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As igualdades injustas!
Eusébio é, desta feita, o mais interessado na aula de dona Carolina. Isso não é de estranhar, pois, mais uma vez, veio munido de argumentos de "algibeira" para lançar contra a professora.
E nas rodinhas de amigos resmungava: "Só faltava esta agora: dizer que não somos todos iguais... Não concordo com isso, nem a Igreja Católica pode defender tal injustiça"
–– Professora – intervém Eusébio, mal começara a aula –, não compreendo como a senhora, que se diz católica, defende as desigualdades entre os homens. Deus não nos criou todos iguais? Porventura a senhora desconhece a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", uma conquista da Revolução Francesa, em que se afirma a igualdade de todos?
Ante a benévola atenção de dona Carolina, Eusébio prossegue:
–– Essa "Declaração" sepultou para sempre as velhas injustiças das desigualdades sociais, onde uns eram nobres só porque nasceram tais, sem nenhum mérito pessoal, enquanto outros, pelo contrário, carregavam irremediavelmente a condição de plebeus, dominados e oprimidos pelos primeiros. E a senhora parece querer justificar tão grandes abusos... Mais ainda, professora, a senhora calunia a Igreja, dizendo que essa é a doutrina social católica.
Bonifácio – que, como toda a classe, estava na expectativa – sussurra para Fernando, sentado a seu lado: "Positivamente, não sei como dona Carolina se sairá desta..."
* * *
–– A História é como um rio cujas águas, quando atingidas por desmoronamentos de terreno ou indevidamente utilizadas pelos homens, podem se tornar barrentas e poluídas. Nessas condições, não mais se discernem nelas as belezas ali colocadas por Deus.
Assim iniciou a professora sua explanação. E prosseguiu:
–– Entretanto, nas nascentes virginais desse rio, as águas sempre se fazem ver em toda a sua pureza cristalina. Ora, sob certo aspecto, é a Santa Igreja Católica a fonte da História cristã. Nas suas instituições, leis e doutrina encontramos o reflexo da infinita perfeição de seu divino Fundador, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Prossegue ainda a professora:
–– Segundo a doutrina da Igreja, embora Deus tenha criado os homens com a mesma natureza humana – proveniente de uma única causa: o Criador, e tendendo para o mesmo fim: a felicidade eterna –, os seres humanos são desiguais entre si. Eles diferem profundamente quanto a dotes de inteligência, de vontade, de sensibilidade artística, além da existência de distinções quanto a capacidades físicas. Assim, mesmo dois irmãos gêmeos, por mais semelhantes que sejam, jamais terão o mesmo grau de inteligência, idêntica força de vontade ou capacidade corporal. Em face disso, não é difícil compreender por que os princípios emanados da Revolução Francesa, muitos dos quais estão codificados na tal "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", não são católicos.
A expectativa da classe crescia enquanto Eusébio se remexia, inquieto, no seu banco.
–– Ouçam, pois – continua a professora –, o que diz o Papa Leão XlII, na Encíclica Quod Apostolici Muneris:
"Assim como no céu [Deus] quis que os coros dos Anjos fossem distintos e subordinados uns aos outros, e na Igreja instituiu graus nas ordens e diversidades de ministérios de tal forma que nem todos fossem apóstolos, nem todos doutores, nem todos pastores (I. Cor. 12,27); assim estabeleceu que haveria na sociedade civil várias ordens diferentes em dignidade, em direitos e em poder, a fim de que a sociedade fosse, como a Igreja, um só corpo, compreendendo um grande número de membros, uns mais nobres que os outros, mas todos reciprocamente necessários e preocupados com o bem comum" (Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, 4ª ed., 1962, p.9).
Dona Carolina vai mais adiante:
–– Não menos expressivo é este outro texto do mesmo Pontífice, na Encíclica Humanum Genus:
"Do mesmo modo que a perfeita constituição do corpo humano resulta da união e do conjunto dos membros que não têm as mesmas forças nem as mesmas funções, mas cuja feliz associação e concurso harmonioso dão a todo o organismo a sua beleza plástica, a sua força e a sua aptidão para prestar os serviços necessários, assim também, no seio da sociedade humana, acha-se uma variedade quase infinita de partes dessemelhantes. Se elas fossem todas iguais entre si, e livres cada uma por sua conta de agir a seu talante, nada seria mais disforme do que tal sociedade. Pelo contrário, se por uma sábia hierarquia dos merecimentos, dos gostos, das aptidões, cada uma delas concorre para o bem geral, vedes erguer-se diante de vós a imagem de uma sociedade bem ordenada e conforme à natureza" (Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, 4ª ed., 1960, p. 20) .
–– A senhora está citando um Papa do século passado, professora – resmunga mal-humorado Eusébio. A senhora não percebe que os tempos mudaram, que a Igreja mudou? Hoje, os Papas não dizem mais essas coisas...
–– Cuidado, Eusébio – adverte bondosamente dona Carolina. Também aqui você não tem razão. Veremos isso em próxima aula.
–– Isso mesmo – acrescenta entre dentes Eusébio, enquanto se retirava. Quero ver a senhora provar que a doutrina da Igreja a esse respeito não mudou.
Comentários sobre este tema iam de boca em boca, na simpática cidadezinha de Santa Edwiges. Leitor de Catolicismo, comente-o também.
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