P.12-13 | INTERNACIONAL | (continuação)

Respeito humano de ser socialista

Dez anos se passaram desde a "aurora radiosa" do socialismo autogestionário, e eis que uma profunda crise de identidade abala os fundamentos do PS francês. No Congresso do Arco da Defesa –– a que acima nos referimos –– tudo falou de crise, até a indumentária, a linguagem e o modo de comportar-se dos participantes. O blue jeans de outrora, obrigatório para aqueles que se diziam herdeiros espirituais da revolução da Sorbonne (maio de 1968), quase desapareceu. Com exceção de uns poucos gatos pingados, que se obstinam em andar na contramão da História, a maioria dos militantes do PS se apresentou para o evento trajando o tradicional paletó e gravata dos burgueses. O "tu" e o "camarada" cederam lugar ao "vous" (senhor), e as atitudes vulgares, como sentar-se em mesas ou no chão, tão afins com a mentalidade igualitária, ficaram por conta de alguns cinquentões que mais pareciam pierrots dançando carnaval na Quarta-Feira de Cinzas. O radical projeto de 1981 –– Changer la Vie (mudar a vida) –– foi substituído pelo anódino Novos Horizontes, de 1991, verdadeiro atestado de óbito do sonho autogestionário. À página 55 desse novo projeto, lê-se: "Já não se trata como ocorria no que concerne à antiquada autogestão [sic!], de eliminar os empresários para substituí-los por dirigentes designados pelo Estado ou eleitos pela base... Os representantes dos assalariados não devem substituir os chefes na direção da empresa".(5) Mas não só a autogestão, a planificação e a nacionalização foram parar na lata de lixo do PS. A luta de classes, o reformismo revolucionário e o próprio marxismo encontraram destino semelhante. Em seu lugar, um reconhecimento claro da superioridade da economia de mercado. "A força do mercado está em ser insubstituível... Todas as tentativas de substituí-lo acabaram por fracassar .... O socialismo reivindica e quer outra organização do Planeta, mas esta deverá desenvolver-se no contexto de um capitalismo mundializado". Os socialistas da velha guarda se ufanavam de sua filiação marxista. "Permanecemos fiéis ao espírito do marxismo", escrevia em 1980 o ex-Primeiro-Ministro Pierre Mauroy.(6) Contradizendo abertamente tal afirmação de princípio, o novo Projeto afirma: "Na verdade, o empobrecimento das classes operárias, prevista por certa análise marxista, não se produziu. O nível de vida, na França, foi quadruplicado entre 1950 e 1990".(7) Até a bem-amada e quase adorada trilogia da Revolução Francesa, Liberté, Egalité, Fraternité, foi substituída por outra, totalmente inexpressiva: iniciativa, solidariedade e responsabilidade. E o dogma do igualitarismo mereceu nova e confusa interpretação: "O princípio igualitário não é sinônimo de igualitarismo: é pondo em realce o pluralismo biológico, cultural e econômico que uma sociedade pode ascender ao estágio superior de igualdade".(8) Enfim, o assim chamado socialismo autogestionário foi trocado pelo socialismo residual, isto é, por uma ideologia em ruínas, que parece ter respeito humano de sua antiga figura. No Leste europeu, a foice e o martelo foram derrubados como símbolos do comunismo. No Ocidente, a rosa vermelha do socialismo autogestionário murchou! Notas: 1. Projet socialiste pour la France des années 80, Club Socialiste du Livre, Paris, maio de 1981, pp. 18, 108, 126, 164. 2. Op. cit., p. 287. 3. Pierre Mauroy, Hérítiers de l’Avenir, Slock,Paris,1977, p. 276. 4. Cfr. "International Herald Tribune" ,11.121981. 5. S. Michel Charzal, Un Nouvel Horizon, p. 96. 6. Cfr. "Documenlation Soclaliste", suplemento nº 2, p.42 7. Micgel Charzal, op.cit, p. 94 8. Id., ibidem, p. 30.
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Perda e encontro do Menino Jesus no Templo

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