P.08-09 | HAGIOGRAFIA | (continuação) lar em honra de seu Coração, havendo nesse dia, no mundo inteiro, comunhões em reparação e desagravo das ofensas de que Ele tem sido objeto. Após o que, a santa começou a sofrer sua própria paixão. A saúde faltou-lhe por completo, e às dores físicas somaram-se as morais: dúvidas, dificuldades, contradições. As perseguições também não lhe foram poupadas, nem mesmo da parte de freiras e sacerdotes que não acreditavam em sua missão sobrenatural.

Efeitos do jansenismo

Santa Margarida viveu na época em que o jansenismo(*) mais devastações fez na França, tornando as almas tacanhas e estreitas, suspeitando de toda manifestação sobrenatural. Por isso, as superioras do Mosteiro de Paray-le-Monial, ao receber as confidências daquela noviça tão desprovida de talentos –– cujo contínuo recolhimento e absorção nas coisas celestes eram tomados por timidez excessiva ––, ficaram sobressaltadas. Julgaram-na alvo de alucinações, seguidora de uma via estranha, sujeita a embustes do demônio e ilusões. Assim sendo, não queriam admiti-la à profissão religiosa, pois julgavam ser outra a via da Ordem da Visitação. Alarmada, Margarida Maria recorreu a Nosso Senhor: "Diga à tua superiora que não tem nada que temer em te receber, porque Eu respondo por ti; e que, se Me tem por bom pagador, Eu te servirei de fiança". A superiora quis, como sinal de que era Ele realmente Quem a animava, que Nosso Senhor concedesse à noviça a graça de se tornar útil à Religião... "Eu te farei mais útil à Religião do que ela pensa – respondeu o Redentor –, mas há de ser de uma maneira que até agora só Eu sei. De hoje em diante acomodarei as minhas graças ao espírito de tua Regra, à vontade de tuas superioras, e à tua fraqueza. Deixa que façam de ti o que quiserem. Eu saberei empregar o melhor modo de levar a bom termo os meus desígnios". Contra si mesma, Santa Margarida viu tudo se levantar. E ninguém se juntou a ela. Entretanto, ela triunfou, triunfa e sobretudo triunfará. Sem genialidade nem grandes dotes naturais, sem aliados, conquistou Santa Margarida Maria Alacoque a glória da qual ela fugia, e que também parecia fugir dela. Quis Deus que ambas – Santa Margarida e a glória – se encontrassem, no tempo e na eternidade! Notas: * Jansenismo: Heresia do holandês Cornélio Jansênio, Bispo de Ypres (1636), especialmente clara em sua obra Augustinus No ano de 1620 Jansênio chegou à conclusão de que só ele, até então, compreendera o verdadeiro pensamento de Santo Agostinho (daí o nome Augustinus dado à sua obra) sobre a graça e a predestinação. Em suas elucubrações ele negava a liberdade humana, partindo do princípio de que a graça divina é concedida a certos homens desde o nascimento, e recusada a outros. As cinco proposições-chave dessa nova heresia foram submetidas a Roma – após sérios estudos feitos na França, na Universidade da Sorbonne - e condenadas na bula papal Cum occasione, de Inocêncio X, datada de 31 de janeiro de 1653. Posteriormente, os papas Alexandre VII (em 1656) e Clemente XI (em 1705) voltaram a condená-las. Obras consultadas: 1. Vie et Revelations de Sainte Marguerite-Marie Alacoque écrites par elle-même, Imprimerie St-Paul, Barle-Duc, França, 1947. 2. Ernest Hello, Physionomies des Saints, Perrin et Cie., Libraires.Éditeurs, Paris, 1900. 3. A entronização do Sagrado Coração de Jesus nos lares pela consagração solene das famílias a este divino Coração –– Manual publicado pela Congregação dos Sagrados Corações (Picpus), Braine-le-Comte, Bélgica, 1926. 4. Dom Guéranger, L’Année Liturgique, Pe. Croiset, SJ, Ano Cristão. O OLHAR DE NOSSO SENHOR
As boas imagens que representam o Sagrado Coração e Jesus quase sempre nos fazem contemplar, no olhar de Nosso Senhor, algo de supremamente tranquilo, sereno e analítico.
É um olhar profundo, abarcativo, meditativo, que parece fazer remontar tudo quanto existe às suas ultimíssimas e mais elevadas causas, nunca se contentando com uma visão plana e rasa das coisas, incompatível com a sua infinita perfeição moral.
Olhar analítico, dissemos, de quem vê tudo, conhece tudo e ama as inter-relações retas e ordenadas das coisas criadas.
É um amor, portanto, que Nosso Senhor Jesus Cristo tem à própria ordem do universo que Ele mesmo criou. Nesse universo, ordenadamente, Ele ama os homens, os quais constituiu reis da Criação. E dentre estes, Nosso Senhor ama de modo particular os católicos, desejando que se voltem para Ele e O adorem.
Ele ama sobretudo a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana –– nascida da chaga aberta em seu Sacratíssimo Coração ––, pela qual Ele vela de modo especial, a fim de que a única Igreja do único Deus vivo e verdadeiro, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, realize as intenções que Ele teve em vista ao fundá-la.
E por essa divina análise, enormemente refletida e séria, da ordem do criado, Jesus sabe que toda ela é profundamente solidária. E assim, qualquer desordem introduzida em algum ponto, por ínfimo que este seja, repercute e abala aquela ordem no seu conjunto.
Como também, em sentido contrário, sabe Ele que toda boa ação consolida essa mesma ordem universal. De onde, o Sagrado Coração de Jesus amar intensamente os bons para que sejam melhores, com vistas a que se tomem ótimos!
E tudo isso, com aquele divino amor, de uma dileção toda especial, que só o Sacratíssimo Coração "que tanto amou os homens" sabe ter. Ele, assim, nos atrai, nos arrebata e nos põe de joelhos, em súplice adoração.

| ELEIÇÕES NA COLÔMBIA |

Absenteísmo sadio, mas não sábio

Realizaram-se recentemente eleições gerais na Colômbia e os resultados indicaram uma baixa de comparecimento impressionante. Segundo os jornais, foram votar somente 30% dos eleitores. Sendo que, do total de votantes, 17% votaram em branco. Se a grande maioria do eleitorado não quer votar, porque não tem empenho em que alguns dos candidatos sejam eleitos, isso significa, em última análise, que ela não quer saber de nenhum daqueles que foram apresentados. E isso é uma derrota simultânea de todos os partidos. No fundo, uma derrota do regime representativo naquela nação. A situação de todos esses partidos é mais ou menos como a de um homem que oferece um banquete a um grande número de amigos, e apenas 30% de seus convidados comparecem. Equivale a dizer que o círculo de relações daquele homem está indisposto com ele. O seu banquete não atrai, a sua conversa não interessa, a sua companhia não agrada. Tal é o resultado dessa atitude do eleitorado. E isto, aliás, vai sendo cada vez mais assim na América do Sul e na Europa. O significado ideológico dessa atitude do eleitorado não é a favor de uma corrente contra outra, de conservadores contra liberais, ou vice-versa, porque é do corpo eleitoral contra todos os candidatos, ou quase todos. Essa atitude, que perigo oferece para os restos de ordem normal, natural, digamos de ordem cristã, que ainda há em nosso Continente? Tal rejeição não é sadia? Não se trata –pensará alguém – de uma reação contra um amontoado de abusos que desagradam ao povo? Poderíamos dizer que ela é sadia, mas não é sábia. O matiz se exprime na mudança de uma letra por outra. De fato, não basta rejeitar algo, é preciso saber o que se quer. E da atitude geral do povo deveriam emergir tendências boas, e outras equipes políticas dispostas a substituir as atuais, com outros programas. Ora, isso não se dá. Há nisso um exemplo característico da atitude moderna diante da crise de nossos dias. A massa das pessoas não gosta dos partidos e dos candidatos, mas não sabe o que deseja. Nem toma diante das coisas de que não gosta uma atitude suficientemente reativa para imaginar como deveria ser aquilo que conviria vir em substituição. As pessoas simplesmente estão aborrecidas, descontentes com a atual situação, e a empurram com a ponta do pé, como quem diz: "Levem embora essa tralha, porque eu não a quero". –– Então, o que é que você quer? – indagará alguém. –– Eu não quero pensar, não quero me ocupar com isso, quero me interessar tão-só pela minha vidinha particular e não pela causa pública. Aconteça o que acontecer, muito trágico não poderá ser. E por causa disso eu me abstenho! Ora, essa atitude de absenteísmo, de ausência, de não presença nos debates políticos, causa o vácuo, e esse vácuo é exatamente um passo para o caos. A situação presente não pende para este ou aquele lado, ela pende para o caos. É o pior dos vazios, que não é o vazio onde não há nada, mas onde necessariamente elementos de desordem se infiltram. É uma atitude de alma disposta a receber qualquer surpresa, a não reagir diante de nenhum absurdo. O que a maioria não quer é incomodar-se. Quer apenas o status quo, o gozo da vidinha imediata e sem interesse por mais nada. Poder-se-ia objetar talvez que, na Colômbia, esse absenteísmo não é de hoje, ele data de há muito. Tal objeção não prova que ele não seja um mal, mas que semelhante mal é inveterado. Aliás, esse mal está longe de ser só colombiano. No país irmão, o voto não é obrigatório, e por isso quase ninguém vota. À vista disso, perguntamos: se no Brasil houvesse a liberdade de não votar, quem votaria? Talvez seja preferível nem responder...
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