P.10-11 | INTERNACIONAL |

E a rosa murchou ...

Braulio de Aragão O PS francês, que lançou com grande estrépito em 1981 a autogestão socialista –– hoje considerada "antiquada" pelo próprio Partido ––, não contava com a Mensagem das TFPs, de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira... a qual bem cedo começou a sepultá-la. Inaugurado em 1989 para comemorar o bicentenário da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, o Arco da Defesa, em Paris, faz parte daquilo que ironicamente os franceses chamam de terror arquitetônico de Mitterrand. De fato, trata-se de uma mole de vidro e concreto em forma de cubo vazado, no extravagante estilo pós-nada, bem adequada a servir de escritório para executivos neuróticos, como costumam dizer os parisienses. Nessa bijuteria tamanho trambolho, o Partido Socialista Francês (PS) se reuniu, em dezembro último, num congresso extraordinário para tentar conter a hemorragia de prestígio que ameaça a própria sobrevivência política da agremiação. Num esforço ingente para não morrerem sepultados sob os escombros do Muro de Berlim, os socialistas pronunciaram então um mal articulado mea culpa, renunciando a certos princípios fundamentais de sua ideologia. Qual a razão dessa perda de identidade? Onde foram parar o carisma de Mitterrand e o charme da autogestão? Para responder à pergunta, é necessário retroagir dez anos no tempo e trazer à memória a conjuntura política da França dos anos 80.

Uma nova bandeira

Foi então que os socialistas içaram a bandeira da autogestão, em torno da qual pretendiam criar a frente única esquerdista, capaz de apresentar uma alternativa sociopolítica para o chamado dilema comunismo-capitalismo. Almejavam assim seduzir o mundo com uma suposta terceira via, que reconciliaria os dois blocos antagônicos, Leste-Oeste, e baniria para sempre o espectro de uma hecatombe nuclear. A oportunidade de ouro para concretizar esse plano chegou com a vitória do Partido Socialista Francês nas eleições de 10 de maio de 1981, e a consequente ascensão de François Mitterrand à Presidência da República. A partir daí, a autogestão se transformou na meta internacional a serviço da qual o PS instrumentalizava o governo, as riquezas e sobretudo o prestígio e o rayonnement (irradiação) mundial da França. Tal ambição estava consubstanciada no Projeto Socialista para a França dos anos 80, no qual se lê: "Não pode haver um Projeto socialista só para a França. O dilema ‘liberdade ou servidão’, ‘socialismo ou barbárie’ ultrapassa as fronteiras de nosso País... O socialismo é internacional, por natureza e por vocação .... A França ou é uma aspiração coletiva, ou ela simplesmente não é .... Imensas possibilidades existem para um país como o nosso .... de levar alto e longe, na Europa e no mundo, a mensagem universal do socialismo".(1) Essa mensagem representava, na prática, uma mudança radical na vida dos indivíduos e da sociedade. Por isso, na França, a proposta socialista intitulou-se Changer Ia Vie (transformar a vida), título este que resumia a universalidade e a profundidade das mudanças pretendidas. Nada escapava ao furor reformista dos novos donos do poder: no plano familiar, o modelo autogestionário fomentaria a luta de classes entre pais e filhos, equipararia o casamento à união livre, a homossexualidade seria "reabilitada" e o aborto liberado, inclusive para menores e sem o consentimento dos pais. A educação estatal obrigatória, a partir dos dois anos, e a gradual asfixia da escola privada, era peça-chave no Projeto, pois "é nessa fase que começa a luta contra as desigualdades e as segregações sociais".(2) No plano socioeconômico, estava prevista a nacionalização das grandes e médias .empresas rurais e urbanas, que seriam então geridas por assembleias de operários. "Enquanto houver empresários –– dizia um teórico do PS –– a monarquia não terá acabado de ser derrubada na França".(3) Cogitou-se até na criação do Ministério do Tempo Livre, para, em nome da igualdade, suprimir a distinção entre trabalho e lazer. Visava-se assim à mudança radical no cadre de vie (quadro de vida) do cidadão, incentivavam-se para isso formas de convívio cada vez mais comunitárias até se atingir o paraíso autogestionário socialista, com o desaparecimento do próprio Estado.

Lance inesperado

A revista Paris-Match, com duas fotos, documentou eloquentemente o fracasso de Mitterrand: acima, o sorriso da vitória, em 1981, e a esperança na autogestão, enquanto...
...embaixo, o olhar angustiado, da atualidade, símbolo da derrocada do socialismo
Mas os socialistas não imaginavam que alguém poderia desfazer o sonho autogestionário, por eles acalentado com tanto cuidado na França. Contra a mensagem universal de Mitterrand, ergueu-se a Mensagem das Sociedades de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, na qual o insigne pensador católico denuncia o duplo jogo do socialismo francês: na estratégia, gradualidade; na meta, radicalidade. Sob o título, O socialismo autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou cabeça-de-ponte?, o documento veio a lume ocupando seis páginas nos maiores jornais do mundo, a começar pelo Frankfurter Allgemeine, da Alemanha, e pelo Washington Post dos EUA. Em pouco tempo, 34.767.900 exemplares da Mensagem das TFPs seriam difundidos por 187 publicações de 53 países, em 14 idiomas (cfr. Catolicismo, dez/91). Era demais para os sequazes da autogestão! O sonho virou pesadelo. Confusos, os porta-vozes do Elisée (Presidência da República) não sabiam o que responder.(4) Se avançassem na execução do Projeto, não fariam mais do que confirmar a denúncia do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: a autogestão é uma cabeça-de-ponte do comunismo, provocando com isso forte reação na opinião pública europeia. Se recuassem, perderiam a credibilidade junto às bases socialistas e, talvez, a própria identidade como partido de esquerda. Na tentativa de não ficar mal ante a opinião pública, optaram pela segunda hipótese e acabaram perdendo a identidade. Página seguinte