Poucas vezes a História do Brasil registrou uma tão grande turbulência política quanto a dos últimos meses.
Desde o segundo semestre de 1992, todas ou quase todas as atenções, por efeito de uma gigantesca mobilização da generalidade dos veículos de comunicação social, foram polarizadas para o problema da corrupção. Tudo se passou como se este fosse o mais importante e único problema do Brasil.
Ao lado da convulsão política, um insolúvel quadro de crise econômica vem absorvendo ao extremo as preocupações quotidianas de quase todos os brasileiros.
Trabalhada por esses elementos, e por outros que não é o caso de mencionar aqui, a opinião pública brasileira permaneceu alienada dos importantes fatos que se davam em Brasília em torno da aprovação da Reforma Agrária.
"Quem poderia imaginar que votaríamos o projeto de regulamentação da Reforma Agrária com as galerias vazias", exclamou o deputado Roberto Rollemberg, na sessão do dia 26 de junho de 1992, quando foi aprovado, em primeiro turno, o projeto de lei 11/91 que define os critérios relativos às desapropriações (1).
Coincidência ou não, o fato é que os projetos de lei da Reforma Agrária foram aprovados justamente durante esse período de convulsão política.
Sintomaticamente, a grande mídia, atuando como uma orquestra bem afinada, destilou um noticiário relativo à Reforma Agrária pontilhado de carências, contradições e até inverdades.
A tal ponto foi a desinformação, que importante jornal de São Paulo, por ocasião da aprovação de um dos projetos de lei agro-reformistas, publicou uma notícia em primeira página anunciando "uma vitória" dos ruralistas.
Assim, no caso da Reforma Agrária, o processo de elaboração legislativa foi divorciado da opinião pública, a qual ficou distante dos fatos, como nós brasileiros estamos das pirâmides do Egito.
Contrastando com tal clima de modorra e de desinformação, a TFP promoveu um monumental abaixo-assinado de repúdio à Reforma Agrária e à Reforma Urbana, tendo conseguido a adesão de 1.133.542 brasileiros que pediam um plebiscito sobre as matérias, antes da aprovação de qualquer projeto.
Infelizmente, nossos legisladores preferiram ignorar os mais profundos desejos do povo, optando por um descolamento do eleitorado, antes do que rejeitar a Reforma Agrária.
De modo sintomático, enquanto a opinião pública era atraída fortemente para outros temas, em Brasília deputados e senadores responsáveis pela tramitação dos projetos trabalhavam sobre eles noite e dia, em clima de inexplicável açodamento.
Os projetos foram aprovados sob forte pressão de setores agro-reformistas do Governo e da esquerda parlamentar, que exigiam quase sempre regime de urgência para eles.
Em alguns casos, como no dia 26 de junho, os deputados não chegaram sequer a votar, pois prevaleceu o chamado "acordo de lideranças", ficando dispensado o voto pessoal dos parlamentares.
No que diz respeito à Reforma Agrária, a esquerda parlamentar atuou decididamente segundo a máxima "dez passos à frente e dois para trás".
Ou seja, sempre, ou quase sempre, a iniciativa dos projetos foi de parlamentares dos partidos de esquerda: PT, PSDB, PDT, PPS (ex-PCB) etc. Apresentado o projeto, este começava a tramitar pelas comissões, as quais acabavam por fazer prevalecer os textos ao gosto dos esquerdistas.
Na discussão que então se apresentava, deputados tidos como defensores da classe ruralista faziam pé firme em dois ou três pontos secundários do projeto, como se em tais artigos se jogasse a salvação ou perdição da classe rural.
Os esquerdistas, depois de algum tempo, acabavam cedendo nesses pontos, em troca da aceitação do texto básico que eles mesmos haviam apresentado inicialmente.
Surgia, assim, em clima de confraternização, um "projeto de consenso".
Desta forma, todas as correntes partidárias acabaram trabalhando para a Reforma Agrária. Não houve oposição válida. Até deputados não-comunistas fizeram propostas para tomar viável o plano dos deputados comunistas.
Tal situação faz lembrar a disputa entre girondinos e jacobinos durante a Revolução Francesa. Ambos se digladiavam na Assembleia, mas todos queriam a morte do Rei. Ao final, os girondinos, que eram os moderados, acabaram guilhotinados como sucedeu com Luís XVI, por ordem dos jacobinos.
No caso do projeto 11/91, cujo texto-base é de autoria de quatro deputados do PT, ganhou ele possibilidade de aprovação graças a acordos conduzidos por dois deputados ruralistas, atuais ou ex-diretores das Federações de Agricultura em São Paulo e Minas Gerais.
"A reforma agrária foi aprovada na Câmara em virtude do trabalho realizado por Fábio Meirelles", declarou o deputado Abelardo Lupion (PFL/PR) (2).
Na sessão do dia 26 de junho, quando o projeto foi aprovado em primeiro turno, o presidente da Câmara, deputado Ibsen Pinheiro, enalteceu "a contribuição excepcional" do deputado Odelmo Leão, distinguindo-o como um dos "maiores responsáveis pela construção dos acordos" que permitiram a aprovação da matéria (3).
"Uma vitória dos que lutamos pela reforma agrária. Os latifundiários foram derrotados", anunciou festivamente o "Jornal dos Sem Terra" (4).
"A melhor lei agrária que o Brasil já teve", comentou o deputado federal petista Pedro Tonelli (PT/PR) (5).
Para o deputado federal Sérgio Arouca, do Partido Popular Socialista (novo nome do Partido Comunista Brasileiro), "esta Casa, as Lideranças e os Relatores que estiveram envolvidos na negociação destes dois projetos têm todos os motivos para comemorar" (6).
A deputada baiana Socorro Gomes, do Partido Comunista do Brasil, autora de um dos projetos acolhidos pelos relatores, afirmou: "No caso do projeto da reforma agrária, agora em votação, o Partido Comunista entende que importante sua aprovação.... O Partido Comunista vai votar a favor do projeto" (7).
A Constituição de 1988 incluiu dispositivos relativos à Reforma Agrária (artigos 184 a 19 1) que precisavam ser regulamentados. Já a partir de março de 1989 começaram a aparecer no Congresso projetos de lei que visavam essa finalidade.
O governo ColIor não pôde fazer nenhuma desapropriação, uma vez que o Poder Judiciário entendeu que faltava lei que definisse os critérios para isso.
Os então ministros Célio Borja, da Justiça, e Antonio Cabrera, da Agricultura, anunciaram que pretendiam "acelerar as negociações com o Congresso, e garantir a aprovação, o mais rápido possível, do projeto de lei que regulamenta a desapropriação de terras" (8).
Cabrera, queixando-se de que o governo só estava podendo fazer assentamentos em áreas compradas, declarou: "Desapropriar é muito mais rápido" (9).
Além da falta de lei específica para as desapropriações, os agro-reformistas não suportavam a demora dos processos judiciais.
Para o ex-ministro Cabrera, a aprovação de um rito sumário nas desapropriações impediria que "os processos permaneçam até sete anos nas mãos da Justiça" (10).
Assim, a Reforma Agrária no Brasil
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