P.20-21 | COMENTE, COMENTE |

Deus criou os grandes e os pequenos

"Não é verdade que na sociedade civil todos temos direitos iguais, e que não existe hierarquia legítima". A alegre expectativa das férias de julho marca o ambiente da última semana de aulas na Escola Santa Edwiges. Repouso no campo, viagens para rever parentes, são os assuntos dominantes nas conversas, exceto entre os alunos de dona Carolina, em que tais temas se mesclam com o interesse pelo assunto levantado na aula anterior. A simpática professora –– também de partida para um merecido descanso –– não hesitara em dividir seu tempo entre os preparativos de viagem e a pesquisa doutrinária, demonstrando desta forma verdadeira solicitude materna para com seus alunos. –– Professora, a senhora nos prometeu provar que a doutrina católica sobre a desigualdade de classes sociais não mudou, lembra Eusébio com certa impaciência. –– Com muito gosto, meus caros. Atentem para os documentos que lhes vou apresentar. É o grande Papa santo de nosso século, São Pio X, quem diz: "Se Jesus foi bom para os transviados e os pecadores, não respeitou suas convicções errôneas, por sinceras que parecessem; amou-os a todos para os instruir, converter e salvar. Se chamou junto de si para os consolar, os aflitos e os sofredores, não foi para lhes pregar o anseio de uma igualdade quimérica. Se ‘levantou os humildes, não foi para lhes inspirar o sentimento de uma dignidade independente e rebelde à obediência’" (Carta Apostólica Notre Charge Apostolique, Vozes, Petrópolis, 1953,2ª ed., pp. 25-26). Prossegue a professora: –– Bento XV, na Carta Soliti Nos, ensina: "Os que ocupam situações inferiores quanto à posição social e à fortuna devem convencer-se bem de que a diversidade de classes na sociedade vem da própria natureza, e de que se deve procurá-la, em última análise, na vontade de Deus: porque Ele criou os grandes e os pequenos (Sap. 6, 8) para o maior bem do indivíduo e da sociedade" (Actes de Benoît XV; Bonne Presse, Paris, tomo II, p. 129). –– Quanta clareza nestas palavras!, exclama admirado Bonifácio. –– E como erram os católicos de esquerda que se deixam levar pelas idéias socialistas de igualdade social!, acrescenta Fernando. –– Ouçam! – retoma dona Carolina com bondoso sorriso nos lábios – é agora Pio XI quem afirma na famosa Encíclica Divini Redemptoris: "Não é verdade que na sociedade civil todos temos direitos iguais, e que não existe hierarquia legítima" (Vozes, Petrópolis, 8ª ed., 1963, p. 17). A classe toda permanece atenta. –– Não menos luminosas – continua dona Carolina – são as palavras do pranteado Pontífice Pio XII, no discurso de 4 de julho de 1953: "É preciso que vos sintais verdadeiramente irmãos... Pois bem, os irmãos não nascem nem permanecem todos iguais: uns são fortes, outros débeis, uns inteligentes, outros incapazes, talvez algum seja anormal, e também pode acontecer que se torne indigno. É pois inevitável uma certa desigualdade material, intelectual, moral numa mesma família ... Pretender a igualdade absoluta de todos seria o mesmo que pretender dar idênticas funções a membros diversos do mesmo organismo" (Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. XV, p. 195). Acrescenta a professora: –– É ainda de Pio XII o magnífico trecho que segue, extraído desta vez do discurso de 5 de janeiro de 1942, ao Patriciado e à Nobreza romana: "As desigualdades sociais, inclusive as que são ligadas ao nascimento, são inevitáveis; a natureza benigna e a bênção de Deus à humanidade iluminam e protegem os berços, beijam-nos, porém não os nivelam" (idem, vol. III, p. 347). –– Mas, depois do Concílio Vaticano II esta doutrina dos Papas mudou – interrompe contrariado Eusébio. –– Não se afobe, meu caro – pondera dona Carolina –, temos ainda outros documentos a considerar: ouçam este, do Papa que convocou o Concílio, João XXIII, na Encíclica Ad Petri Cathedram: "A concórdia que se procura entre os povos deve ser promovida cada vez mais entre as classes sociais... Quem ousa, pois, negar a diversidade de classes sociais contradiz a ordem mesma da natureza" (Acta Apostolicae Sedis, vol. LI, nº 10, pp. 505-506). –– "E temos por fim – conclui a professora – um pronunciamento de João Paulo II, em alocução aos jovens brasileiros, em Belo Horizonte. Ouçam-no: ‘Aprendi que um jovem começa perigosamente a envelhecer quando se deixa enganar pelo princípio fácil e cômodo de que '0 fim justifica os meios', quando passa a acreditar que a única esperança para melhorar a sociedade está em promover a luta e o ódio entre grupos sociais, na utopia de uma sociedade sem classes que se pode revelar bem cedo na criação de novas classes" (Todos os pronunciamentos do Papa no Brasil, Loyola, São Paulo, 1980, p. 34). A última aula deste período escolar assim se encerra, em meio à febricitação prenunciativa das férias. Fernando, Bonifácio e Eusébio deixam a sala pensativos. Este último, um tanto acabrunhado. Os outros dois, alegres. Comente esta doutrina, leitor, com seus vizinhos, amigos e conhecidos.
Página seguinte