P.26-27 | BRASIL REAL, BRASIL BRASILEIRO |

Mudaram os índios? Ou mudamos nós?

José Belmonte Velas brancas nos mastros, bandeiras e bandeirolas, faixas de sol matutino projetando-se sobre as pranchas do cais; roupas coloridas e vozes festivas; brisa, gaivotas e cheiro de mar. Alguns grandes de Portugal se reuniam em torno do recém-chegado Pedro Álvares Cabral, que os cumprimentava de modo fidalgo. O povinho cercava os marinheiros que desembarcavam, enquanto as pessoas de condição iam buscar junto à oficialidade das naus aquilo de que satisfazer sua curiosidade. O leitor certamente já adivinhou: era a chegada a Portugal da esquadra que descobriu o Brasil. Com a roupa feita de trapos de nossa época, achei (eu, homem do século XX) melhor não chamar a atenção sobre mim. Acerquei-me de uma roda numerosa, onde um navegante especialmente eloquente comunicava suas impressões. Aí, passaria desapercebido. Disseram-me que se tratava de um tal Pero Vaz de Caminha. Peguei a conversa pelo meio. Mas eles participavam da Missa? (Eles, aqui, eram os índios do Brasil, cujo estado de espírito, como veremos, não coincide com o que deles dizem hoje o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e certos antropólogos.) –– Quando veio o Evangelho, que nos erguemos todos, em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim até ter acabado; e então tornaram a sentar-se como nós. E na Consagração? –– Nos pusemos de joelhos, e eles assim todos, como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que nos fez muita devoção. Só falta dizer que eles entendiam alguma coisa... –– Um deles, homem de cinquenta ou cinquenta e cinco anos, ajuntava estes, que ali ficaram, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles falando, lhes acenou com o dedo para o altar e depois mostrou o dedo para o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem. E ficou nisso? –– O padre frei Henrique sentou-se ao pé da cruz e ali, a um por um, colocava [uma cruz de estanho com crucifixo] ao pescoço, fazendo-lha primeiro beijar e alevantar as mãos. Vinham a isso muitos; e colocaram-se todas, que seriam obra de quarenta ou cinquenta. Mas perfeitos pagãos como eles? –– Essa gente não lhes falece outra coisa para ser cristã, senão entendermos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer, como nós mesmos, por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria, nem adoração têm. Pero, não estás tu a exagerar suas possibilidades de conversão? –– Ora veja se quem em tal inocência vive se converterá ou não, ensinando-lhes o que pertence à sua salvação! Por que não pegaram alguns deles, para mostrá-los na Corte, como fez Colombo em uma de suas viagens? –– Por melhor parecer a todos, ficou determinado não cuidassem de aqui tomar ninguém por força nem de fazer escândalo, para de todo mais os amansar e pacificar. Qual é tua opinião de conjunto sobre a nova terra e sua gente? –– A terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados, como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-se aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente, e esta deve ser a principal semente que em ela [se] deve lançar. Dito isto, excusando-se, Pero se afastou com os seus. * * * A cena do cais do porto foi um sonho? – pergunto-me. Talvez. Mas o que posso garantir é que nenhuma das respostas que pus na boca do loquaz e lúcido escrivão da esquadra de Cabral é inventada. Encontram-se todas na famosa carta a El Rei D. Manoel, da qual as retirei, sem mudar palavra alguma. Ele, e com ele os demais descobridores, achavam que os índios tinham uma excepcional abertura para a evangelização. E se atiraram a essa tarefa. Hoje, não se ouve mais falar disso. Fala-se absurdamente da civilização "superior" que seria a dos indígenas, e da inadequação de um "Deus branco", como é Nosso Senhor Jesus Cristo, aos peles-vermelhas. Os que não chegam a esse extremo, falam pouco ou nada falam de evangelização. O contraste é chocante. Será que os índios mudaram? Porque, definitivamente, é certo: –– Alguma coisa mudou.
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A estatística é a primeira das ciências inexatas. Goncourt O especialista é aquele que sabe cada vez mais a respeito de cada vez menos, até saber absolutamente tudo a respeito de absolutamente nada. Anônimo As verdades geométricas não nos trazem nenhum sentimento de prazer nem qualquer esperança. Aristóteles Quanto mais o técnico se especializa, tanto mais ele se distancia dos espaços arejados do bom senso. Plinio Corrêa de Oliveira Lamente-se o homem que não tem, para se exprimir, nem a palavra própria, nem o socorro das figuras, mas fuja-se daquele que só fala em termos técnicos. Rivarol

Imagem em painel

Quanta saudade! Esta cena se passa na Checoslováquia, nos dias de hoje. Trata-se de uma Primeira Comunhão. Não considerando alguns pequenos detalhes, no Brasil, até os anos 60, também era assim. E muitas vezes a Primeira Comunhão ocorria no mês de maio, dedicado a Nossa Senhora.
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