P.18-19 | REFORMA AGRÁRIA | (continuação) mesmo tempo que um só partido, o Partido Revolucionário Institucional –– PRI, se perpetuava no poder para continuar a mesma política.

Marcha à ré

Chegamos assim à década de 90, quando ficou patente aos olhos do mundo o fracasso do comunismo no Leste europeu, o crime de proporções absolutamente inimagináveis que foi ali a coletivização das terras e dos bens em geral, a miséria assustadora do povo, a derrocada impressionante da produção (quando, afinal, um tribunal irá apurar as responsabilidades?!). Nessa situação do comunismo internacional, não era mais sustentável continuar a manter o sistema agrário mexicano por meio do bombeamento contínuo de dinheiro. Se o Grande Irmão soviético ruía numa implosão sem precedentes, não havia condições, nem mesmo psicológicas, para manter artificialmente no México um edifício revolucionário que, ele próprio, já estalava de todos os lados, portador das doenças características do vírus socialista. Assim é que o Governo mexicano resolveu engajar-se num processo ao qual deu o nome de "modernização" do país, e que nada mais era do que a marcha à ré da revolução. Incluía ampla desestatização (a começar pela desnacionalização dos bancos), abertura para capitais estrangeiros, superação do isolacionismo, esforço para constituir um "mercado comum" com os EUA e o Canadá, revogação das leis de restrição religiosa e reatamento de relações diplomáticas com o Vaticano. Como se vê, uma perestroika à mexicana, se bem que tardia, da qual fazia parte, como ponto capital, a revisão da fracassada lei de reforma agrária.

"Informe" do presidente: ... não é sabão!

Em 2 de novembro último, ao apresentar ao Congresso nacional um "Relatório sobre o Estado da Nação", o Presidente do México, Carlos Salinas de Gortari, pintava um quadro bastante deprimente da situação do campo naquele país. E acenava para medidas a serem tomadas nesse sentido. Referia-se ele a "tantos anos de estagnação e decadência" no setor agropecuário. "Foi muito o que a crise reduziu no nível de vida dos mexicanos; de uma crise tão profunda não se sai em poucos anos". Para ele, a situação estrutural criada é tão grave, que é a própria viabilidade futura da nação mexicana que está em jogo: "Estruturalmente, existe um clamor generalizado para que se atue em duas áreas fundamentais para a viabilidade futura de nossa nação: o campo e a educação". De fato, acrescenta: "A produtividade não é suficiente. O minifúndio se estende tanto entre ejidatários como entre pequenos proprietários, e os camponeses têm de trabalhar mais para colher menos". É claro que Salinas evitava de culpar a reforma agrária por tal situação. Pertencente ao partido que durante décadas teve como principal bandeira a reforma agrária, herdeiro de uma "tradição" revolucionária, não lhe restava outra saída, para salvar a face, senão procurar fazer um "arranjo". Tarefa nada fácil. O fracasso da reforma agrária era tão evidente, as novas medidas anunciadas significavam uma tal volta atrás, que o jeito encontrado por Salinas para tentar desmentir o óbvio foi o de fazer uma afirmação rombuda e vazia da "inocência" da reforma agrária: "A distribuição de terras, estabelecida há mais de 50 anos, justificou-se em sua época. Hoje não significa nem prosperidade nem justiça. Não porque tenha falhado a reforma agrária, mas pela própria dinâmica social, demográfica e econômica". Ou seja, segundo a velha anedota do espanhol: parece sabão, tem cheiro de sabão, tem gosto de sabão... mas não é sabão!

Nível inadmissível de pobreza

Cinco dias depois, em 7 de novembro, o Presidente do México entregava ao Congresso seu projeto de reforma constitucional no que se refere à propriedade da terra. O jornal governista "El Nacional", na edição desse mesmo dia, publica a seguinte declaração do diretor do Departamento de Economia Agrícola do México: "O ejido e a propriedade comunitária, em sua forma de funcionamento atuais são fonte de miséria econômica e de submissão política". Na "exposição de motivos" do projeto governamental, Salinas retoma as mesmas ideias que expusera em seu Relatório, e acrescenta: "A decisão de mudar está inserida numa transformação mundial de imensas proporções. O campo requer uma resposta renovadora que impulsione a produção, a iniciativa e a criatividade dos camponeses. As entradas do setor rural são, em média, quase três vezes menores do que as do resto da economia. A maioria é de minifundistas e apresentam estancamento e deterioração técnica, que se traduzem em produção insuficiente e níveis de vida inaceitáveis. A maioria dos produtores e trabalhadores rurais vive em condição de pobreza até chegar a níveis inadmissíveis que comprometem o desenvolvimento nacional. Há um quarto de século que o crescimento agropecuário é inferior ao da população, obrigando a que uma parte importante e crescente dos alimentos essenciais que o povo consome deva ser adquirida fora de nossas fronteiras". Fala ainda da necessidade de "superar a pobreza e a marginalização", e propõe acabar com a distribuição de terras, eliminar os impedimentos para a livre iniciativa, incentivar a capitalização com a participação de empresas nacionais e estrangeiras.

Mão apenas entreaberta

Transformada em lei com pequenas modificações em 3 de janeiro, a iniciativa presidencial abre a possibilidade de os ejidos, se privatizados, serem vendidos ou arrendados. Como também de agruparem vários lotes para a obtenção de propriedades maiores, mais produtivas. Para este efeito, os proprietários poderão associar-se a outros indivíduos, ou mesmo a empresas. Não se pense, entretanto, que a livre iniciativa e a propriedade particular foram pura e simplesmente restauradas no México. Se é verdade que, premido por circunstâncias externas e internas, o Governo voltou bastante atrás na fracassada reforma agrária, não é menos verdade que o recuo feito foi o menor possível naquelas circunstâncias. Preso às amarras da mitologia socialista, que há tantas décadas sufoca a nobre nação mexicana, o Governo conserva em suas palavras o jargão revolucionário, e seus atos vêm impregnados do ranço igualitário e socialista. No item 3 da "exposição de motivos" de seu projeto, Salinas deixa claro que "permanece no texto do art. 27 a propriedade originária da nação sobre as terras e águas". E explica que essa norma "submete as formas de propriedade e uso ao interesse público". De onde se vê claramente que, a qualquer momento, o Estado mexicano pode dar o feito por não feito, e retomar, na prática, a total estatização da propriedade. Assim, enquanto tal princípio radicalmente socialista estiver inscrito na Constituição, não se pode falar numa verdadeira volta à propriedade privada, por maiores que sejam as garantias que Salinas possa estar oferecendo aos investidores. É só mudarem os ventos da política que um outro Presidente, ou mesmo o atual, terá tudo nas mãos para, a pretex- Página seguinte