haviam relegado os homens.
Eis aí o caráter principal da nova devoção e o ponto em que essencialmente ela difere de todas as que a precederam: Nosso Senhor pede um DESAGRAVO ao seu Sagrado Coração, dolorosamente ultrajado pelas "ingratidões, irreverências, sacrilégios, tibiezas e desdéns que manifestam em relação a Mim".
A terceira e última dessas maravilhosas comunicações celestes realizou-se a 16 de junho de 1675. Nosso Senhor pediu-lhe então que fosse estabelecida na Igreja uma festa particu-
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