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| INTERNACIONAL | (continuação)
S. Paulo", 10-5-92) acerca da propriedade, respondeu que não tinha "objeções à propriedade privada da terra. Mas levaria as tradições comunitárias em conta. E não permitiria a especulação e a revenda das terras".
Ora, comentamos nós, as "tradições comunitárias" são as pseudo-tradições dos mais de 70 anos de comunismo, que reduziram a ex-URSS à miséria. E, sem a possibilidade de compra e venda das terras e seus produtos, de que propriedade privada se trata? Comunitária e intransferível? Vê-se aí o comunista mal disfarçado. Não se vê no que difere esta "roupagem" da anterior...
"Caso" Lituano: obstáculo
Assim como em alguns jogos se lançam dados para que, em função deles, se avance ou se recue um certo número de "casas", ou mesmo se receba prêmio, ou se saia do páreo, também no jogo político, guardadas as devidas proporções, algo disso ocorre. Um lance mal executado pode comprometer definitivamente seu autor, alijando-o do tabuleiro. Tal foi, em certa medida, para Gorbachev, a atitude soviética no "caso" da Lituânia.
Para Gorbachev poder reafivelar a máscara democrática, compete-lhe explicar à opinião pública qual foi sua participação naqueles eventos. É um tema espinhoso. É sabido que, na Lituânia, há um ano e meio, fez-se ouvir um brado heroico contra o jugo então exercido pela URSS. A esse propósito, as TFPs promoveram um abaixo-assinado –– que se tornou o maior da História –– pedindo a libertação da nação báltica, o que foi de grande efeito no desenrolar dos acontecimentos.
Poucos viram, na época, o alcance profundo do "caso" lituano. Entretanto, naquela "queda-de-braço" tão desproporcionada caiu a máscara democrática envergada por Gorbachev. Sobretudo quando heróis lituanos tombaram sob as lagartas dos tanques soviéticos no ataque em Vilnius, capital da Lituânia. "Que fazer de pois disso? Tentar recolocar a máscara?" –– perguntaram-se os comunistas.
Gorbachev procura de todos os modos eximir-se dessa culpa. Perguntado por que sancionara o uso da força naquele 13 de janeiro de 1991, respondeu: "Não aceitei o que me propunham. Isso pode ser verificado nos arquivos que estão hoje em poder do governo russo" ("Folha de S. Paulo", 12-4-92). E é provável que, de fato, não exista documento escrito a esse respeito...
"Em relação a Vilnius, tudo está muito claro para mim. Foi um choque de várias forças polarizadas... e cada uma dessas forças tentou provocar uma situação que lhes permitisse impor as suas ideias" ("Folha de S. Paulo", 10-5-92).
Se para Gorbachev "tudo está muito claro", o mesmo não ocorre para o público. Lembremo-nos de que, além de responsabilizar os bravos lituanos pelos acontecimentos, alguns dias após o massacre de Vilnius, Gorbachev promoveu a general Boris Pugo, um dos responsáveis imediatos pelo ataque. Tal fato torna-lhe muito difícil reafivelar a máscara...
Os lances seguintes foram rápidos: outras nações cativas seguiram o exemplo lituano; deu-se o mal-explicado golpe da assim chamada "linha dura" soviética contra Gorbachev; e, por fim, em dezembro, a sua renúncia à presidência da então já dissolvida URSS.
Forçado pelas circunstâncias a assumir as atitudes que tomou, em momento algum Gorbachev renunciou às suas idéias socialistas. Tampouco responsabilizou ou atacou seriamente a assim chamada "linha dura". Algumas das indagações feitas nas páginas de CATOLICISMO jan./1990) permanecem ainda válidas: quem é Gorbachev? Um ambicioso? Ou um comunista doutrinário?
* * *
Sua tournée pelo país do capitalismo foi uma tentativa de relançar-se no cenário mundial, e ver se conseguia recolocar a máscara de democrata. Talvez sentindo que esse lance era precipitado, "alguns de seus conselheiros sugeriram-lhe que permanecesse em silêncio ao menos por meio ano" ("Newsweek", 18-5-92). E a revista norte-americana conclui: "No atual estágio de sua difícil transição para a vida privada, Gorbachev pode ter mais celebridade que influência".
Aliás uma duvidosa celebridade, soprada principalmente pela mídia.
| ATUALIDADE |
Os dedos do caos e os dedos de Deus
Plinio Corrêa de Oliveira
O batismo do Rei dos Francos, ministrado por São Remígio, constituiu marco decisivo para a conversão ao Cristianismo dos povos bárbaros que invadiram o Império Romano.
Batismo de Clóvis —Tapeçaria (séc. XVI), Museu de Reims. (França)
Há não muito tempo, quem dissesse que o mundo vai imergindo no caos, seria ouvido com displicência: como dar crédito a tal previsão, à vista da prosperidade e da boa ordem que pareciam reinar no Ocidente? Como se o mundo não ocidental não fizesse parte do planeta, pelo que bastaria a boa ordenação da Europa e da América, para se dizer que tudo ia bem, e o caos era impossível.
Conceituava-se então o caos como um catastrófico auge de todas as desordens e desgraças. Como admitir, então, que de uma situação "evidentemente" ordenada pudesse originar-se tal paroxismo de desordem? Tal seria a refutação, aparentemente indestrutível, que o otimismo, então reinante, oporia aos que ele certamente alcunharia de "profetas de desgraças".
* * *
Vai correndo rápido e convulsionado o ano de 1992. E o exame mais superficial da realidade deixa ver que a palavra "caos" –– ainda há pouco um espantalho de tantas gentes tidas por sensatas –– passou a ser uma palavra da moda.
Com efeito, nos círculos intelectuais de vanguarda, que se gabam de pós-modernos, a palavra "caos" é algo de faceiro, de elegante, mais ou menos como um bibelô que todos gostam de ter entre os dedos, para com ele brincar, e ver mais de perto. Em lugar de despertar horror, o caos é tido hoje como fonte de esperança. Pelo contrário, a palavra "moderno", que tanto sorria aos ocidentais, parece ter caído na decrepitude. Reluzente de mocidade ainda há pouco, nela nasceu subitamente uma cabeleira branca, não consegue esconder suas rugas e usa dentadura. Pouco lhe falta para cair no lixo da História. Ser moderno, que beleza há dez anos! Hoje em dia, que velheira! Quem não queira ser envolvido na decrepitude do que é moderno, deve dizer-se pós-moderno. Eis a fórmula...
Cada vez mais, "caos" e "pós-modernidade" são conceitos que se vão aproximando, a ponto de tenderem a fundir-se um com o outro. E há até quem veja em hecatombes eventuais, conjecturadas para o dia de amanhã, o ponto de partida de um radioso depois-de-amanhã.
Assim, gente que ainda ontem não tinha suficientes apodos a lançar contra a Idade Média, argumenta precisamente com esta para justificar seu otimismo.
Em outros termos, o território do Império Romano do Ocidente se encontrou, a certa altura, convulsionado ao mesmo tempo por duas forças inimigas, que lhe trituravam os restos moribundos: os bárbaros procedentes das orlas do Reno, e os árabes que haviam transposto o Mediterrâneo e invadido largas faixas do litoral europeu. A Europa caiu no caos. Toda a estrutura do Império Romano do Ocidente se pulverizou. De pé, só restou a estrutura eclesiástica, que recebera de Roma a palavra de ordem de não abandonar os territórios em que exercia sua jurisdição espiritual. Na ordem temporal, era o caos.
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